sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

O REINO DE DEUS E O PODER POLÍTICO (II)

 

O REINO DE DEUS E O PODER POLÍTICO (II)

 

4. Jesus e o poder

 

No contexto de uma sociedade monárquica e de um poder imperial, a palavra “reino” não se refere a outra coisa que não a determinada forma de organização política da sociedade. Para nós, habitantes de repúblicas, a palavra “reino” passou a evocar realidades de contos de fada ou algo com sentido metafórico. Mas essa não era a perspectiva israelita.

A palavra “reino”, em qualquer avaliação, é uma palavra que descreve uma instituição política de sociedade. Ela é, em sua origem, um termo político, mesmo se um número de leitores da Bíblia (…) tenha apropriado o termo metaforicamente. (…) O resultado da carreira de Jesus mostra que, preferencialmente, sua proclamação a respeito do reino de Deus foi política, não metafórica e muito menos “espiritual” (Malina, 2004, p. 11).

Portanto, ao proclamar o Reino de Deus, Jesus estava propondo também (como condição para um reino pleno) nova estrutura de organização da sociedade, e, para isso, era necessário substituir a estrutura existente (o reino de Herodes e o reinado dos imperadores romanos) e estabelecer uma nova. Não é razoável pensar que isso possa ser feito sem que se “tome” de alguma forma, o poder na sociedade. A parábola dos administradores perversos (cf. Mc 12,1-12) não deixa dúvidas sobre a necessidade de destituir o poder dominante e “entregar a vinha a outros”. Ela é tão clara, que os próprios chefes dos sacerdotes entenderam que a mensagem se dirigia a eles e à sua estrutura de poder e, por isso, procuraram matar Jesus. O fato também de essa parábola ter sido contada no Templo (sede do poder político-religioso local) indica claro direcionamento da mensagem ao poder es­tabelecido. Portanto, a tomada de poder fazia parte do programa de Jesus. Mas de que forma?

Não havia, naquele tempo, a possibilidade de uma tomada de poder pela via eleitoral. Ou era uma tomada violenta, ou não acontecia. Isso poderia inviabilizar uma reflexão que lançasse luz à nossa situação atual. No entanto, se fizermos pequena abstração, sem forçar os conceitos, podemos fazer uma analogia entre a tomada de poder apenas pela eleição e a sua conquista pela força: ambas as formas têm a característica de ser uma tomada brusca do poder que substitui repentinamente os ocupantes da máquina estatal. Se, por um lado, elas se diferem no método (uma é pelas armas e outra pelas urnas), por outro, têm em comum a característica de ser uma troca repentina dos ocupantes do poder estatal.

Será, então, importante ver como Jesus avaliava a tomada repentina e violenta de poder para, guardadas as devidas proporções, perguntarmo-nos sobre a tomada de poder por meio das eleições.

Em outro momento da história (século II a.C.), o qual certamente ainda estava bastante presente na memória coletiva dos israelitas da época de Jesus, ocorreu grande revolta na Judeia, liderada inicialmente por Matatias e depois conduzida por seu filho Judas, apelidado Macabeu (o martelo), e seus irmãos. A pressão do rei selêucida Antíoco IV para que toda a Judeia se adaptasse à religião, às leis e aos costumes gregos e a subserviência da elite política judaica ao domínio estrangeiro (cf. 2Mc 4,7-17) geraram grande insatisfação entre o povo. A vitória da Guerra dos Macabeus contra o império helenístico dos selêucidas e contra seus representantes judeus (os sumos sacerdotes Jasão e Menelau e a elite judaica) conseguiu estabelecer um governo autônomo na Judeia a partir da tomada do poder local. A dinastia que se iniciou com a tomada do poder pelos macabeus ficou conhecida como “asmoneia” (de Asmon, ancestral dos irmãos macabeus) e seus reis sumos sacerdotes, como reis “asmoneus.

Mas em que resultou essa tomada de poder? Com a morte de Judas, seu irmão Jônatas assumiu a liderança da revolta e, após a vitória, empossou-se no cargo de sumo sacerdote. Seu irmão, Simão, substituiu-o após a sua morte e, além de concentrar poderes em suas mãos, passou o cargo de sumo sacerdote a seu filho João Hircano, dando início à dinastia asmoneia.

O que tinha começado como uma revolta de camponeses judeus, uma guerra de guerrilha contra os exércitos selêucidas, terminou não com a implantação do Reino de Deus, mas simplesmente no estabelecimento de uma nova dinastia de sumos sacerdotes (Horsley, 1995, p. 37).

Surpreendentemente, os reis asmoneus, a partir de João Hircano e seu filho Alexandre Janeu, fizeram acordos com impérios vizinhos, traíram os ideais da revolta macabaica, empenharam-se em um processo de helenização da sociedade judaica (justamente o motivo que fomentou a revolta do povo judeu), conquistaram violentamente povos vizinhos, destruíram o templo dos samaritanos sobre o monte Garizim e impuseram às populações dominadas a circuncisão e a forma de religião da Judeia, que não era a mesma entre israelitas de outras regiões, como a Galileia (para maiores aprofundamentos, ver Gottwald, 1988, pp. 415-426; e Horsley, 1995, pp. 28-43).

Isso certamente foi motivo de grande frustração e decepção por parte daqueles que combateram na esperança da criação de um reino governado por Deus. Os que viam na sua luta pela tomada do poder a oportunidade de viver de acordo com a lei de Moisés e com sua tradição tiveram seus sonhos destruídos com o estabelecimento de um governo que em nada se diferenciou das dinastias anteriores e nem dos governantes dos impérios pagãos.

A insatisfação e a decepção dos judeus com o governo dos asmoneus deram origem ao partido dos fariseus e aos essênios. Os benefícios proporcionados pela dinastia asmoneia a um grupo especí­fico da população judaica criaram o partido dos saduceus entre os grandes proprietários de terra e a elite que orbitava a corte real e sumo sacerdotal. Isso significa que a configuração da política no tempo de Jesus estava diretamente ligada com a experiência da tomada do poder a partir da rebelião macabaica e com a traição dos ideais revolucionários por parte dos reis sumos sacerdotes asmoneus. A dinastia asmoneia só se encerrou em 63 a.C, com a conquista romana da Palestina e com a perda da independência para o império romano.

Jesus e seus contemporâneos experimentavam novamente o domínio direto de uma nação estrangeira. Localmente, o domínio do território do antigo reino de Israel estava dividido entre Herodes Antipas (Galileia e Pereia) e Pilatos (Judeia e Samaria). Como não havia separação entre religião e política, os assuntos cotidianos da administração da Judeia eram decididos pelos conselhei­ros do Templo, chefiados pelo sumo sacerdote judeu indicado por Roma. Mas a autoridade do Templo se estendia a questões respeitantes à lei judaica mesmo para os judeus que viviam fora do território da Judeia.

O Sinédrio era composto de saduceus, doutores da lei, uma elite sacerdotal e alguns fariseus. Estes últimos, embora tenham tido atitude hostil com relação ao domínio asmoneu, passaram, em sua maioria, a dar apoio e sustentação à elite judaica e a orbitar o Templo. Este parece ter sido outro caso exemplar de traição de princípios, e não de adesão a uma doutrina equivocada. Nas palavras de Jesus, os fariseus partilhavam da “boa” doutrina: “Os doutores da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, vocês devem fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles falam e não praticam” (cf. Mt 23,1-3). A traição ocorreu porque os fariseus se tornaram “amigos do dinheiro” e contribuíram com a “exploração do órfão e da viúva” (Lc 16,4; Mt 23,13-36).Mas essa sentença não pode ser generalizada, dado que muitos movi­mentos de resistência na Palestina foram liderados por fariseus; o problema parecia estar no rumo que seu partido havia tomado.

Uma situação insustentável de miséria se impôs sobre a Palestina. Os altos impostos pagos a Roma se somavam à tributação exagerada lançada por Antipas sobre os galileus e ao imposto do Templo de Jerusalém. Isso contribuiu com o enriquecimento excessivo de membros da elite judaica, que, beneficiara de dívidas contraídas por camponeses em dificuldade, passaram a juntar grandes propriedades de terra. O controle do Templo também rendia grandes somas aos sumos sacerdotes e aos membros do Sinédrio.

Quanto mais pobre, mais se sofria com a exploração e a pesada carga de impostos. Jesus faz essa observação a respeito da viúva pobre que teve de depositar no tesouro do Templo tudo que tinha para viver, enquanto os ricos pagavam o que lhes sobrava (cf. Mc 12,38-13,2; Lc 20,45-21,7; notemos que, nessas passagens, Jesus denuncia os membros do Sinédrio antes e profere uma sentença contra o Templo depois de constatar o episódio da viúva pobre — a leitura deve ser feita ignorando a divisão dos capítulos).

Nesse cenário, como ficava a esperança no Reino de Deus, promessa feita por meio dos profetas e esperada principalmente pelos pobres e pelos camponeses destituídos de suas terras e rendas?

Alguns grupos acreditavam ser possível vencer a dominação estrangeira pela força, mediante guerras localizadas contra os poderes locais, como fizeram os macabeus. Todas essas tentativas, contudo, eram massacradas pelo poder romano ou pelas forças locais de Herodes, e seus líderes eram mortos, muitas vezes por crucificação (para conhecer essas experiências, ver o estudo de Horsley, 1995, sobre os movimentos populares no tempo de Jesus).

Jesus não parecia nutrir simpatia pela tomada do poder como um momento explosivo de uma revolta armada nem pretendia ser empossado como rei davídico. Isso provavelmente não era decorrência de uma pregação de não violência incondicional. É evidente que uma pregação centrada no amor rejeita veementemente a violência. Mas isso é parte de um projeto, e não uma conde­nação ingênua a qualquer forma de violência.

É mais razoável pensar que a rejeição a uma estratégia de tomada explosiva de poder era decorrente de uma reflexão acerca da eficácia desse tipo de atitude à luz do projeto mais amplo de construção do Reino de Deus. Ou seja, além das forças romanas serem maiores — o que produziria o massacre de qualquer levante —, o Reino exigia muito mais do que simplesmente trocar o governo.

Em Lc 13,1-5, Jesus é informado sobre o massacre de galileus por Pilatos. A ação direta do governo romano só recaía sobre rebeldes que representassem uma ameaça, mesmo que pequena, aos interesses do império. Crimes comuns eram punidos pelas instâncias das administrações locais (recorde-se que Pilatos sugeriu aos sacerdotes que julgassem Jesus de acordo com suas leis, pois não o via como uma ameaça direta a Roma). Certamente, tais galileus faziam parte dos inúmeros grupos de rebeldes que agiam naquele tempo, senão não sofreriam a pena de Pilatos.

Nessa passagem, Jesus diz a seus discípulos que, se eles não mudarem sua forma de ver as coisas (não fizerem uma “transição de pensamento”, em grego metanoia, traduzido como “conversão”, mas com sentido mais profundo do que aquele que tem essa palavra hoje), eles vão morrer do mesmo jeito. “Todos que usam a espada, pela espada morrerão” (Mt 26,52). Portanto, deveria haver outra forma de ação com relação ao poder que não fosse a ação direta contra ele ou sua conquista explosiva. Era necessário pensar de forma substancialmente diferente (essa é a forma mais adequada de entender o significado da palavra metanoia).

O Reino, para Jesus, não viria de forma explosiva e de uma só vez. As parábolas sobre o Reino (cf. Mt 13 e Mc 4) o revelam como processo, e não como um acontecimento pontual. “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘está ali’; porque o Reino de Deus está no meio de vocês” (Lc 17,20-21).

Por isso, de nada adiantaria tentar criar um reino apenas com a destituição dos que ocupavam o Templo. Isso poderia repetir a história dos macabeus e seria colocar remendo novo em panos velhos (cf. Mt 9,16ss; Mc 2,21ss). Era preciso renovar o pano, e não apenas remendá-lo. O projeto de Jesus, portanto, pregava a tomada gradativa e histórica do poder, e não a sua tomada de assalto. Na verdade, trata-se de um projeto de construção de uma nova ordem, e não de sua imposição por meio do controle do aparato religioso-estatal. Jesus não queria ser rei (cf. Jo 6,15); seu projeto era muito mais amplo e apontava para um tempo que não poderia sequer ser previsto (cf. At 1,7-8).

Trilhar o caminho para esse Reino era também construí-lo. Ele seria resultado de uma semeadura ou de uma fermentação. A sociedade tem de ser mudada por dentro, em suas relações (econômicas, sociais e políticas) e em seu pensamento (a racionalidade pela qual se interpreta o mundo).

O Reino exige a mudança de relações econômicas na sociedade. É preciso praticar uma nova economia, diferente daquela que gera divisão. Por isso, Jesus pregava o perdão das dívidas e a prática de empréstimos e doações desinteressadas em um ambiente em que alguns se enriqueciam pela cobrança das dívidas (“Dê a quem lhe pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir emprestado”; “emprestem sem esperar coisa alguma em troca”; “perdoa as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores”). Por isso ele exigia do rico “vender tudo e dar aos pobres”, não como caridade, mas como redistribuição da riqueza em nome da justiça que o Reino exige. Foi por isso, enfim, que os primeiros cristãos aboliram a propriedade privada em suas comunidades (cf. At 2,44-45; At 4,32-35).

O Reino exige também uma nova relação social. Os pobres passam a ocupar o centro, ao contrário da sociedade existente. Eles são os preferidos de Deus e os primeiros no seu Reino (cf. Mt 5,1; Lc 6,20-21). Os rejeitados (“os pobres, os aleijados, os cegos e os mancos”) são os que participarão da festa do Reino (cf. Lc 14,15-24). Os últimos serão os primeiros, e os que se “vestem com roupas finas e vivem no luxo” (Lc 7,25) e constituem a elite da sociedade serão “derrubados dos tronos” e “despedidos sem nada”.

A exigência é também de uma nova relação de poder (política) entre as pessoas. Jesus lavou os pés dos discípulos, mostrando que poder é serviço e quem quer ser o maior deve ser o principal servidor. Quando Tiago e João pretenderam se beneficiar de posições de poder, pedindo um lugar à direita e outro à esquerda do trono de Jesus (os “cargos” mais importantes), tiveram como resposta: “Vocês sabem: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes têm autoridade sobre elas. Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro deverá tornar-se servo de vocês (cf. Mt 20,24-27). É uma total inversão dos desejos de poder que prevaleciam na sociedade antiga e prevalecem também na atual (a disputa por cargos e posições privilegiadas, mesmo nos governos de esquerda, pode ser lembrada facilmente aqui).

Além de uma transformação das relações humanas na sociedade, o Reino exige também a mudança de pensamento. É preciso tomar cuidado com o “fermento dos fariseus [dos saduceus] e de Herodes” (Mc 8,14-21; Lc 12,1). O fermento dos fariseus, dos saduceus e de Herodes gera a concentração de riqueza e a negação do alimento ao povo. O fermento novo, conforme nos esclarece o texto do Evangelho, está relacionado à distribuição de pães para milhares de pessoas, sobrando vários cestos. A racionalidade dominante na época (o fermento dos fariseus, dos saduceus e de Herodes) favorecia a concentração de riqueza e a divisão social. Uma nova racionalidade (o fermento do Reino) favorecia a partilha e a cooperação entre a população (ver como as partilhas dos pães e dos peixes, às quais Jesus se refere nas passagens acima, foram efetuadas em Mc 6,30-44; 8,1-9).

O Reino de Deus seria resultado de toda essa transformação da sociedade. Isso seria “renovar o pano”. A tomada do poder (instalação de um novo Reino, que exige nova ordem econômica e política) será o resultado dessa transformação. Concentrar as forças na ocupação do aparelho político, acreditando que essas transformações seriam automáticas ou consequências de novas configurações de governo, não era a estratégia de Jesus — e não deveria ser, portanto, a estratégia dos cristãos.

5. Pistas para a relação entre fé e política

Como vimos na introdução, a redução da política às eleições não foi elaboração estratégica teórica, mas prática real entre aqueles que queriam construir uma nova sociedade. Para grande parte dos militantes, também os cristãos, a tomada do poder pelas eleições se sobrepôs à construção gradativa e histórica de uma alternativa. Os resultados não parecem ter sido muito satisfatórios e lembram um pouco a história dos macabeus e o destino do partido dos fariseus.

Mas isso não foi sempre assim nem significa que todos passaram a agir dessa forma. Na verdade, foi com base em uma compreensão mais ampla do conteúdo político do Reino que muitos consideraram a tomada do poder institucional como um meio e não um fim, o que justificou, durante muitos anos, a preocupação com o caráter educativo das campanhas eleitorais e a existência de um trabalho intenso de mobilização social. Ganhar eleições não era a única meta. Muitos, hoje, ainda mantêm essa perspectiva. Mas, infelizmente, a balança acabou pendendo mais para a tomada explosiva do poder pelas eleições.

Por vários motivos (entre os quais é preciso destacar nossas deficiências no trabalho formativo), o que era meio tornou-se fim. Fé e política passou a significar “fé e eleição”. Por isso é preciso refundar a utopia cristã da construção gradual do Reino, à luz da qual toda ação concreta passa a ser vista como mediação para um projeto mais amplo. A decepção com algumas experiências de tomada do poder pelas eleições é fruto de uma concepção equivocada do processo de transformação social.

Isso não significa que a participação nas eleições seja um equívoco. Convém deixar bem claro que a possibilidade que a democracia nos proporciona de ocupar espaços nos poderes estatais (Executivo e Legislativo) é um elemento da nossa realidade que precisa ser aproveitado. Não havia nada semelhante no tempo de Jesus; por isso, temos de construir a nossa própria reflexão sobre como agir neste espaço eleitoral e de exercício de mandatos. A questão discutida aqui é o papel que isso cumpre na construção do Reino.

Como conclusão, gostaria de sugerir algumas frentes possíveis de ação pastoral que, em minha opinião, contribuiriam para um resgate adequado das dimensões políticas da nossa fé.

1. Em primeiro lugar, creio que seja necessário intensificar o trabalho de formação contínua e sistemática. Mesmo que o tema “formação” esteja sempre como prioridade, muitas vezes acaba se resumindo a atividades pontuais e sem continuidade. As agendas de formação estão quase todas preenchidas com palestras ou atividades isoladas de fim de semana. É preciso investir em formação contínua, com grupos fixos de participantes em um tempo mais estendido. Só assim será possível a reflexão sobre temas mais amplos como Bíblia, sociedade, economia, história etc., de onde se poderá entender a estratégia de ação cristã.

2. O tema “fé e política” deve ser posto em pauta todo o tempo, e não apenas em anos eleitorais. É preciso criar atividades constantes que estabeleçam essa relação, a fim de evitar a redução da política às eleições.

3. O tema “fé e política” ou “fé e transformação social” deveria ser proposto como tema transversal. Um tema transversal é aquele que perpassa todas as atividades das pastorais e não se restringe a um momento específico de reflexão. As implicações políticas de nossa fé não deveriam ser tema restrito a um grupo específico, como se fosse um dos carismas ao qual apenas alguns se dedicam. Nada impede que um grupo priorize essa reflexão para servir os outros, mas essa não pode ser uma atividade “opcional” entre outras, dado que é um tema essencial dos Evangelhos.

4. É também necessário voltar a conhecer as diversas formas de ação política na sociedade que não sejam eleitorais e participar delas, como se fazia antes. Percebe-se, hoje, que muitos cristãos engajados em pastorais sociais e nas CEBs têm militância exclusiva na Igreja. Fala-se muito mais em “apoio” aos movimentos sociais do que em “participação” neles. Os movimentos sociais não podem ser compreendidos como uma terceira pessoa que se relaciona com a comunidade eclesial. Deve-se pensar novamente no “protagonismo” dos cristãos nas organizações da sociedade civil.

5. Também na perspectiva de uma transformação econômica histórica, é necessário valorizar as experiências da nova economia popular, conhecidas como economia solidária, e todas as práticas econômicas de cooperação. Diversos grupos na Igreja já estão fazendo isso, mas é preciso também dar um caráter político a elas, para que se perceba o seu papel como possíveis gestoras de uma nova sociedade, e não apenas como alternativas de vida “dentro da ordem” (ver Abdalla, 2002).

6. Aos cristãos que buscam ocupar espaços no poder estatal, seria interessante refletir sobre os limites e as possibilidades de sua campanha e de seu mandato dentro do projeto do Reino, para evitar que o mandato cristão se caracterize apenas por ser “mais honesto” ou limitado às questões morais da doutrina católica. Qual a contribuição maior do exercício do poder para a “tomada” do poder na perspectiva do Reino de Deus?

Essas são apenas sugestões. O desafio é muito maior do que elas. Mas a comunidade dos cristãos pode se organizar, procurando descobrir a melhor forma de ação diante dos desafios da realidade atual.

 

Bibliografia

ABDALLA, Maurício. O princípio da cooperação: em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: Paulus, 2002.

FLUSSER, David. Jesus. São Paulo: Perspectiva, 2002.

GOTTWALD, Norman K. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica, São Paulo: Paulus, 1988.

HORSLEY, Richard A. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.

—. Arqueologia, história e sociedade na Galileia: o contexto social de Jesus e dos rabis. São Paulo: Paulus, 2000.

—. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.

MALINA, Bruce J. O evangelho social de Jesus: o reino de Deus em perspectiva mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004.

 

Maurício Abdalla

 

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