Vll- REFLEXÃO DOMINICAL II
Exaltação da Santa Cruz
Nm 21,4b-9;Sl 77;Fl 2,6-11;Jo 3,13-17
Este ano a Festa da
Exaltação da Santa Cruz ocorreu num domingo, neste XXIV do Tempo Comum.
É uma festa antiga, a de
hoje. Em 335, no dia 13 de setembro, foram dedicadas duas grandes basílicas,
construídas pelo Imperador dos romanos, Constantino Magno: uma no Gólgota e
outra, no Santo Sepulcro. No dia seguinte, hoje, foram expostos ao povo, com
imensa piedade, os restos da cruz do Senhor. Daí a nossa festa hodierna: a
Exaltação da Santa Cruz.
O mistério da cruz!
Glória, suplício e tentação de escândalo para os cristãos; loucura inaceitável,
insanidade deplorável para o mundo!
Na Sexta-feira Santa,
durante a solene celebração da Paixão do Senhor, há um rito impressionante,
comovente: o diácono, igreja adentro, traz uma cruz velada… e três vezes,
descobrindo-a pouco a pouco, proclama, cantando: “Eis o lenho da cruz, do qual
pendeu a salvação do mundo!” Frase estupenda, escandalosa, impressionante: no
absurdo da cruz, na derrota da cruz, a Igreja proclama, que brotou a vida do
mundo! Como pode ser? Naquela celebração, o povo, de joelhos, responde ao
diácono: “Vinde, adoremos!” É belo, este rito; é comovente! Mas, como é
difícil, como é dolorosa, na nossa vida e na vida do mundo, a realidade que ele
exprime – o mistério da cruz, de uma humanidade crucificada, de um mundo
crucificado!
A cruz de nosso Senhor
Jesus Cristo está no centro da nossa fé, pois, por ela, o Senhor Jesus venceu a
nossa morte e ingressou na vida de ressurreição. Por isso, São Paulo exclama:
“Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl
6,14). Mas, o que é a cruz? É uma tragédia, é um sinal de derrota, é resultado
de uma injustiça miserável, é silêncio de Deus, que parece esquecer a dor do
Filho e se cala diante da maldade, do pecado e da morte. A cruz de Jesus, em si
mesma, é um terrível escândalo… em si mesma, seria sinal que Deus não existe e,
se existe, não liga para a dor humana, para a injustiça que massacra o
inocente… Na cruz de Cristo está significada toda a cruz do mundo e da
humanidade: a cruz do inocente que sofre, a cruz dos órfãos, dos que morrem na
guerra, a cruz dos pobres, sem nome, sem vez nem voz… Na cruz do Senhor estão
tantos povos e raças oprimidos, dizimados pela ganância e pelo ódio… Na cruz de
Cristo está simbolizada toda dor, todo fracasso, toda solidão, todo peso do
mundo… Na cruz do Senhor está tudo aquilo que nos deixa com uma pergunta presa
na garganta: “Por que tanta dor, tanto sofrimento, tanta injustiça? Por que
Deus se cala? Por que permite? Onde ele está?” Não pode compreender o mistério
da cruz quem não se deixa atingir e questionar por estas perguntas, por estas
dores, por estes prantos! Não pode proclamar o triunfo do Senhor quem não
suportou o absurdo da cruz do Senhor! A cruz não é um ornamento, uma
brincadeira; a cruz é um ícone, um símbolo, uma parábola impressionante e
dolorosa! Na cruz está significado tudo aquilo que tanto nos apavora! E, no
entanto, Jesus diz, no evangelho de hoje, que era necessário passar pela cruz:
“Do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário
que o Filho do Homem seja levantado…” (Jo 3,14). Palavra impressionante,
confirmada após a ressurreição: “Não era necessário que o Filho sofresse tudo
isso e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24,26). Por que era necessário? Por
que no caminho do Cristo e do cristão tem que estar a cruz, bendita e maldita?
Por quê? E Para quê?
Para mostrar-nos até
onde o pecado nos levou e até onde o amor de Deus está disposto a ir por nós.
Vivemos num mundo
crucificado, somos uma humanidade crucificada, porque nos afastamos da vida,
que é Deus. Como o povo de Israel no caminho do deserto, que perdeu a paciência
e murmurou contra o Senhor (cf. 1a. leitura), assim a humanidade foi e vai se
fechando para o Deus da vida e foi e vai encontrando a morte. Quantas serpentes
venenosas mordem nossa existência! Mas, Deus não se cansou de nós: “Amou tanto
o mundo que entregou o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer,
não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Era necessário! Era necessário
mostrar a gravidade do nosso pecado, da nossa loucura de querer construir nossa
existência sem Deus. Era necessário também mostrar até que ponto Deus nos leva
a sério, até que ponto sofre conosco, até que ponto nos é solidário: ele não
explica o sofrimento; silenciosamente, toma-o sobre os ombros, sofre conosco
até o mais baixo da humilhação, da solidão e da dor: “Ele esvaziou-se de si
mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens.
Encontrado com aspecto de homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente
até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,7). No seu Filho único e querido, o Pai se
condói com nossa dor, “com-sofre” conosco, como Deus de “com-paixão”. Ninguém,
contemplando a cruz, pode pensar que Deus é indiferente e frio ante o
sofrimento do mundo. Ele não nos explica o sofrimento; toma-o sobre os ombros,
silencioso e cheio de dolorido amor e piedade! Contemplar o mistério da cruz é
levar a sério que existe dor e miséria no mundo; é deixar-se tocar por todo
sofrimento humano… mas é também compreender que Deus assumiu tudo isso em Jesus
crucificado e venceu tudo isso na ressurreição. Contemplar a cruz dá-nos a
graça de nunca perder a esperança, mesmo diante dos maiores percalços. Quem
contempla a cruz, não perde a confiança em Deus, não se desespera, não se
despedaça: “Do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é
necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos aqueles que nele
crerem (que o contemplarem), tenham a vida eterna” (Jo 3,16). A cruz, portanto,
joga-nos na realidade da vida e do mundo – realidade crua…. mas, cheios de
esperança, pois sabemos que Cristo fez dela, da cruz, um sinal de amor e
ressurreição.
Por isso a cruz era
necessária; por isso Paulo não queria gloriar-se a não ser na cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo; por isso hoje louvamos o mistério da cruz; por isso nos
dispomos a não só traçar o sinal da cruz sobre nós com devoção, mas a viver
nossa cruz unidos a Cristo, invencíveis na esperança da ressurreição; por isso
cantamos hoje com a Igreja:
“Do Rei avança o
estandarte, / fulge o mistério da cruz, / onde por nós foi suspenso / o Autor
da vida, Jesus.
Ó cruz feliz, dos teus
braços / do mundo o preço pendeu; / balança foste do corpo / que ao duro
inferno venceu!
Árvore esplêndida e
bela, / de rubra púrpura ornada, / de os santos membros tocar / digna, só tu
foste achada.
Salve, ó cruz, doce
esperança, / concede aos réus remissão; / dá-nos o fruto da graça, / que
floresceu na Paixão”.
D. Henrique Soares da
Costa
https://presbiteros.org.br/homilia-de-d-henrique-soares-da-costa-exaltacao-da-santa-cruz/
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