A
primeira e a segunda leitura deste domingo nos falam da eleição de Deus. Deus
escolhe
os pequeninos (fracos) para confundir os poderosos deste mundo. O
evangelho,
na mesma direção, apresenta o programa do discipulado de Jesus.
Somente
os pobres em espírito (pequeninos, fracos) poderão trilhar os caminhos do
Senhor.
As bem-aventuranças são o itinerário dos que seguem a Jesus de Nazaré.
Felizes
são aqueles que encontram apoio somente no Pai. Eles são felizes porque
buscam
o bem para todos. A sua felicidade está na prática do bem (amor). Na
contramão
da cultura atual, em que a felicidade se reduz a “bem-estar” individual, a
felicidade
de que nos fala Jesus encontra-se somente em Deus e, portanto, só
seremos
verdadeiramente felizes quando construirmos um mundo humano para todos!
Quando,
imitando a felicidade da Trindade, construirmos comunhão!
II.
Comentários dos textos bíblicos
1. Evangelho: Mt 5,1-12a
As
bem-aventuranças consistem no programa de seguimento de Jesus. São oito ou
nove
ilustrações de como viver centrado em Deus. O(a) discípulo(a) encontra a sua
felicidade
somente centralizado(a) em Deus. Sua recompensa vem da bondade divina.
Em
Mt 5,1-12, Jesus apresenta as bem-aventuranças ilustradas, e Mt 25,31-46, as
bem-aventuranças
consumadas. Os bem-aventurados de Mt 5,1-12 correspondem aos
benditos
do meu Pai de Mt 25,31-46.
O
convite de Jesus aos seus discípulos significa isto: descentralizai-vos de vós
mesmos,
não busqueis vossa felicidade segundo os vossos interesses. Centralizai-vos
em
Deus e sejais felizes construindo um mundo no qual todos possam ser felizes.
Ninguém
é feliz sozinho. Só de Deus vem a verdadeira felicidade, e ele é Pai de todos.
As
bem-aventuranças
“Felizes
os pobres no espírito, porque deles é o Reino de Deus” (v. 3). Os pobres no
espírito
– correspondentes ao conceito de pequeninos em Lucas — são aqueles que
não
possuem nenhum apego aos bens deste mundo. Eles são capazes de repartir os
bens
com os outros. São felizes porque sabem que os critérios de felicidade de Deus
são
diferentes dos critérios humanos. Não possuem nenhum bem mundano! O
coração
deles não tem amarras. Estão livres para voltar-se para Deus. Por isso
mesmo,
sua recompensa só pode ser o Reinado de Deus. Descentralizados de si,
tudo
repartem, pois seu tesouro é um só: Deus. Onde há partilha, há lugar para
todos:
todos
são inclusos!
“Felizes
os que choram, porque serão consolados” (v. 4). Os que choram são aqueles
que
padecem a injustiça de uma sociedade excludente. Os marginalizados, os que
não
contam para um sistema econômico cuja base se assenta no consumo. São “os
estranhos”
porque não participam do mercado de consumo. As sobras da sociedade,
que
se deixam escravizar para poder sobreviver. Os renegados, vítimas de
preconceitos
bestiais. Enfim, todos os sofridos cujos sofrimentos são impostos pelo
próprio
ser humano. Eles são consolados porque Deus “sofre onde sofre o amor”
(Jürgen
Moltmann). Deus sempre se põe ao lado do fraco e indefeso. Dos últimos,
Deus
faz os primeiros para que nem mesmo os que se fazem primeiros escapem de
seu
amor misericordioso.
“Felizes
os mansos, porque receberão a terra por herança” (v. 5). Essa bem-
aventurança
nos remete à primeira. Enquanto aquela se refere à pessoa, esta trata da
relação
com o próximo. Mansos são todos aqueles que estabelecem relações
alicerçadas
na não violência. Diante do outro, os mansos apresentam-se desarmados,
sem
preconceitos, sem defesas. Eles acolhem o outro. Centralizam-se no próximo. Por
isso,
a herança deles é a terra, ou seja, o reinado de Deus!
“Felizes
os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (v. 6). Os famintos
e
sedentos de justiça são aqueles que procuram ser justos e realizar a vontade de
Deus.
Aqueles que constroem um mundo mais humano, no qual todos possam viver
com
dignidade. Estes, que querem um mundo mais justo para todos, serão saciados
com
o Reinado de Deus!
“Felizes
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (v. 7). Os misericordiosos
são
aqueles que se deixam mover pela compaixão: neles, o amor está sempre em ato,
os
põe para fora, em comunhão com o próximo. Destes o Senhor não se esquecerá no
juízo
final: “estive nu e me vestistes, faminto e me destes de comer, doente e fostes
me
visitar”, idoso e não me desprezastes, no mundo das drogas e me acolhestes.
Os
misericordiosos colocam-se no lugar do outro. O amor misericordioso os
descentraliza.
O outro é o seu centro. Por isso eles bendizem a Deus, ou seja, falam
bem
do Deus misericordioso. A fala deles é gestual, operativa! A misericórdia é
amor
sempre
em ato, nunca abstrato!
“Felizes
os puros no coração, porque verão a Deus” (v. 8). Os puros no coração são
todos
aqueles que não se deixam corromper por outros deuses: dinheiro, poder,
consumo…
Eles são puros no seu ser mais profundo. Por isso, eles entram em
comunhão
com Deus: “Verão a face divina”.
“Felizes
os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (v. 9). Os
promotores
da paz são todos os que constroem a paz, criam laços de fraternidade,
estabelecem
canais de comunicação onde não há dialogo, restabelecem amizades
rompidas
pela intolerância. Estes serão considerados filhos de Deus.
“Felizes
os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino de Deus” (v. 10).
A
vontade de Deus é que haja justiça para todos. Seu reinado será de justiça e
paz.
Os
perseguidos por causa da justiça são aqueles que buscam realizar a vontade de
Deus,
a instauração de seu Reino. Eles, perseguidos por causa da justiça, não
revidam
com o mal. Perdoam (não revidam) seus perseguidores, por isso contribuem
para
extinguir o pecado do mundo, tal como o “Cordeiro de Deus”. Deles é o Reinado
do
Pai.
A
última bem-aventurança refere-se aos seguidores de Jesus. Jesus é a causa da
perseguição
de seus discípulos. Essa bem-aventurança consiste num convite de
alegria
que Jesus faz aos seus discípulos. Como os profetas foram perseguidos por
causa
do anúncio da misericórdia divina e, portanto, por anunciar a vinda do Filho de
Deus,
assim são os seguidores dele. Assim como o próprio Jesus foi rejeitado pelo
poder
constituinte (político e religioso), os seus discípulos, de todos os tempos,
têm a
mesma
sorte.
Perderíamos
toda a profundidade desse programa de Jesus estendido a todos os seus
discípulos
se não víssemos nas bem-aventuranças que somente Deus é garantia de
felicidade
para o ser humano. Seguimos os passos de Jesus se o nosso coração não
está
apegado a falsas seguranças; quando não nos consolamos com as coisas do
mundo;
quando nos apresentamos completamente desarmados em face do nosso
irmão;
quando somos famintos e sedentos da justiça divina; quando nos deixamos
mover
pela misericórdia; quando em nosso coração só há lugar para o Pai; quando
construímos
a paz; quando o nosso objetivo é a realização da vontade do Pai e
quando
o mundo nos persegue porque trilhamos as pegadas de Jesus. Somente
assim
seremos verdadeiramente felizes.
2. I leitura: Sf 2,3; 3,12-13
Sofonias
apresenta-se como profeta do pequeno resto de Israel! Israel confiou em si
mesmo,
mostrou-se autossuficiente até cair nas mãos dos assírios. De Israel, Deus
escolheu
um pequeno “povo humilhado e pobre” (pequeninos, fracos). Este não usa
de
violência, mas “busca apoio no Senhor”. Somente os que não usam de violência,
que
buscam a justiça, podem formar comunidade. Os que bastam a si mesmos, os
que
confiam em seu poder não podem construir nada em comum, pois lhes falta
exatamente
o princípio básico sobre o qual se assenta qualquer coisa em comum:
comunhão!
3. II leitura: 1Cor 1,26-31
“Deus
escolhe aquilo que é nada para mostrar a nulidade dos que são alguma coisa”
(v.
28). Paulo apresenta as razões para a escolha de Deus: “para que quem se
gloria,
glorie-se
no Senhor” (v. 31). Ora, a glória do Senhor é a cruz, tal como nos mostra
João
em seu evangelho. Portanto, a glória do Senhor é o amor. Assim, só há
verdadeira
glória para aqueles que praticam a caridade, pois estes se gloriam no
Senhor,
uma vez que quem ama o seu irmão ama a Deus.
O
teor desse trecho da carta de Paulo aos cristãos de Corinto corresponde
perfeitamente
aos “pobres em espírito” da primeira bem-aventurança do Evangelho de
Mateus.
Os pobres em espírito são aqueles que buscam a glória de Deus, enquanto a
glória
dos que “são alguma coisa” na realidade é uma vanglória.
III.
Pistas para reflexão
O
desejo da felicidade caracteriza o ser humano. Assim como é próprio da razão a
busca
do conhecimento, é próprio da vontade a busca da felicidade. Nenhum ser
humano
pode deixar de buscá-la. A procura por ela é sempre individual. Eu e somente
eu
posso buscar a minha felicidade. Os caminhos que eu persigo para buscá-la são
os
meus
caminhos. Mas embora a busca pela felicidade seja sempre individual, eu jamais
posso
ser feliz sozinho. Sou feliz se os outros também forem.
Somente
o bem pode nos fazer felizes. O mal jamais pode propiciar felicidade. Ora,
todas
as pessoas, porque buscam ser felizes, buscam o bem. No fundo, todos
buscamos
Deus. Somente possuindo o bem soberano (Deus) seremos felizes. Como
possuímos
Deus? Na prática do bem (amor). Com efeito, na realização do bem, sou
feliz.
A felicidade, portanto, não se apresenta como algo que atingimos no final da
nossa
busca. Ela encontra-se na própria busca! O bem que eu procuro, encontro-o no
bem
que realizo!
Nossa
vida é uma aventura! O seguimento de Jesus é uma boa aventura! Minha vida
está
sendo uma aventura, contento-me com alguns momentos de bem-estar, ou ela
está
sendo uma boa aventura? Minha felicidade, eu a apoio em Deus, em mim
mesmo,
ou no consumo?
A
vida da Igreja está sendo uma boa aventura? Está sendo verdadeiramente “germe
do
Reino”? De fato, é dela o “Reino de Deus”?
A
prática da Igreja arrancará de Jesus o convite: “Vinde, bendita do meu Pai”? A
minha
prática cristã me coloca à direita do meu Senhor?
Pe.
IvonilParraz
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