sábado, 25 de junho de 2022

REFLEXÃO DOMINICAL I

Comentários das Leituras deste Domingo: 1Rs 19,16b.19-21; Gl5,1.13-18; Lc 9,51-62

Caros irmãos e irmãs,

As leituras bíblicas da santa Missa deste domingo ressaltam o tema da vocação de seguir o Cristo e as suas exigências. O Evangelho mostra Jesus a caminhar para Jerusalém, que é a meta final onde Jesus, na sua Páscoa derradeira, deve morrer e ressuscitar, elevar a cumprimento a sua missão de salvação. Ao longo desse caminho Jesus vai mostrando aos discípulos os valores do Reino de Deus. Todo este percurso que aqui se inicia converge para a cruz.  Os discípulos também são exortados a seguir este “caminho”, para se identificarem plenamente com Jesus.

Se Jesus parece exigente para com aqueles que O querem seguir, é porque Ele mesmo é exigente quanto à sua própria caminhada. É caminhando que Jesus convida a colocarmos a segui-lo. Então, aqueles que o seguirem poderão dizer como Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé” (2Tm 4,7).

Ao longo do seu caminho até Jerusalém, Jesus encontra alguns homens, provavelmente jovens, os quais prometem segui-lo onde quer que ele vá. Ele os admoesta dizendo que “o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”, ou seja, não tem uma habitação estável e que quem escolhe trabalhar com Ele na sua vinha , jamais poderá arrepender-se (cf. Lc 9,57-58.61-62). A outro jovem o próprio Cristo diz: “Segue-me”, pedindo-lhe um desapego total dos vínculos familiares (cf. Lc 9, 59-60). Estas exigências podem parecer demasiado severas, mas na realidade expressam a novidade e a prioridade absoluta do Reino de Deus que se torna presente na própria pessoa de Jesus Cristo. Em última análise, trata-se daquela radicalidade que é devida ao amor de Deus, ao qual Jesus é o primeiro a obedecer. Quem renuncia a tudo, até a si mesmo, para seguir Jesus, entra numa nova dimensão da liberdade, pois está a serviço uns dos outros (cf. Gl 5, 16).

Jesus chamou muitos para segui-lo. Podemos lembrar de Pedro e dos demais apóstolos. Podemos lembrar mais precisamente do evangelista e também apóstolo São Mateus (cf. Mt 9,9). Antes que Jesus o chamasse, ele desempenhava a profissão de publicano e, por isso, era considerado pecador público, excluído da “vinha do Senhor”. Mas, tudo muda quando Jesus, passando ao lado da sua mesa de impostos, fixa nele o seu olhar e diz: “Segue-me!”  Foi precisamente isto que o evangelista São Mateus fez: Levantou-se e seguiu-o.

Também São Paulo experimentou a alegria de ser chamado pelo Senhor para trabalhar na sua vinha. Mas como ele mesmo confessa, foi a graça de Deus que agiu nele, aquela graça que, de perseguidor da Igreja, o transformou em Apóstolo das nações. A ponto de o levar a dizer: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fl 1,21). Paulo compreendeu bem que trabalhar para o Senhor já é, nesta terra, uma recompensa.

A proposta que Jesus faz às pessoas ao dizer-lhes “Segue-me!” (v. 59), é exigente e exaltante. São elas convidadas a entrar no âmbito da sua amizade, a escutar de perto a sua Palavra e a viver com Ele; ensina-lhes a dedicação total a Deus e à propagação do seu Reino, segundo a lei do Evangelho: “Se o grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele; mas, se morrer, dá muito fruto” (Jo 12, 24)

No encontro de Jesus com o jovem rico (cf. Mc 10, 17-22), na narração evangélica de São Marcos sublinha como “Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele” (Mc 10, 21). No olhar do Senhor, está o coração deste encontro e de toda a experiência cristã.

Jesus convida o jovem rico a ir mais além da satisfação das suas aspirações e dos seus projetos pessoais, dizendo-lhe: “Vem e segue-me!” (Mt 19,21). Ao jovem rico Jesus ainda diz: “Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres… depois vem e segue-me” (Mt 19,21). Estas palavras inspiraram numerosos Cristãos ao longo da história da Igreja para seguir Cristo numa vida de pobreza radical, confiando na Providência Divina. Entre estes generosos discípulos de Cristo encontrava-se também São Bento, São Francisco de Assis e tantos outros que, sem hesitações, responderam o chamado do divino Mestre.

A vocação cristã deriva de uma proposta de amor do Senhor e só pode realizar-se graças a uma resposta de amor.  Jesus convida os seus discípulos a segui-lo com uma confiança sem reservas em Deus. Os santos acolheram este convite exigente e, com humilde docilidade, põe-se a seguir Cristo crucificado e ressuscitado. A sua perfeição na lógica da fé, às vezes humanamente incompreensível, consiste em viver segundo o Evangelho.

Como de fato, muitos são aqueles que deixam a família de origem, os estudos, o trabalho, os seus bens, para se consagrar a Deus, como resposta radical à vocação divina. Para seguir Jesus Cristo é preciso estar livre de todas as ataduras, pois quem olha para trás, não está apto para o Reino de Deus (cf. Lc 9,62).  Só vivemos a verdadeira liberdade se sairmos de nós mesmos, se desapegarmos de nós mesmos, para nos colocarmos a caminho com o Senhor e cumprirmos a sua vontade.

A exemplo de muitos discípulos de Cristo, possamos também nós acolher com alegria o convite a seguir Jesus, para vivermos intensa e fecundamente neste mundo. Com efeito, mediante o batismo, Ele chama cada um a segui-lo com ações concretas, a amá-lo sobre todas as coisas e a servi-lo nos irmãos. Infelizmente, o jovem rico não acolheu o convite de Jesus e retirou-se pesaroso. Não encontrara coragem para se desapegar dos bens materiais a fim de possuir o bem maior proposto por Jesus.

Jesus nunca se cansa de estender o seu olhar de amor sobre nós, chamando-nos a ser seus discípulos; a alguns, porém, Ele propõe uma opção mais radical. Possamos estar sempre disponíveis para acolher com generosidade e entusiasmo este sinal de predileção especial. Ele sabe dar alegria profunda a quem responde com coragem.

Também hoje, o seguimento de Cristo é exigente; significa aprender a ter o olhar fixo em Jesus, a conhecê-lo intimamente, a escutá-lo na Palavra e a encontrá-lo nos Sacramentos; significa aprender a conformar a nossa própria vontade à dele.

Deus serve-se de nós segundo o seu plano de amor, segundo a modalidade que Ele estabelece e pede-nos para favorecer a ação do Espírito; devemos ser os bons colaboradores do Senhor, para a eficácia realização do seu Reino.

Possamos ser atraídos pelos exemplos luminosos dos Santos que souberam dar ao mundo um testemunho do Senhor. São eles os protagonistas do amor e do bem, exemplos vivos de esperança e testemunhas de um amor que nada teme, nem sequer a morte.

Que Maria, a Mãe de Deus e nossa, que correspondeu sem reservas o chamado do Senhor, nos ajude a sermos capazes de ouvir a voz de Deus e de a seguir com determinação e decisão o caminho da santidade.  Assim seja.

PARA REFLETIR

Não há coisa mais radical e louca que ser cristão; não há maior aventura… Pena que os cristãos estejam perdendo essa percepção e o Evangelho muitas vezes apareça como algo certinho, cômodo e domesticado. Tantas vezes considerou-se que para ser um bom cristão bastaria ser bem comportado! Ora, não é isto que a Palavra do Senhor nos ensina!

Jesus durante toda a sua vida caminhou para o Pai, teve no Pai sua única meta, pelo Pai e o seu Reino, fez loucuras. Por isso, já no capítulo nove do seu evangelho, São Lucas no-lo apresenta subindo para Jerusalém, para sua partida para o Pai: “Quando chegou o tempo de Jesus ser levado para o céu, então tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Ao pé da letra, são Lucas diz: ele voltou decididamente o rosto para Jerusalém… Este é o caminho de Cristo: ir subindo até a Cidade Santa, e de Jerusalém, para o Pai, atravessando o mistério da paixão, da cruz e da morte, para chegar à ressurreição. Ele vai à frente, no caminho, o seu caminho, e nos desafia a segui-lo. Quem quiser ser seu discípulo, deve segui-lo neste caminho! Basta recordar o domingo passado: deixar tudo… renunciar-se… tomar a cruz de cada dia… e segui-lo. Hoje, no caminho, ele nos previne: “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. E exige que coloquemos tudo abaixo dele, até pai e mãe… É assim que Jesus quer seus discípulos: totalmente comprometidos com ele, absolutamente! E afirma claramente: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está pronto para o Reino de Deus”.

Jesus é tão claro! Ele exige tanto de nós porque somente ele nos pode dar tudo: o sentido da vida, o amor de Deus, a paz verdadeira e perene e a vitória sobre a morte. Ele nos revela e nos dá um Deus que é todo amor, todo carinho, todo perdão, todo piedade, um Deus que é o rochedo de nossa existência. Mas, também, um Deus exigentíssimo! Não se pode ser cristão pela metade! São Paulo, na segunda leitura de hoje, exprime muito bem esta realidade: Cristo nos libertou para a liberdade de uma vida nova, vida na graça de Deus, vida impulsionada pelo Espírito do Ressuscitado. É esta a liberdade do discípulo de Jesus; uma liberdade diversa do conceito de liberdade que o mundo apregoa. O cristão é livre não porque faz o que quer; é livre porque quer somente a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!” E, aí, o Apóstolo nos previne: “Não façais dessa liberdade um pretexto para servirdes à carne”. “Carne” é tudo quanto pertence ao homem velho, tudo quanto manifesta o velho egoísmo de uma vida centrada em si mesmo e não em Deus, que se dá no Cristo Jesus! “Carne” é tudo aquilo que é lógica deste mundo e não lógica do Evangelho! Pode ser a lógica da ganância, da sensualidade e da imoralidade, da religião interesseira à procura de milagres, curas e benefícios materiais… tudo isso é carne: a descrença, a impiedade, a vulgaridade e o comodismo no modo de viver…

Há, portanto, dois modos de construir nossa existência. Um, segundo a carne, isto é, segundo o homem velho, com seu modo de pensar, com sua razão entregue a si mesma, com uma lógica meramente humana e, muitas vezes, pecaminosa. O outro, a vida segundo o Espírito do Ressuscitado. É a vida do cristão que, impulsionando e sustentado pelo Espírito do Senhor, abre-se para Deus, superar-se a si mesmo e seu modo meramente humano de pensar, e caminha incessantemente para o Cristo, até alcançar a estatura do homem novo, “o estado do Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13).

A medida e o ideal de vida do cristãonão podem ser aqueles apresentados pela moda e pelo pensamento dominante do mundo atual. Nosso caminho é Cristo, nosso critério é Cristo, nossa medida é Cristo, nosso modo de viver deve ser o de Cristo Jesus! O grande desafio dos cristãos de hoje é redescobrirem que sua vida, seu modo de ser e de agir devem ser diferentes, simplesmente porque eles são discípulos do Senhor Jesus!

Mas estejamos bem atentos: isso somente é possível quando encontramos de verdade o Senhor em nossa vida, quando por ele nos encantamos, quando somos invadidos pelo seu amor. Observemos que nos evangelho de hoje – e de sempre – o cristianismo nasce de um encontro no caminho… um encontro marcante e transformador com Jesus. Só esta experiência é capaz de nos fazer entrar no caminho e aceitar as exigências do Senhor. Em outras palavras: o cristão, ou é um amigo de Cristo ou não é cristão; ou tem uma experiência de amizade com o Senhor ou jamais vai compreendê-lo de fato. É preciso insistir nisso, mais que nunca: o cristianismo não é uma doutrina, não é uma moral, não é uma ideologia, não é uma proposta política de justiça social para o mundo! Tudo isso é secundário! O que nos faz cristãos, é ter sido encontrados por Cristo no caminho, ter sido seduzidos por ele e tê-lo seguido, dizendo, meio responsáveis, meio loucos; “Senhor, eu te seguirei para onde quer que vás”. Que o Senhor nos conceda a graça da paixão por ele, a graça de segui-lo, a graça de testemunhá-lo com a carne da nossa vida de cada dia, como nossos irmãos de há dois mil anos atrás, quando ele tomou o caminho de Jerusalém, para a cruz e a ressurreição. Amém.

https://www.icatolica.com/2016/06/homiletica-13-domingo-do-tempo-comum.html

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