sábado, 25 de junho de 2022

SANTO AGOSTINHO E O SERMÃO DOS PASTORES


I - SOMOS CRISTÃOS E PASTORES

Não é de agora que vossa caridade sabe que nossa esperança está toda em Cristo e que nossa verdadeira glória é Ele. Sois do rebanho daquele que guarda e apascenta Israel. Mas por haver pastores que apreciam esse nome, porém, não querem exercer seu ofício, vejamos o que a seu respeito diz o Profeta. Escutai vós com atenção; escutemos nós com temor. “Foi-me dirigida a palavra do Senhor que dizia: ‘Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel e dize-lhes”. Acabamos de ouvir a leitura desse trecho; resolvemos então falar-vos algo. O Senhor nos ajudará a dizer a verdade, se não dissermos o que vem de nós. Pois se disséssemos o que vem de nós, seríamos pastores a nos apascentar a nós, não às ovelhas; se, ao contrário, falarmos sobre ele, é ele que vos apascenta por intermédio de quem quer que seja. Assim diz o Senhor Deus: “Ó pastores de Israel, que se apascentam a si mesmos! Acaso não são as ovelhas que os pastores têm de apascentar?” Quer dizer, os pastores apascentam ovelhas, não a si mesmos. É este o primeiro motivo de repreensão a tais pastores, que apascentam a si e não às ovelhas. Quem são estes que se apascentam? O apóstolo diz: “Todos procuram seu interesse, não o de Jesus Cristo”. Quanto a nós, a quem o Senhor, por sua benevolência e não por mérito nosso, estabeleceu neste cargo de que teremos difíceis contas a dar, devemos distinguir bem duas coisas: a primeira, somos cristãos; a outra, somos bispos, pela vossa. Como cristãos, atendemos a nosso proveito; como bispos, somente ao vosso. E são muitos os cristãos não bispos que vão a Deus por caminho mais fácil talvez, e andam com tanto mais desembaraço quanto menos peso carregam. Nós, porém, além de cristãos, tendo de prestar contas a Deus de nossa vida, somos também bispos e teremos de responder a Deus por nossa administração.

 II- Pastores que se apascentam a si mesmos

Vejamos, portanto, o que aos pastores que se apascentam a si mesmos, não às ovelhas, diz a palavra divina que não adula a ninguém: “Eis que bebeis o leite e vos cobris com a lã. Matais as mais gordas e não apascentais minhas ovelhas. Não fortalecestes a fraca; não curastes a doente; não pensastes a ferida, não reconduzistes a desgarrada e não fostes em busca da que se perdera; tratastes com dureza a forte. E minhas ovelhas se dispersaram, por não haver pastor”. Começa por dizer que é que apreciam e que descuidam aqueles pastores que se apascentam a si, não às ovelhas. Que apreciam? “Bebeis o leite, cobri-vos com a lã”. Diz o apóstolo: quem planta uma vinha e não se alimenta do seu fruto? Quem apascenta um rebanho e não se serve do leite?” Entendemos por leite do rebanho tudo quanto o povo de Deus dá ao bispo para sustento da vida terrena. Era o que queria dizer o Apóstolo com as palavras citadas. Embora preferisse viver do trabalho de suas mãos, sem esperar, nem mesmo o leite das ovelhas, o Apóstolo, no entanto, declarou ter o direito de recebê-lo e ter o Senhor determinado que vivam do Evangelho aqueles que anunciam o Evangelho. E acrescentou que os outros apóstolos usavam desse direito, não usurpado, mas concedido. Mas foi ele, por não querer receber o que lhe era devido. Dispensou a dívida, mas não era indevido aquilo que outros aceitaram; Ele fez mais. Talvez o prefigurasse aquele que, ao levar o ferido à estalagem, dissera: “Se gastares mais, pagar-te-ei ao voltar”. Daqueles, pois, que não precisam do leite das ovelhas, que diremos ainda? São misericordiosos, ou antes, por maior liberdade cumprem seu ofício de misericórdia. Têm a possibilidade e o que podem fazer. Elogiemos a estes sem condenar os outros. Este mesmo apóstolo não procurava presentes. Desejava com ardor que fossem fecundas as ovelhas, não estéreis, sem a riqueza do leite. 

III – O exemplo de Paulo

Estando Paulo, certa ocasião, em grande indigência e preso pela proclamação da verdade, alguns irmãos enviaram-lhe com que acudir as suas necessidades. Agradecido, responde-lhes: “Fizestes bem provendo-me do necessário. Eu, porém, aprendi a bastar-me em qualquer situação. Sei ter muito e sei passar privações. Tudo posso naquele que me dá forças. No entanto, fizestes bem em enviar-me aquilo de que preciso”.Mas desejando mostrar o que é que lhe interessava neste gesto em seu favor – não houvesse acaso entre eles algum dos que se apascentaram a si e não às ovelhas – não se alegra tanto por ter sido socorrido, porém, muito mais se felicita por vê-los ricos em frutos. O que procurava então? Diz: “Não por esperar dádivas, mas busco o fruto”. Não que eu me sacie, mas que vós não fiqueis vazios. Que aqueles que não podem, como Paulo, sustentar-se com o trabalho de suas mãos, aceitem o leite das ovelhas, supram as suas necessidades, mas não descuidem a fraqueza das ovelhas. Não procurem isto para o próprio proveito, como se anunciassem o Evangelho só para atender a sua penúria, mas tenham em mira a luz da palavra da verdade a fim de iluminar os homens. Pois parecem-se com lâmpadas, como foi dito: “Estejam vossos rins cingidos e lâmpadas acesas”; e: “Ninguém acende uma lâmpada e a põe debaixo da vasilha, mas sobre o candelabro a fim de iluminar aqueles que estão em casa; assim brilhe vossa luz diante dos homens pra que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. Se para teu uso acendesse em casa uma lâmpada, não lhe porias mais óleo para não se extinguir? Todavia, se mesmo com óleo a lâmpada não brilhasse, não seria de modo algum digna de ser posta no candelabro, mas logo quebrada. O bastante para viver, por necessidade se aceita, por caridade se dá. Não seja o Evangelho um objeto venal, como se fosse o preço que se recebem os que o anunciam para terem com que viver. Se assim o vendem, por uma ninharia vendem uma coisa preciosa. Do povo recebam o sustento; do Senhor, a recompensa de seu ministério. Não é o povo o indicado para dar a recompensa àqueles que servem ao Evangelho na caridade. Estes esperam sua paga da mesma fonte de que os outros aguardam a salvação. Por que então são repreendidos? Qual a censura? É, que, bebendo o leite e cobrindo-se com a lã, descuravam as ovelhas. Procuravam apenas seu interesse, não o de Jesus Cristo.

IV – Ninguém busque seu interesse, mas o de Jesus Cristo

Já dissemos o que é tomar o leite. Vejamos o que seja cobrir-se com a lã. Quem oferece o leite, dá o alimento; e quem oferece a lã, presta homenagens. São estas as duas coisas que esperam do povo aqueles que se apascentam a si mesmos e não às ovelhas: o necessário para prover as suas necessidades, honras e aplausos. Há motivo para se entender a veste com honra, pois cobre a nudez. Todo homem é fraco. E quem vos governa, não é igual a vós? Tem corpo, é mortal, come, dorme, levanta-se; nasceu, irá morrer. Se refletes no que é em si mesmo, é homem. Tu, porém, dando-lhe honra, cobres a fraqueza. Vede como o próprio Paulo aceitou uma veste do bom povo de Deus: “Vós me recebestes como um anjo de Deus. Dou testemunho de que, se fosse possível, teríeis arrancado os olhos para mos dar”. Mas, acolhido com tanta honra, teria, porventura, por causa desta honra, poupado os transgressores para não ser rejeitado ou não aplaudido ao censurar. Se assim tivesse agido estaria entre aqueles que se apascentam a si e não às ovelhas. Diria talvez de si para consigo: “Que me importa? Que façam o que quiserem; meu sustento está garantido, minha boa fama está salva: leite e lã, isto me basta; que cada um vá por onde puder”. Então tudo está perfeito se cada um for por onde puder? Não te vou considerar bispo; imagino-te como um do povo: “Se um membro padece, todos os demais membros padecem com ele”. Por conseguinte, recordando como se haviam comportado com ele, não parecesse esquecido de suas atenções, o Apóstolo dá testemunho de ter sido acolhido como um anjo de Deus e de que, se pudessem, arrancariam os olhos para lhos dar. E, no entanto, foi à ovelha doente, à ovelha infeccionada para cortar a ferida e não para manter a podridão. Assim fala: “Logo tornei-me vosso inimigo por pregar a verdade?” Reparai: aceitou o leite das ovelhas como lembramos acima, e vestiu-se com a lã, mas não deixou de cuidar das ovelhas. Porque não buscava seu interesse, mas o de Jesus Cristo. 

V – Sê modelo para os fiéis: 

O Senhor mostrou o que estes pastores amam, mostrou também o que negligenciam. Os males das ovelhas estendem-se por toda a parte. As sadias e robustas, isto é, as fortes pelo alimento da verdade, que se aproveitam bem das pastagens, por dom de Deus, são pouquíssimas. Os maus pastores, porém, não as poupam. É-lhes pouco não cuidarem das doentes, das fracas, das desgarradas e perdidas. Tanto quanto podem, também matam as fortes e gordas. Mas estas continuam vivas. Vivem pela misericórdia de Deus. Contudo, no que diz respeito aos maus pastores, eles matam. “Matam de que modo?” Perguntas. Vivendo mal, dando mau exemplo. Foi em vão que se disse ao servo de Deus, ao colocado mais alto entre os membros do grande Pastor: “Mostrando-te a todos” como exemplo de boas obras e: “Sê modelo para os fiéis”. Presenciando continuamente a má conduta de seu pastor, uma ovelha, mesmo forte, se desviar os olhos dos preceitos do Senhor e fixá-los no homem, começará a dizer no seu coração: “Se meu pastor vive desse modo, quem sou eu para não fazer o mesmo?” Matou a ovelha forte. Se matou a forte a quem não alimentou, que fará com as outras, ele que, vivendo mal destruiu o que encontrara forte e robusto? Digo a vossa caridade e repito. Mesmo que as ovelhas continuem vivas, ainda que sejam fortes pela palavra do Senhor e guardem o que d’Ele ouviram: “Fazei o que dizem, não o que fazem”; contudo aquele que vive mal diante do povo, não que lhe diz respeito, mata o que o observa. Não se iluda por que se vê que ele não morreu. Este continua vivo, aquele é homicida. Assim como um homem que olha para uma mulher desejando-a, embora ela permaneça casta, ele já cometeu adultério. É verdadeira e clara a palavra do Senhor: “Quem olhar para uma mulher com mau desejo, já cometeu adultério em seu coração”. Não entrou em seu quarto, mas no quarto de seu coração já a abraçou. Assim quem vive mal diante de seus subordinados, no que lhe diz respeito, mata até os fortes. Quem o imita, morre; quem não o imita, vive. No entanto, quanto a ele, destrói a ambos. “E o que é robusto matais e não apascentais minhas ovelhas”. 

VI – Prepara-te para a tentação

Já sabeis o que amam os maus pastores. Vede o que descuidam. “Ao enfermo não fortificastes; ao doente não curastes; o machucado”, isto é, fraturado, “Não pensastes; ao desgarrado, não reconduzistes; ao que se perdia não fostes procurar e ao forte oprimistes”, matastes, destruístes. A ovelha se enfraquece, quer dizer, tem coração débil, imprudente e desprevenido a ponto de ceder às tentações que sobrevierem. O pastor negligente, quando alguém se lhe confia, não lhe diz: “Filho, vindo para servir a Deus, mantém-te na justiça e prepara-te para a tentação”. Quem assim fala fortifica o fraco e de fraco faz firme, de modo que, se lhe forem confiados os bens deste mundo, não se fiará neles. Se, contudo, houver aprendido a fiar-se na prosperidade terrena, por esta mesma prosperidade será corrompido; sobrevindo adversidades, ferir-se-á e talvez pereça. Quem assim edifica não constrói sobre a pedra, mas sobre a areia. “A pedra era Cristo”. Os cristãos têm de imitar os sofrimentos de Cristo e não, ir atrás de prazeres. O fraco se fortifica, quando lhe dizem: “Espera, sim, provações neste mundo, mas de todas elas te livrará o Senhor, se teu coração não voltar atrás. Pois para fortalecer teu coração veio padecer, veio morrer, veio ser coberto de escarros, veio ser coroado de espinhos, veio ouvir insultos, veio ser pregado na cruz. Tudo isso por tua causa, e tu, nada: não para ele, mas em teu favor”. Quais são estes que, por temerem ofender os ouvintes, não apenas não os preparam para as inevitáveis provações, mas prometem a felicidade neste mundo, que o Deus deste mundo não prometeu? Ele predisse a este mundo labutas e mais labutas até o fim; e tu queres que o cristão esteja isento a estas labutas? Justamente por ser cristão, sofrerá algo mais neste mundo. Com efeito disse o Apóstolo: “Todos aqueles que querem viver sinceramente em Cristo, sofrerão perseguições”. Agora, se te parece bem, diga ele: Pastor, que procuras teu interesse e não o de Jesus Cristo: “Todos aqueles que querem viver sinceramente em Cristo, sofrerão perseguições”; e tu dizes: “Se em Cristo viveres piedosamente, terás abundância de todos os bens. Se não tens filhos, tê-los-á e os criarás, e nenhum morrerá”. É esta tua construção? Olha o que fazes, onde a colocas. Sobre a areia a constróis. Virá a chuva, o rio transbordará, soprará o vento, baterão contra esta casa; ela cairá e será grande sua ruína. Tira-a da areia, põe-na sobre a pedra: esteja em Cristo aquele a quem desejas ver cristão. Observe os injustos sofrimentos de Cristo, observe-o sem pecado, pagando o que não devia, observe a Escritura a lhe dizer: “Castiga o filho que reconhece como seu” aceite o castigo ou não procure ser reconhecido. VII – Oferece a atadura do estímulo : Diz-se na Escritura que Deus “castiga todo filho que reconhece como seu”. E tu dizes: “Quem sabe ficarás de fora?” Se ficares de fora dos sofrimentos do castigo ficarás de fora do número dos filhos. “Quer dizer então, perguntas, que castiga todo filho?” Castiga sem exceção todo o filho, como também o Único. O Unigênito, nascido da substância do Pai, igual ao Pai “na forma de Deus”, o Verbo por quem tudo foi feito, este não tinha por onde ser castigado. Para isto revestiu-se de carne, de modo a não ficar sem castigo. Aquele, pois, que castiga o Único sem pecado, irá poupar o adotado pecador? Fomos chamados para a adoção, assegura o Apóstolo. Recebemos a adoção de filhos, para sermos co-herdeiros do Único, sermos também sua herança: “Pede-me e eu te darei as nações por herança”. Deu-nos o exemplo em seus sofrimentos. Todavia para que o enfermo não desanime totalmente ante as provações futuras, nem se iluda com falsa esperança nem se deixe abater pelo medo, dize-lhe: “Prepara-te para a provação”. Talvez comece a afastar-se, a tremer, a não querer aproximar-se. Lês em outro lugar: “Fiel é Deus que não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar”. Afirmar e anunciar futuros sofrimentos é fortalecer o enfermo. Ao prometeres a quem está acovardado e por isso relutante, que não virão provações, mas a misericórdia de Deus que não permite ser tentado acima de suas forças, com isso medica a fratura. Há alguns que, ouvindo falar de futuras tribulações, se armam ainda mais e têm sede delas como de bebida. Julgam fraco o remédio dos fiéis e buscam a glória dos mártires. Há outros, porém, que com o anúncio, das futuras e necessárias provações, peculiares ao cristão e sofridas por quem o quer ser de verdade, ficam alquebrados e vacilam. Oferece-lhe a atadura do estímulo, pensa o que está fraturado. Dize: “Não tenhas medo. Não te abandonará nas provações aquele em que creste”. Fiel é Deus que não permitirá seres tentados acima do que podes suportar. Não sou eu que digo isto, mas o Apóstolo: “Quereis conhecer por experiência que Cristo fala em mim?” portanto, ouvindo estas palavras, ouves a Cristo, ouves aquele pastor que lhe apascenta Israel. A ele disseram: “tu nos darás a beber lágrimas, com medida”. O apóstolo diz: “não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar”. É a mesma coisa que dissera o Profeta: “Com medida”. Somente não despeças aquele que corrige e exorta, amedronta e consola, fere e cura.

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