VVIII-REFLEXÃO
DOMINICAL III:
Deus
e o homem
5º Domingo do Tempo
Comum – C – Is 6,1-8; Sl 137; 1 Cor 15,1-11; Lc 5,1-11
Padre Françoá Costa
[Resumo: Deus que chama, santo e amável; o homem
que é chamado, pecador e reverente; o chamado é para uma missão que deve ser
realizada na “fórmula da Tradição”]
Estamos
em um domingo de “vocações”, de chamamentos divinos: Isaías foi chamado por
Deus para uma missão junto ao povo do Senhor (Is 6,1-8) e, de maneira
semelhante, Pedro, André, Tiago e João também foram chamados pelo Senhor para
serem pescadores de homens (Lc 5,10). Nesses casos de vocações, está presente
tanto a voz imperiosa de um Deus que ama e escolhe, quanto a disponibilidade de
pessoas boas. As nossas considerações bem poderiam seguir essas duas chaves
interpretativas: Deus chama, o ser humano responde.
Em Is
6, o Senhor se manifesta como Deus de tremenda majestade: “sentado
sobre um trono alto e elevado. A cauda da sua veste enchia o santuário” (Is
6,1), rodeado de anjos abrasados no amor santo, Serafins; magnificado por
criaturas que rezam aquela oração que aparece todos os dias no santo sacrifício
da Missa: “Santo, Santo, Santo, Senhor dos Exércitos, a sua glória
enche toda a terra” (Is 6,3); pronto para purificar homens de lábios
impuros que devem ir e anunciar a verdade a um povo que não entende e cujo
coração encontra-se embotado, já que os olhos desse povo encontra-se tapado e
seus ouvidos encontram-se pesados (Is 6,10).
A
narração de Lucas, ao contrário daquela de Isaías, mostra o Deus que se fez
homem, que anda em meio a um povo que o comprime, que sobe no barco dos
pescadores, que pesca com esses profissionais (Lc 5,1-6). E, contudo, diante da
pesca milagrosa, Pedro tem uma atitude semelhante àquela de Isaías: “atirou-se
aos pés de Jesus, dizendo: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador!”. O
espanto, com efeito, se apoderara dele e de todos os que estavam em sua
companhia” (Lc 5,8-9).
O Deus
que se chama, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo, seja com uma atitude
de majestade seja com uma proximidade jamais pensada, sempre provoca no ser
humano uma sensação de indignidade. Talvez por isso, os Serafins proclamam que
o Senhor é Santo, Santo, Santo; o homem, porém, é pecador. Diante da santidade
de Deus, calem-se todas bocas, congelem-se os humanos raciocínios; diante dele,
adorem todos os povos.
Deus
que torna os seres humanos verdadeiros vocacionados é verdadeiramente santo,
separado dos pecadores, elevado sobre todos os povos. Ele pode até se
manifestar de maneira bem próxima, como no caso do Evangelho, ou bem majestosa,
no caso da vocação de Isaías. Na verdade, Deus é sempre transcendente e íntimo
a cada um de nós, majestoso e misericordioso, temível e amável, grandioso e
humilde. É precisamente essa maneira de ser de Deus que nos atrai tanto. Não é
um Deus paternalista que chamará as pessoas e elas atenderão, mas o nosso Deus
que é Pai, o qual é autoridade e carinho, tudo ao mesmo tempo. E, contudo,
também temos que ter cuidado para não transmitir um Deus demasiado majestoso e
transcendente que, praticamente, quase nada teria a ver com a nossa vida
cotidiana.
O nosso
labor evangelizador deve manifestar Deus como ele é: justo e bom, transcendente
e próximo, temível e amável, justo e misericordioso. Precisamos transmitir o
Deus da revelação, não as nossas impressões sobre quem é Deus. Temos que fazer
como São Paulo: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo
recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado,
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois
ao Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez” (1
Cor 15,3-6). Gosto de chamar essa passagem da Escritura de “a fórmula da
Tradição”: transmitir aquilo que se recebeu, em toda a sua santa integridade.
Nos
nossos tempos, mais do que em outros, é preciso estar atentos à fórmula da
Tradição: transmitir aquilo que se recebeu, isto é, a Fé apostólica. Nesse
sentido, aquele que foi chamado por Deus, isto é, o cristão chamado à santidade
e ao apostolado; dentre os cristãos, os sacerdotes, chamados a pastorear o povo
santo; todos devem estar ancorados na fórmula da Tradição: transmitir aquilo
que se recebeu em toda a sua santa integridade.
Jesus
chamou Pedro, André, Tiago e João, e mais tarde chamará outros, para serem
pescadores de homens, porém não de qualquer maneira. Efetivamente, os
pescadores de Jesus devem ter sentido sobrenatural: mesmo quando não se pescou
nada a noite inteira, eles, por ordem de Jesus, vão e lançam as redes e pescam
dois barcos cheios de peixes, tão cheios que quase afundaram.
Pescas
milagrosas acontecem somente na fidelidade da Tradição, isto é, pescando como
Jesus nos ordenou. Ainda que fiquem chateados comigo, precisam se convencer de
que todas aquelas igrejas que se dedicaram a modernizarem-se, a
mundanizarem-se, vão se esvaziando: o povo vai embora, as vocações não aparecem
e, em alguns lugares, o prédio da igreja já foi até vendido. Mesmo que não
estejam de acordo comigo, pelo menos inicialmente, façam uma análise
desapaixonada e verão que é assim mesmo.
A pesca
de homens para o Reino de Deus acontece quando fazemo-la como Jesus no-la
ensinou. Voltemos a transmitir o Deus justo e amável, retornemos a responder a
Deus com temor reverencial e amor entranhável e… coisas acontecerão.
https://presbiteros.org.br/homilia-domingo-da-5o-semana-do-tempo-comum-ano-c/
Nenhum comentário:
Postar um comentário