domingo, 14 de março de 2021

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO BRASIL

DAS FORMULAÇÕES INICIAIS DE SUA DOUTRINA AOS NOVOS DESAFIOS DA ATUALIDADE (CONTINUAÇÃO...)

Rodrigo Augusto Leão Camilo

Mestrando em Sociologia pelo programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás e bolsista CNPq.

 

2.Teoria e religião: os apontamentos de Weber e Marx

Um dos pontos que incomodava bastante tanto militares como a hierarquia da Igreja Católica era a aproximação da Teologia da Libertação com o marxismo. Isso ocorre devido às históricas desavenças entre Igreja Católica e comunismo, que viam um ao outro como um problema para a sociedade. Assim é que para se compreender os pontos que aproximaram a Teologia da Libertação do marxismo é preciso do auxílio de um clássico da Sociologia que forneceu um importante conceito para essa tarefa: o alemão Max Weber.

A ideia de afinidade eletiva permite que um estudo entre dois fatos particulares seja feito sem que se faça uma relação causal rígida e inflexível, criando uma noção de convergência e combinação sem que esses fatos percam suas características próprias. O que sem tem, por fim, é uma ferramenta que auxilia a compreensão de duas ou mais realidades complexas sem que suas diferenças e especificidades sejam anuladas. É em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (2004) que o conceito de afinidade eletiva tem o seu uso como importante método para a análise. Max Weber utiliza-o para demonstrar que a mudança de mentalidade trazida com a Reforma Protestante iniciada por Lutero teve impacto decisivo para a consolidação do capitalismo. Especificamente, o ramo calvinista, que com uma ética ainda mais rigorosa em seus valores que formaram um modelo de homem que se dedicava quase que religiosamente ao trabalho, ligou-se em uma afinidade com o capitalismo que criou o que autor chama de “espírito do capitalismo”. Ao explicitar o método que utilizaria para fazer o seu estudo, Weber anuncia que [...] Procederemos tão só de modo a examinar de perto se, em quais pontos, podemos reconhecer “afinidades eletivas” entre certas formas da fé religiosa e certas formas da ética profissional.

Por esse meio de uma vez só serão elucidados, na medida do possível, o modo e a direção geral, do efeito que, em virtude de tais afinidades eletivas, o movimento religioso exerceu sobre o desenvolvimento da cultura material (WEBER, 2004, p. 83, grifo do autor). Com o conceito de “afinidade eletiva”, fica possível enxergar vários pontos em comum entre as cosmovisões de mundo católica e marxista, ainda que os religiosos da Teologia da Libertação rejeitassem muitos dos preceitos elaborados por Karl Max. Nesse sentido, Michel Löwy (1998) adverte que as palavras de Marx não seriam “originais”, pois outros autores como Feuerbach, Herder, Bruno Bauer, entre outros, já teciam críticas em relação ao papel alienante da religião e que no momento em que sua célebre frase foi cunhada, Marx estava em uma fase “pré-marxista”, sem o mesmo rigor metodológico que ele tratava outros aspectos da sociedade. Contudo, Marx, mesmo sem dedicar um espaço específico em seus trabalhos para a religião, tratava desse assunto de maneira indireta (Como na percepção de Karl Marx do papel do protestantismo nas transformações ocorridas na Inglaterra que culminaram na ascensão da classe burguesa) e reconhecia que em determinadas situações, a religião tinha um papel transformador.

Para Löwy: Mais interessante que a validade empírica de tais análises historiográficas é seu significado metodológico: o reconhecimento da religião como uma das causas importantes das transformações econômicas que conduzem ao estabelecimento do sistema do capitalismo moderno (LÖWY, 1998, p. 160) E é para entender essa complexa relação entre a teoria marxista e a religião, sob a égide da Teologia da Libertação, que o presente trabalho procura utilizar o conceito de afinidade eletiva de Max Weber para delinear os pontos em comum entre os religiosos da Teologia da Libertação, movimento importante dentro da Igreja Católica na segunda metade do século XX, e o marxismo, o qual foi uma importante abordagem para se fazer a leitura da realidade social.

Assim é, pois, que a ideia de afinidade eletiva pode ser entendida como a concepção de que dois fatos ou ações sociais, bem como mentalidades, particulares e autônomas, estabelecem entre si uma relação intensa, influenciando-se e interagindo – embora muitas vezes essa relação não seja necessariamente direta. É com Michel Löwy (2000) que o conceito de afinidade eletiva ganha importância para justificar essa complexa relação entre uma parte dos religiosos da Igreja Católica, ligados ao movimento da Teologia da Libertação, com as ideias marxistas. Essa filiação merece destaque a partir do momento em que se sabe que historicamente a Igreja Católica foi uma feroz adversária do comunismo e os ideais socialistas postulados por Karl Marx. Utilizando com sabedoria o conceito de afinidade eletiva, Löwy conseguiu identificar quais os aspectos entre a teoria marxista e a doutrina da Teologia da Libertação que os aproximou, tanto é que nos períodos mais opressores do regime militar no Brasil, esses religiosos foram enquadrados como militantes comunistas e duramente perseguidos.

Löwy (2000) afirma que Max Weber, ao escrever A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo não defendia que a religião foi o determinante para o desenvolvimento do capitalismo, apenas que haveria uma relação mútua de atração entre a ética calvinista e postura capitalista. Assim é que Michel Löwy começa a identificar outra situação dentro da literatura Weberiana que chama sua atenção: a incompatibilidade dos valores católicos com o ethos capitalista. Assim é que pode ser observado que a partir de seus estudos, Weber: Insinua a existência de uma aversão, ou resistência, básica e irreconciliável, ao espírito do capitalismo por parte da Igreja Católica (e provavelmente também por algumas denominações protestantes) (LÖWY, 2000, p. 40) Com as mudanças no mundo a partir da década de 1980, a Teologia da Libertação passou para um novo momento. A crise nos países de regime comunista, o fim das ditaduras militares na América Latina e o início de do papado de João Paulo II iriam marcar uma nova fase para a Teologia da Libertação.

3. As mudanças no cenário religioso e a Teologia da Libertação

A partir do final da década de 1970, importantes acontecimentos teriam grande influência para a Teologia no Brasil. O regime militar caminhava para o seu fim e, com o início do processo de redemocratização do país, a luta contra a opressão do Estado não fazia mais sentido dentro desse novo contexto político que o Brasil experimentava. Nesse mesmo período, o Vaticano passou a agir de forma a "suavizar" a postura dos religiosos mais engajados socialmente. Na verdade, uma das grandes justificativas desse engajamento era justamente a perseguição que os religiosos sofriam por parte dos militares, bem como os casos de tortura e violência que marcaram o período que o Estado brasileiro esteve na mão das forças armadas.

Com o fim do regime militar, de acordo com a postura conservadora do Vaticano, todo esse engajamento não mais se justificaria. Dessa forma, buscou-se frear o ímpeto da Igreja brasileira em ajudar na mudança social no país por meio de várias ações coordenadas pelo Vaticano que Michel Löwy (2000) chama de "tentativa de normalizar a Igreja brasileira". Uma das principais medidas foi recuperar o controle da Igreja brasileira por meio de indicações de bispos conservadores não comprometidos com a questão social nas principais Dioceses e postos da Igreja brasileira. O que se viu foi a "nomeação de bispos conservadores que muitas vezes destroem ou enfraquecem as estruturas pastorais estabelecidas por seus predecessores (LÖWY, 2000, p. 154). Portanto, um novo contexto político se abriu com o fim do regime militar, além de novas modalidades de religião, como o forte crescimento da religião pentecostal no Brasil e mesmo movimentos dentro da Igreja Católica menos comprometidos com a questão social, como a Renovação Carismática, e, por fim, a ação neoconservadora do Vaticano para que a Igreja brasileira diminua seu envolvimento direto com a questão social.

Esses são fatores que diminuíram a força e a popularidade da Teologia da Libertação no Brasil nas últimas décadas e fazem questionar qual é o papel desse movimento religioso no país em relação a essa nova realidade. Em um cenário no qual o religioso continua a exercer influência sobre as questões político-sociais do país, compreender o momento da Teologia da Libertação é uma tarefa importante para entender como a religião atua dentro da sociedade, por meio de um dos seus movimentos mais engajados.

4. Referências Bibliográficas

BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1998.

LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.

Marx e Engels como sociólogos da religião. In: Lua Nova – Revista de Cultura e Política. São Paulo, n° 43, 1998, p. 157-70.

MARX, Karl. A mercadoria. In: O Capital: Crítica da Economia Política. Vol I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 55-105.

Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2006. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. In: Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

PIERUCCI, Antonio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2003.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez / Editora da UNICAMP, 1992. A Psicologia Social das Religiões Mundiais. In: WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982.

Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UNB. Volume I, 1991.

Fonte: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/253/o/Rodrigo_Augusto_Leao_Camilo.pdf

 

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