sexta-feira, 4 de agosto de 2023

REFLEXÃO DOMINICAL III FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR – A

 

 

REFLEXÃO DOMINICAL III

FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR – A

 

Meus irmãos,

A Festa da Transfiguração celebra o mistério de Jesus Cristo. Para nós, mineiros, é a festa do Senhor Bom Jesus. O Bom Jesus que ilumina a vida de todos os cristãos. Por isso, manifesta-se o Cristo e toda a sua divindade, a sua glória sobre o mundo, como nosso salvador. É esse o sentido do Evangelho que lemos no dia de hoje; é nesse sentido que São Marcos procura iluminar-nos à sombra da cruz de Jesus, um cruz dolorosa, entretanto, triunfante. Aquele símbolo de ignomínia para os gentios, de maldição para os judeus, torna-se um sinal de bênção. Eis que na cruz morre o Filho de Deus e, nessa mesma cruz, brota a vida plena para todas as criaturas, para a humanidade redimida por ela.

A Transfiguração tem um significado muito singular: revelar aos apóstolos que a passagem pela morte era temporária e a ela sucederia o fato impensável da ressurreição. Isso porque Jesus de Nazaré era o Filho de Deus e tinha o “poder de dar e retomar a vida” (Jo 10,18).

Mas, o que é a Transfiguração? Não é uma aparição, podemos dizer inicialmente. Podemos, contudo, afirmar tratar-se de um parecer sob outra forma, senão a forma costumeira que Jesus aparecia aos seus discípulos. Ele não apareceu no Tabor, mas tomou outra figura. Como o fenômeno é inteiramente desconhecido no Antigo Testamento, não há uma palavra própria para descrevê-lo ao entendimento humano. Assim, os Evangelistas foram buscar uma nova terminologia usada na linguagem pagã, quando falavam de deuses que não assumiam a forma humana. E usam um termo que a língua nossa, a língua de Camões, também guardou do grego: metamorfose, isto é, assunção de outra forma. Desta maneira, temos uma outra forma quando a água assume a forma de gelo, ou quando a lagarta se transforma em borboleta.

No Monte Tabor, não temos um outro Jesus; é o mesmo Jesus de Nazaré que assume uma forma divina. Embora não possamos dizer que Deus tenha uma outra forma, o Evangelista teve de ater-se ao linguajar e à compreensão humana. Ainda que o Antigo Testamento não conte com transfigurações em sua linguagem, os termos com que se descreve a de Jesus são todos desconhecidos ao descrever a divindade: luz resplandecente, vestes brancas, alto de um monte, nuvem da qual sai uma voz.

Caros irmãos,

A Primeira Leitura – Dn 7,9-10.13.14, o profeta Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juiz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo. Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso “filho de homem” que vem sobre as nuvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina. Na primeira leitura já não se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, “não é deste mundo” (Jo 18, 36). Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.

Na segunda leitura – 2Pd 1,16-19 – o príncipe dos Apóstolos – São Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser “uma lâmpada que brilha num lugar escuro” (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A “estrela da manhã” já brilha no coração de quem espera vigilante.

Prezados irmãos,

No Evangelho – Mt 17, 1-19, a Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e os ajuda a ultrapassar a sua oposição à perspetiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27). A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus. A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf Is 42, 1).

Jesus manda os seus discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João, para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição. Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas noites do Oriente. A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a isso. Engana-se. Queria ficar lá: “Façamos três tendas”, diz. Não sabia o que dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se vierem, não nos agarremos a elas. Os frutos desta festa são, em primeiro lugar, o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. “Não são fábulas que vos contamos, diz São Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho bem-amado, escutai-o”. São Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: “Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança” (2Cor 3, 18). – Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso” (Fil 3, 21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. “Que bom é estar aqui”, dizia São Pedro. “Façamos aqui a nossa tenda”. “A transfiguração não é uma mudança de Jesus, mas é a revelação da sua divindade, a íntima compenetração do seu ser com Deus, que se torna pura luz”(Bento XVI).

Uma nuvem luminosa os cobre, lembrando-lhes a nuvem gloriosa que enchia a Tenda da Reunião quando Deus falava com Moisés e diz: “Este é o meu Filho amado, ouvi-o!” Cristo é o amado. N’Ele nós também somos filhos amados. Ele é o servo obediente, “até a morte”, e nós somos chamados a ser também servos obedientes, que sabem escutar a voz do seu Senhor, do seu Mestre. Ouvir o Cristo é o caminho para a glória. Não é à toa que São Bento começa a sua Regula Monachorum convidando-os com o termo Obsculta… Nós o ouvimos na Palavra da Escritura Sagrada; nós o ouvimos na Tradição da Igreja; nós o ouvimos quando os nossos pastores nos conduzem e nos dirigem uma Palavra que nos orienta e guia até o mesmo Cristo; nós o ouvimos quando aceitamos entrar na intimidade do nosso quarto, do quarto do nosso coração, onde, no dizer de Santo Inácio de Antioquia “existe uma água viva e murmurante que me diz: Vem para o Pai!”

As vestes de Cristo ficaram “brancas como a luz”. Marcos ressalta que as vestes de Cristo ficaram brancas de tal forma que nenhuma lavadeira poderia tê-las alvejado daquela forma. A brancura das vestes de Cristo não era uma brancura terrena, mas uma cor do céu. Cristo apareceu aos discípulos revestido de luz, porque Ele é a luz, nos vai dizer São João, talvez como fruto dessa experiência. Cristo alvejou as nossas vestes no seu sangue. O sangue d’Aquele que é luz alvejou as nossas vestes. A nós cabe agora clamar constantemente o Espírito para vivermos de acordo com a veste nova recebida.

Meus irmãos,

A Transfiguração ocorreu em um monte, local para os judeus de contato com a Divindade. As vestes brancas simbolizam a eternidade, o pertencer ao céu e ser santo como Deus é santo. Por isso, o anjo da ressurreição estará vestido de vestes brancas. A Santa Igreja conservou a figura da veste branca e a impõe ao recém-batizado, para simbolizar a pertença à família de Deus e expressar que o sagrado Batismo devolveu à criatura a santidade que a coloca em comunhão com Deus, conforme nos ensinou São Paulo: “Passais por uma transformação espiritual de vossa mentalidade e vos revestis do homem novo, criado segundo Deus na justiça e verdadeira santidade” (Ef 4,24). Tudo isso levando-se para a santidade e para a comunhão íntima com Deus e com a comunidade.

Outro símbolo da Transfiguração é a luz. Deus mora na luz inacessível, conforme nos ensina a IV Oração Eucarística, tão rica de significados teológicos. São João nos ensina: “Deus é Luz” (1Jo 1,5). Jesus de Nazaré definiu-se como sendo a encarnação da luz (Jo 1,7s; 3,19; 12,46).

A nuvem, simboliza a presença de Deus, como a manifestação no Monte Sinai (Ex 19,16) e a aliança entre Deus e o povo. Isaías cantava que a nuvem é o carro de Deus (Is 19,1; Sl 104, 3). Quando Jesus subir ao céu, em certo momento, será envolto por uma nuvem (At 1,9). Ora, o Tabor tem muito do significado do Sinai. Cristo estava para dar à luz um novo povo, uma nova e definitiva aliança, um novo Testamento por meio do sangue derramado na cruz. Como vimos, a Transfiguração tem todo um sentido pascal. E a Páscoa tem um sentido de recriação.

Para o angélico Santo Tomás de Aquino, o Tabor tem a presença do Espírito Santo: “A Trindade inteira apareceu: o Pai, na voz; o Filho, no homem; o Espírito, na nuvem luminosa”. A voz do Pai, saída da nuvem, é o centro do episódio: “Este é meu filho bem-amado. Escutai o que Ele diz!” (Mc 9, 8). Aqui está uma clara afirmação da filiação divina de Jesus, de sua autoridade de Filho de Deus, de sua natureza divina. Por isso Ele tem palavras de vida eterna.

Para nos transfigurarmos, devemos nos revestirmos de Cristo para sermos como Ele é.

É muito importante termos presente que a festa de hoje nos sinaliza que, pelo caminho do sofrimento e da cruz, chegaremos à ressurreição. São Pedro nos representa a todos, quando pretendemos viver e anunciar a alegria da ressurreição, sem passar pela generosa entrega e pela morte. Também nós preferimos montar a nossa tenda na montanha. Mas é preciso ter a experiência mística e coletiva da missão, do anúncio do Evangelho. Não podemos ficar na “fresca” da contemplação da Montanha, mas descer para o dia a dia da vida missionária.

Nesta reflexão sobre a Transfiguração, torna-se oportuno atermo-nos a alguns aspectos. Primeiro, o discípulo reza unindo a oração à realidade do dia-a-dia, principalmente pedindo a força de Deus para vencer os obstáculos, pedindo as forças que vêm de Deus. Depois, somos convidados a dar espaço e oportunidade a novas experiências. Para isso é preciso rezar e amar, conforme nos ensina São João Maria Vianney no silêncio do confessionário e na acolhida da partilha de seu ministério.

A experiência do Monte Tabor, a Transfiguração do Senhor, deu força aos apóstolos para aguentarem a experiência amarga do Monte Calvário. São Marcos relatou a história para fortalecer a fé vacilante dos membros de sua comunidade, quarenta anos depois do acontecido. O texto os convidou a renovar a fé em Jesus e na sua Palavra. O texto, ainda hoje, convida-nos a essa mesma atitude, conforme o convite de Deus Pai: “Este é o meu Filho amado. Escutem o que ele diz!” O convite de ontem vale hoje também para nós. Mais do que um convite é uma convocação para a missão e para o engajamento na realidade concreta da missão.

Contemplando hoje a face de Jesus transfigurado e escutando o que ele diz, encontraremos força para passar suportar os sofrimentos e dificuldades da vida, até o dia em que poderemos contemplá-Lo na glória do Pai, realização definitiva da aliança e das promessas.

Que Deus nos ajude e que as palavras finais do saudoso amigo Cardeal Dom Lucas Moreira Neves, OP, nos interpele: “Que eu possa sempre ver o rosto sereno e radioso do meu Cristo”. E eu completo: sempre na realidade da oração e do amor no irmão que vive e convive conosco no cotidiano. Amém!

Homilia por:  Padre Wagner Augusto Portugal

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