sábado, 24 de fevereiro de 2024

ESPIRITUALIDADE Homilética: 2º Domingo da Quaresma - Ano B: "Tribulações e consolações".

 

ESPIRITUALIDADE

Homilética: 2º Domingo da Quaresma - Ano B: "Tribulações e consolações".

 

O Evangelho deste domingo apresenta a fé dos Apóstolos, fortalecida na Montanha, pela Transfiguração de Jesus. O Mistério da Transfiguração não deve ser separado do contexto do caminho que Jesus está a percorrer. Ele já se orientou decididamente para o cumprimento da sua missão, sabendo bem que, para alcançar a Ressurreição, deverá passar sempre através da Paixão e da Morte de Cruz. Disto falou abertamente aos discípulos, os quais contudo não compreenderam, aliás, recusaram esta perspectiva, porque não pensam segundo Deus, mas segundo os homens (cf. Mt 16, 23). Por isso, Jesus leva consigo três deles ao monte e revela a sua Glória divina, esplendor de Verdade e de Amor. Jesus quer que esta luz possa iluminar os seus corações quando atravessarem a escuridão espessa da sua Paixão e Morte, quando o escândalo da Cruz for para eles insuportável. Deus é luz, e Jesus deseja doar aos seus amigos mais íntimos a experiência desta luz, que habita n’Ele. Assim, depois deste acontecimento, será neles luz interior, capaz de os proteger dos assaltos das trevas. 

Ao olharmos um pouco o contexto, observamos que Jesus tinha anunciado aos seus que “é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário que seja levado à morte e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22); que ele tinha falado também que se alguém o quisesse seguir que tomasse a cruz (cf. Lc 9,23-24); por outro lado, alguns discípulos esperavam um messias político que vencesse pela força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo desejavam ver-se livres.

Tendo em conta tudo isso, podemos dizer que os discípulos encontravam-se bastante desnorteados e até mesmo desanimados. A transfiguração do Senhor é um consolo. De fato, dizia São Leão Magno que “o fim principal da transfiguração foi desterrar das almas dos discípulos o escândalo da Cruz”; trata-se de uma “gota de mel” no meio dos sofrimentos. A transfiguração ficou muito gravada na mente dos três apóstolos que estavam com Jesus, anos mais tarde São Pedro lembrar-se-ia deste fato na sua segunda epístola: “Este é o meu filho muito amado, em quem tenho posto todo o meu afeto”. Esta mesma voz que vinha do céu nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo” (2 Pd 1,17-18).  Ele, Jesus, continua dando-nos o consolo – quando necessário – para podermos continuar caminhando e para que nunca desistamos.

Vale a pena seguir alguém que vai morrer na Cruz? Uma pergunta semelhante pôde ter passado pela mente dos discípulos do Senhor como também pôde ter passado alguma vez pela nossa, quiçá formulada de outra maneira.

A transfiguração de Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem é Jesus: O Filho Amado de Deus! É um momento antecipado de luz que nos ajuda também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé. Sim, ela é um mistério de sofrimento, mas é inclusive a “Paixão bem-aventurada” porque é – no núcleo – um mistério de amor extraordinário de Deus; é o êxodo definitivo que nos abre a porta para a liberdade e a novidade da Ressurreição, da salvação do mal. Temos necessidade disto no nosso caminho quotidiano, muitas vezes marcado também pela escuridão do mal! Agora Jesus leva consigo os três discípulos, para os ajudar a compreender que o caminho para alcançar a glória, a vereda do amor luminoso que vence as trevas, passa através do Dom total de Si, passa pelo escândalo da Cruz. E, sempre de novo, o Senhor deve levar – nos consigo também a nós, pelo menos para começarmos a compreender que este é o caminho necessário.

Os discípulos da transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da alegria são também os da agonia. Em nossa caminhada para a Páscoa somos também convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia dos três discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da caminhada não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai nos mostra desde já sinais da Ressurreição e do alto daquele monte Ele continua a nos gritar: “Este é o Meu Filho Amado, escutai-O”. É preciso acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores. As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam desanimados diante do Mistério da Cruz, são consolados por Jesus na transfiguração e preparados para os acontecimentos vindouros, como, por exemplo, o terrível sofrimento que Ele padecerá no Getsêmani. Vale a pena segui-lo? Certamente.

Quero sublinhar que Transfiguração de Jesus foi substancialmente uma experiência de oração (Cf. Lc 9, 28 – 29). Com efeito, a oração atinge o seu ápice, e por isso torna – se fonte de luz interior, quando o espírito do homem adere ao de Deus e as suas vontades se fundem, como que para formar uma só unidade. Jesus viu delinear – se diante de si a Cruz, o sacrifício extremo, necessário para nos libertar do domínio do pecado e da morte. E no seu coração, mais uma vez, repetiu o seu “Amém”. Disse sim, eis – me, seja feita, ó Pai, a tua Vontade de amor. E, como tinha acontecido depois do Batismo no Jordão, vieram do Céu os sinais do agrado de Deus Pai: a luz, que transfigurou Cristo, e a voz que O proclamou “Filho muito amado” (Mc 9,7).

Juntamente com o Jejum e as obras de misericórdia, a oração forma a estrutura principal da nossa vida espiritual.

Não desanimemos diante das dificuldades! Os Planos de Deus não conduzem ao fracasso, mas à Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim! Com efeito, a existência humana é um caminho de fé e, como tal, progride mais na penumbra que na plena luz, não sem momentos de obscuridade e até de total escuridão. Enquanto estamos aqui em baixo, o nosso relacionamento com Deus realiza-se mais na escuta do que na visão; e a própria contemplação tem lugar, por assim dizer, de olhos fechados, graças à luz interior acesa em nós pela Palavra de Deus. 

Esta centelha da glória divina inundou os Apóstolos de uma felicidade tão grande que fez Pedro exclamar: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas…” Pedro quer prolongar a situação! O que é bom, o que importa, não é estar aqui ou ali, mas estar sempre com Cristo, em qualquer parte, e vê-Lo por trás das circunstâncias em que nos encontramos. Se estamos com Ele, tanto faz que estejamos rodeados dos maiores consolos do mundo ou prostrados na cama de um hospital, padecendo dores terríveis. O que importa é somente isto: Vê-Lo e viver sempre com Ele! Esta é a única coisa verdadeiramente boa e importante na vida presente e na outra. Desejo ver-Te, Senhor, e procurarei o Teu rosto nas circunstâncias habituais da minha vida!

A vida dos homens é uma caminhada para o Céu, que é a nossa morada (2 Cor 5,2). Uma caminhada que, às vezes, se torna áspera e difícil, porque com frequência devemos remar contra a corrente e lutar com muitos inimigos interiores ou de fora. Mas o Senhor quer confortar-nos com a esperança do Céu, de modo especial nos momentos mais duros ou quando se torna mais patente a fraqueza da nossa condição: “À hora da tentação, pensa no Amor que te espera no Céu. Fomenta a virtude da esperança, que não é falta de generosidade” (São Josemaria Escrivá, Caminho, nº 139).

O pensamento da glória que nos espera deve animar-nos na nossa luta diária. Nada vale tanto como ganhar o Céu.

Não podemos ficar no Monte… de braços cruzados… O seguidor de Cristo deve descer do monte para enfrentar o mundo e os problemas dos homens!

Cada domingo, ao participar da Santa Missa, subimos a Montanha, para contemplar o Cristo transfigurado (ressuscitado) e escutar a sua voz.

Depois, ao descer a Montanha (tendo participado da Missa, ao sair da Igreja) devemos prosseguir a nossa caminhada, sendo sal da Terra e luz do mundo.

Que neste tempo de Quaresma, possamos encontrar momentos de silêncio, possivelmente de Retiro, para rever a própria vida à luz do desígnio de amor do Pai celeste. Deixemo-nos guiar nesta escuta mais intensa de Deus pela Virgem Maria, mestra e modelo de oração. Ela, também na extrema obscuridade da Paixão de Cristo, não perdeu mas conservou na sua alma a luz do Filho divino. É por isso que a invocamos como Mãe da confiança e da esperança! Que Maria, nossa guia no caminho da fé, nos ajude a viver o tempo da Quaresma, encontrando todos os dias alguns momentos para a oração silenciosa e para a Palavra de Deus. Ela, que acompanhou o seu Filho Jesus até à Cruz, nos ajude a ser discípulos fiéis de Cristo, cristãos maduros, para podermos participar juntamente com Ela na plenitude da alegria pascal. Amém!

COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

Leituras: Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18; Sl 115; Rm 8,31b-34; Mc 9,2-10

 

Caros irmãos e irmãs, neste segundo domingo do tempo quaresmal, a Liturgia da Palavra nos apresenta como primeira leitura um texto tirado do Livro do Gênesis, onde nos mostra Abraão conduzindo seu filho Isaac para o sacrifício. A figura de Abraão se caracteriza como o exemplo do homem que vive numa constante escuta de Deus, portador de uma fé sólida e inabalável, sendo conhecido como o pai de todos os crentes; o nosso pai na fé.

Segundo o Livro do Gênesis, que compõe o Pentateuco do Antigo Testamento, Deus pede a Abraão: “Sai da tua terra, deixa seus parentes e a casa de seu pai para ir para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12,1-4). Em obediência à ordem do Senhor, Abraão deixa tudo, renuncia a tudo: pátria, família, estabilidade e confia apenas em Deus, pois ele tem consciência que só Deus governa a sua vida.  Nesta terra, os seus descendentes formariam uma grande nação e herdariam uma terra “onde corre leite e mel” (Gn 12,7).

Abraão acredita, mesmo sabendo que a esposa Sara é estéril e ele já tem 75 anos para o tempo da promessa. Mas mesmo passando vinte e quatro anos, após receber ele esta promessa, ocorre a visita do Senhor à sua tenda.  No final da visita, Abraão ouve: “Em um ano, a esta época, voltarei à tua casa e Sara terá um filho” (cf. Gn 18,14). E, como para Deus nada é impossível, assim aconteceu: o nascimento de Isaac, filho de um homem de 100 anos e uma mulher estéril de 90, e através de quem Abraão será o pai de um grande povo, o pai de todos os crentes.

Sendo o povo escolhido de Deus, os hebreus conquistariam a terra prometida de Canaã, uma terra de fartura, em comparação com as que Abraão deixara para trás. Foi assim que Abraão foi para Canaã, passando a ser o fundador da nação hebraica. Canaã era a terra prometida por Deus ao seu povo, desde o chamado de Abraão, que habitava a cidade caldeia de Ur, no sul da Mesopotâmia. Foram 24 anos de uma longa espera.

Isaac, este filho da promessa de Deus, começa a crescer, mas o Senhor intervém novamente para fazer um novo pedido a Abraão: Oferecer Isaac em sacrifício (cf. Gn 22, 1-2-9-18). Deus retorna para exigir de Abraão aquilo que lhe fora concedido como graça e sinal do cumprimento de uma promessa: Isaac deve ser sacrificado.  Mesmo diante deste pedido, Abraão é pronto na obediência, sem nenhum questionamento.  Ele sobe ao monte para cumprir os requisitos mais difíceis do Senhor: sacrificar o seu próprio filho.

Abraão encontra-se diante da perspectiva de uma ação que para ele, pai, é certamente,  a  maior e mais difícil. Abraão obedece e se dirige para o Monte Moriá com seu filho Isaac que, sem o saber, leva a lenha para seu próprio holocausto.  Deus parece romper sua palavra e fecha para Abraão toda a esperança para o futuro.  Abraão constrói um altar, coloca a lenha e, depois de amarrar o jovem, pega na faca para o imolar. Abraão confia totalmente em Deus, a ponto de estar disposto até a sacrificar o próprio filho e, com o filho, o futuro, porque sem o seu filho, a promessa da terra prometida não se realiza. É realmente um gesto de fé extremamente radical.

 

Mas, no momento decisivo o anjo do Senhor detém o braço de Abraão, e um carneiro substitui o filho no sacrifício (cf. Gn 22,13). Neste momento Abraão é detido por uma ordem do alto: Deus não quer a morte, mas a vida, o verdadeiro sacrifício não proporciona a morte, mas é a vida e a obediência de Abraão que se torna fonte de uma bênção imensa, que se concretizará ao longo dos anos seguintes. Em vista de sua comprovada fidelidade – Deus renova com Abraão sua promessa: descendência numerosa, terra em possessão e bênção para seu povo e a todas as nações da terra.

O texto evangélico nos apresenta o relato da Transfiguração de Jesus no Monte Tabor.  A cena constitui uma palavra de ânimo para os discípulos, e para os crentes, em geral, pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que ele é o Filho amado de Deus.  Na narração da Transfiguração de Jesus vamos encontrar alguns elementos que normalmente acompanham as manifestações de Deus, e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento: o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem, o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino.

É sempre em um monte que Deus se revela; e, em especial, é no alto de um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo. A mudança do rosto e as vestes brancas e brilhantes recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Monte Sinai (cf. Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei.  O monte é o lugar de encontro com Deus: Moisés e Elias encontram Deus no Monte Horeb. A Sagrada Escritura nos diz que Jesus, por várias vezes, se retira para o monte, a fim de estar com Deus em oração.

A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto (cf. Ex 40,35; Nm 9,18.22). Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas; além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18). O temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer pessoa, diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (cf. Ex 19,16).

A mensagem fundamental, presente em todos estes elementos, pretende dizer quem é Jesus: o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse Messias Salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (representada por Moisés) e pelos Profetas (representados por Elias). Jesus é um novo Moisés, isto é, aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem Deus propõe aos homens uma nova Aliança.

O desejo manifestado por Pedro de construir três tendas no alto do monte, pode significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus.  O simples fato de ver, mesmo só por um instante, a humanidade de Cristo transfigurada na companhia de Moisés e Elias, cheio de entusiasmo, deseja retê-los: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (v.5).  Não deixa de ser a manifestação, nestas suas palavras, de um testemunho de um sentimento sincero.

Mas, logo em seguida, parece surgir uma resposta do próprio Deus a Pedro e aos demais discípulos que ali estavam: “Este é meu Filho amado, escutai-o” (v. 7).  Deus toma a palavra, pede para que reconheçam Jesus como seu Filho amado, e pede para O escutar.  O Evangelho é o lugar no qual Jesus fala-nos hoje: “Quem a vós escuta, a mim escuta” (Lc 10, 16). Com essa palavra: “Escutai-o!”, indica que em Cristo temos toda resposta.  Mas na Transfiguração ele também queria mostrar sua divindade a três de seus Apóstolos, depois de ter anunciado aos doze sua já próxima Paixão e Morte. Quis o Senhor com sua Transfiguração no Monte Tabor incentivá-los, fortalecê-los e prepará-los para o que, em seguida, aconteceria no Monte Calvário.

Como os três Apóstolos do Evangelho, também nós temos necessidade de subir ao Monte da Transfiguração para recebermos a luz de Deus, e para que a sua face ilumine o nosso rosto e nos faça crescer na fé e na oração.  Assim seja.

PARA REFLETIR

Surpreende-nos, caríssimos, que neste tempo quaresmal, de tanta sobriedade, a Mãe católica nos coloque diante dos olhos Jesus transfigurado. Não seria mais adequado este texto num dos domingos da Páscoa? Cabe tanta glória, tanta luz, tanto esplendor, neste tempo de oração, penitência, esmola e combate espiritual? Mas, não duvidemos: a Igreja tem seus motivos; motivos sábios, motivos de mãe que educa com carinho.

Primeiramente, a glória de Jesus no Tabor, antegozo da sua ressurreição, anima-nos e alenta-nos neste caminho quaresmal. Ao nos falar da oração, da penitência, da esmola, ao nos exortar ao combate aos vícios e à leitura espiritual, a Igreja, fazendo-nos contemplar o Transfigurado, revela-nos qual o objetivo da batalha da Quaresma: encontrar o Cristo cheio de glória e, com ele, sermos glorificados. Olhai o Tabor, irmãos, e vereis o que o Senhor preparou para nós! Pensai no Tabor, e a penitência terá um sentido, as mortificações deste tempo serão feitas com alegria! Que diz o Evangelho? Diz que, diante dos apóstolos, Jesus transfigurou-se: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar”. Eis! A Transfiguração é uma profecia, uma antecipação da glória da Páscoa; e a Páscoa de Cristo é a garantia da nossa glorificação. Porque Cristo morreu e ressuscitou, nós também, mortos com ele, seremos daquela multidão vestida de branco, de que fala o Apocalipse! (Ap 7,9) Então, ânimo! As observâncias da santa Quaresma não são um peso, mas um belo caminho, um belo instrumento para conduzir-nos à Páscoa do Senhor!

Mas, a leituras de hoje colocam-nos também diante de uma outra realidade, bela e profunda. Comecemos pela primeira leitura, na qual Deus pede a Abraão tudo quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”. Isaac era tudo para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldéia, por ele, tinha esperado mais de trinta anos, por ele, tinha suportado todas as provas… E, agora, já idoso, sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já esta crescidinho e Abraão pensava poder descansar, Deus o pede a Abraão. Que prova, caríssimos! A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Mas, ele foi em frente e “estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.

Caríssimos, Deus tinha o direito de pedir isso a Abraão? Deus tem o direito de nos provar, detantas vezes nos pedir coisas que não compreendemos bem? Tem o direito de pedir fé e confiança diante dos percalços da vida? Poderíamos responder dizendo simplesmente que “sim”, porque ele é Deus; deu-nos tudo e pode pedir-nos o que desejar. Mas, não é essa a resposta que a Palavra de Deus nos indica na liturgia de hoje. Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com certeza, porque ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo, na segunda leitura deste hoje, “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós!” Eis o grande mistério: Deus, no seu amor por nós – primeiro pelo povo de Israel, descendência de Abraão, e, depois, por toda a humanidade, com a qual ele deseja formar o novo povo, que é a Igreja – Deus, no seu amor por nós, entregou à morte o seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, aquele no qual ele coloca todo o seu bem-querer. Não é assim que ele no-lo apresenta hoje no Monte Tabor? “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” É este Filho que será entregue à morte. O Evangelho de São Lucas nos diz que, precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias “sobre a sua partida, isto é, a sua morte, que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,31). E no Evangelho de São Marcos, que escutamos, o próprio Jesus, ao descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Compreendei, caríssimos: sobre o Monte Tabor, com o Transfigurado envolto em glória, paira a sombra da paixão, da morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão entregará por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último momento; não poupará, contudo, o seu próprio Filho!

Isso nos revela a dimensão do amor de Deus, da sua paixão pela humanidade, do seu compromisso salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo, caríssimos, e nós deveríamos dar-lhe tudo, porque, ainda que não compreendamos, ele deseja somente o nosso bem, a nossa vida, a nossa salvação. Somos preciosos a seus olhos! Escutai o Apóstolo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo juntamente com ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, amados em Cristo, a dimensão e a profundidade, a largura e a altura do amor de Deus por nós! Deixemo-nos, portanto, tocar no nosso coração; convertamo-nos! Abramo-nos para o Senhor! Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa frieza, de nosso fechamento! Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e desconfiança de Deus, simplesmente porque não entendemos seu modo de agir! Que Santo Abraão, nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé, intercedam por nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando com generosidade a amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da Páscoa e contemplemos nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo glorificado. Amém.

https://www.icatolica.com/2015/02/homiletica-2-domingo-da-quaresma-ano-b.htm

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