3.2- 28 de dezembro – SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ (ZAS)
“Amai-vos uns aos outros, pois
o amor é o vínculo da perfeição” (Cl 3,14)
Por Ir.
Dra. Izabel Patuzzo (IP)* Prof. Ms. Celso Loraschi (CL)** Ir. Dra. Zuleica
Aparecida Silvano (ZAS)***
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras desta festa
da Sagrada Família nos convidam ao amor para com nossos pais e ao amor no nosso
ambiente familiar (I e II leituras). O Evangelho apresenta as dificuldades que
a família de Jesus experimentou por manter-se fiel ao plano de Deus. Nossas
famílias, semelhantemente, vivem inúmeras dificuldades, mas também momentos
carregados de ternura, de alegria, de solidariedade. Assim, em todos esses
momentos, possamos ouvir ecoar dentro de nós as exortações à comunidade de
Colossas, descritas na I leitura: “revesti-vos de sincera misericórdia,
bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e
perdoando-vos mutuamente. [...]. Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros”.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a)
Eclo 3,3-7.14-17a é um
comentário detalhado do quarto mandamento: “Honra teu pai e tua mãe” (Ex 20,12
e Dt 5,16). Inicialmente, percebe-se que há uma igualdade de tratamento tanto
para o pai como para a mãe.
O autor recomenda aos
filhos, tanto os jovens como os adultos, que tenham carinho e respeito para com
seus pais, pois é necessário honrar pai e mãe (v. 3-5), respeitá-los (v. 7),
não abandonar o pai (v. 16) e consolar a mãe (v. 6). O dom que os pais podem
fazer pelos filhos é dar-lhes sua bênção (v. 8-9), fonte de prosperidade e
fecundidade. Entre as promessas dadas aos filhos em virtude do cuidado com seus
pais, ressalta-se o perdão dos pecados (v. 3.15). As outras promessas são:
acumular tesouros (v. 4), alegria com relação aos filhos (v. 5), vida longa (v.
6), oração atendida (v. 5). Aqueles, porém, que abandonam seus pais são
considerados blasfemadores e malditos (v. 16).
2. II leitura (Cl 3,12-21)
A carta aos Colossenses
é chamada deuteropaulina. É atribuída a Paulo, mas não foi escrita por ele.
Provavelmente foi escrita por um discípulo ou por um líder da comunidade de
Colossas.
Colossenses 3,12-21 traz
o chamado código doméstico, que objetiva delinear as atitudes fundamentais dos
membros da comunidade cristã, também quanto às relações familiares. Essas
exortações, alicerçadas na ação salvífica realizada por Jesus, visam criar um
mundo renovado, uma nova humanidade. Desse modo, os membros da comunidade são
exortados a viver o amor fraterno, a paz, a serem assíduos à escuta da Palavra e
a descobrir na história e na vida a realização do projeto salvífico de Deus,
que se identifica com sua vontade. São, portanto, chamados a estabelecer novas
relações, assumir nova mentalidade, novo estilo de vida. Esse novo estilo de
vida é esboçado em Cl 3.
Os versículos escolhidos
para a celebração desta festa da Sagrada Família (v. 12-21) destacam,
primeiramente: recuperar a imagem de Deus, retomar a relação com Jesus Cristo,
resgatar a aliança com Deus (v. 12), estabelecer nova relação com o outro,
vivendo em comunhão e em fraternidade (v. 12-13). Essa mudança nos conduz à
vivência da caridade e da sabedoria. A caridade é o vínculo da perfeição,
entendida no sentido de atingir a meta, chegar àquilo que almejamos: a
plenificação do nosso amor, vivendo profundamente em comunhão com Deus e com o
outro. Podemos também entender essa expressão numa perspectiva pascal, ou seja:
a caridade identifica-se com o amor salvífico revelado em Cristo.
A sabedoria, em Cl 3,16,
é apresentada como a faculdade de discernir e de julgar as situações e os
acontecimentos. Em Cl 2,18, agir com sabedoria é agir moralmente. De fato, o
texto sugere ser necessário orientar nossas decisões para a opção fundamental
por Jesus Cristo. Essa opção, marcada pela caridade e pela sabedoria, transforma
nosso modo de pensar e de agir e contribui para melhor discernirmos qual é a
vontade divina em todas as circunstâncias, sendo este o verdadeiro culto a
Deus. Nesse contexto, são inseridos os preceitos particulares e domésticos,
influenciados pelo ambiente cultural greco-romano, mas também com várias
características do modelo judeu-helenista. A novidade dessas normas está em
fundamentá-las na experiência cristã, na experiência profunda com Jesus Cristo.
A primeira regra é
dirigida às esposas, chamadas a serem “solícitas” para com seus maridos, ou
seja, a cuidar deles, cultivando um relacionamento de respeito, carinho,
ternura, delicadeza, marcado pelo diálogo, pelo perdão, pelo compartilhamento
de momentos de alegria e de tristeza. O “submeter-se” – outra tradução possível
para “ser solícito” – também pode ser interpretado como renunciar a
determinadas atitudes para a edificação da família, trilhar o caminho do amor,
com suas exigências, e enfrentar as fragilidades. De fato, todo relacionamento
está sujeito às vicissitudes do dia a dia – problemas econômicos, de
estabilidade, experiências dolorosas, conflitos, alegrias, sonhos, esperança –,
sendo algo construído constantemente. Solicitude significa compreender que o
amor é um dom e consiste em aprender a promover a vida do outro. Submeter-se é
renunciar aos muitos desejos egoístas para estabelecer profundos laços de
comunicação interpessoal. Submeter-se no amor é suportar o outro, carregando
sua fragilidade, sendo solidário na sua dor, mas sobretudo se alegrando com
suas vitórias. A ideia de “submeter-se”, nesse texto, não pode ser interpretada
como submissão sexual ou total ao marido, pois, se fosse essa a intenção, a
carta não exortaria os maridos a amar suas esposas como Deus ama seu povo.
Nesse sentido, o amor à esposa tem como fundamento o amor gratuito de Deus,
manifestado em Cristo, que exclui qualquer tipo de submissão (cf. 1Cor
13,1-13).
Os maridos são exortados
a expressar seu amor por suas esposas, pois é importante para elas ouvir que
são amadas, valorizadas, reconhecidas por aquilo que são. A expressão do amor
também ocorre por meio de gestos de ternura, de compreensão, de aconchego, de
proteção, de solidariedade, bem como pela fidelidade. Amar supõe ainda a
capacidade de renunciar ao poder de submeter o outro, à posse do outro, à
satisfação pessoal em detrimento do outro.
Os pais são convidados a
não irritar seus filhos. Isso significa acolhê-los, animá-los em seus
empreendimentos, alegrando-se com suas conquistas, consolá-los diante dos erros
e fracassos, orientá-los em suas decisões e ter paciência com seu processo.
3. Evangelho (Mt 2,13-15.19-23)
O texto se inicia com a
aparição de um mensageiro a José, o que pode ser interpretado como a presença
de Deus junto a Jesus e sua proteção sobre ele nos momentos de maior perigo e
dificuldade. O mensageiro ordena que José fuja para o Egito com Maria e com
Jesus, pois Herodes deseja matar o menino. Essa frase nos remete à história de
José do Egito (Gn 37-41), mas também à experiência exodal e às narrativas de
Moisés. O interessante é que, se o Egito era visto como o lugar da escravidão e
da opressão, em Mt 2,13 ele constitui o lugar de refúgio para Jesus, que assim
escapa do projeto opressor de Herodes. A finalidade da fuga expressa a dura
realidade de Jerusalém: paradoxalmente, a terra da promessa, escolhida por
Deus, tornou-se lugar da opressão, da morte, totalmente contrário aos planos
divinos, ao projeto messiânico.
Mateus 2,14-15 retrata a
total docilidade de José, que sem demora realiza o que lhe foi confiado por
Deus, sendo totalmente obediente à vontade divina. O amor maternal de Deus para
com Jesus é expresso por meio da citação de Os 11,1. A escolha dessa citação
profética aponta para a relação filial de Jesus com o Pai e indica que seu
retorno do Egito para a terra prometida deve ser relido como um novo êxodo, no
qual Jesus estabelecerá uma nova aliança, libertando Israel de todo tipo de
opressão e anunciando a vontade do Pai.
Após a morte do
opressor, surge a oportunidade de voltar a Israel (v. 19), revivendo a
esperança experimentada no êxodo e no retorno do exílio. Esse dado sinaliza que
Jesus será aquele que libertará o povo, sempre anunciando um novo começo, uma
restauração, que não irá acontecer nos grandes centros do poder religioso, político
e social, na Judeia, mas sim na periferia, a começar de uma cidade
insignificante. Essa escolha indica que faz parte do plano de Deus começar a
libertação pela periferia (v. 23).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
O Evangelho e as
leituras nos convidam à delicadeza no trato com as pessoas. Nas I e II
leituras, essa delicadeza é incentivada a se exprimir em relações familiares
marcadas pelo amor, pela solidariedade, pelo respeito e pela fidelidade. No
Evangelho, a delicadeza aparece na atitude de José de seguir o plano de Deus.
Assim, somos desafiados a nos perguntar: como estou vivendo essa delicadeza na
relação com as pessoas?
Somos também convidados a refletir sobre as palavras do papa
Francisco em sua exortação Amoris
Laetitia, n. 30:
Cada família tem diante
de si o ícone da família de Nazaré, com o seu dia a dia feito de fadigas e até
de pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de
Herodes. Experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias
de refugiados descartados. Como os Magos, as famílias são convidadas a
contemplar o Menino com sua Mãe, a prostrar-se e adorá-lo (Mt 2,11). Como
Maria, são exortadas a viver, com coragem e serenidade, os desafios familiares
tristes e entusiasmantes, e a guardar e meditar no coração as maravilhas de
Deus (Lc 2,19.51). No tesouro do coração de Maria, estão também todos os
acontecimentos de cada uma das nossas famílias, que ela guarda solicitamente.
Ir. Dra. Izabel Patuzzo (IP)* Prof. Ms. Celso
Loraschi (CL)** Ir. Dra. Zuleica Aparecida Silvano (ZAS)***
*da Congregação Missionárias da Imaculada, pime. Mestra em
Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Teologia
Bíblica pela PUC-SP.
**mestre em Teologia Dogmática, com concentração em Estudos Bíblicos, pela
Faculdade Nossa Senhora da Assunção (SP),
é autor do roteiro do Evangelho de Todos os Fiéis Defuntos e do roteiro da
festa da Dedicação da Basílica do Latrão.
***religiosa paulina, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício
Instituto Bíblico (Roma) e doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia (Faje), é autora do roteiro da festa da Sagrada
Família.
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