A graça de Deus nos atrai a Ele, nos
faz escutar o chamado e nos pede uma resposta
A trajetória de vida de Santo Agostinho a partir do tema de sua
conversão apresenta uma expressiva confiança na ação da graça que
atua em seu favor, fazendo seu coração arder, inquietando-o e conduzindo-o no
desejo de comprometimento com a verdade que ele tinha descoberto. Diante dos passos
que queria dar, mas ainda sem a força suficiente e já sabendo o que o levaria a
uma vida mais plena e feliz, reconhece sua fraqueza e dificuldade de dar aquele
sim firme. É esse ato de humildade, já liberto de uma autossuficiência, que
impedia a ação da graça, que dá espaço à experiência de uma vida nova.
Em suas confissões,
Agostinho expressa a contradição que tomava conta de seu coração:
Enquanto assim
pensava, e os ventos contrários se aproximavam e me impeliam o coração de um
lado para outro, o tempo passava, e eu tardava em converter-me ao Senhor.
Adiava de dia para dia a decisão de viver em Ti, e não adiava um só dia a morte
cotidiana em mim mesmo (CONFISSÕES VI, I, 20).
Agostinho expressa
querer viver feliz, mas ao mesmo tempo temer procurar a felicidade onde ela
estava, visto que ele “fugia dela e, ao mesmo tempo, a procurava” (CONFISSÕES
VI, I, 20).
Quando fala sobre o
tema da castidade, reconhece ter por certo tempo confiado que a força que
encontraria para conseguir vivê-la estava apenas em si. Por isso afirma:
“pensava que a continência dependesse apenas de nossas forças, e eu achava que
não as possuía” (CONFISSÕES VI, I, 20). Portanto, podemos falhar quando
confiamos apenas em nós mesmos e desconsideramos que é a graça de Deus que nos
atrai a Ele e nos faz escutar o chamado, ou seja, a nossa vocação. Nesse
sentido, ensina-nos Agostinho que a graça de Deus não
encontra homens aptos para a salvação, mas torna-os aptos para
recebê-la.
De maneira
semelhante, São Paulo reconhece a iniciativa de Deus frente à mudança de rota
que teve em sua vida e se demonstra grato por lhe ter sido confiada tal missão,
ainda que tenha cometido atrocidades com os cristãos. Assim, o apóstolo
expressa em sua primeira carta a Timóteo:
Agradeço àquele que
me deu força, a Jesus Cristo nosso Senhor, que me considerou digno de
confiança, tomando-me para o Seu serviço, apesar de eu ter sido um blasfemo,
perseguidor e insolente. Mas eu obtive misericórdia porque eu agia sem saber,
longe da fé. Sim, Ele me concedeu com maior abundância a Sua graça, junto com a
fé e o amor que estão em Jesus Cristo (1 Timóteo 1,12-14).
Nossa vocação é
graça de Deus. Ao escutarmos Seu apelo e reconhecermos nossa fraqueza, damos
espaço para ação da graça. Coloquemo-nos a caminho, façamos a nossa parte e
Deus fará a dEle.
Frei José Flávio Cassiano, OSA
Artigo publicado na coluna Pro-vocação, do Jornal Inquietude On-line, edição de
junho de 2024.
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