sexta-feira, 2 de junho de 2023

"'HÍGIA', 'SALUS', E 'KLINIKÓS': A 'SANTÍSSIMA TRINDADE' DA SAÚDE E DA QUALIDADE DE VIDA QUE POUCOS CONHECEM"

 

 

"'HÍGIA', 'SALUS', E 'KLINIKÓS': A 'SANTÍSSIMA TRINDADE' DA SAÚDE E DA QUALIDADE DE VIDA QUE POUCOS CONHECEM"

              Por Lindolivo Soares Moura(*)

  "Nascemos  na  superfície: Eros! Depois aprofundamo-nos  um pouco  mais:  Philos!  Poucos alcançarão  as  profundidades: Ágape"

 

Se Hígia 10, descoberto pelo astrônomo italiano Annibale de Gasparis em 1849, é um grandíssimo asteróide, ou um "planeta anão" como costumam ser assim chamados pela Ciência, a dúvida persiste e fica sob responsabilidade dos entendidos dirimi-la. A outra curiosidade fica por conta da associação do portentoso astro com a deusa grega da saúde, "Hígia", duas entidades bem distintas, sem dúvida, e aparentemente com pouca coisa em comum. Que nossa cultura ocidental tenha na herança greco-romana seu grande legado, isso a maioria de nós o sabemos. O certo porém é que muitas vezes usamos termos e palavras cuja riqueza de significado nos passa literalmente despercebida, em virtude de sua origem nos ser totalmente desconhecida. Esse é provavelmente o caso de conceitos como "higiene", "clínica", "saúde", e outros tantos mais. A etiologia das palavras pode trazer consigo dados e informações importantes, infelizmente por nós pouco explorados, em razão do raro interesse que guardamos para com essa vertente da linguagem e da linguística. Desatenção também tem seu preço, e muitos de nós acabamos pagando alto por ele; esse é com certeza um desses casos.

Uma das consequências desse descaso, no que diz respeito a  "Hígia", "Salus", e "Klinikós" - agora nos idiomas originais, grego, latim, e mais uma vez o grego, respectivamente -  é o fato de que profissionais de diversas áreas, mas sobretudo da saúde física e mental, acabem atuando de forma insegura, e por vezes literalmente desnorteados, em relação ao que chamamos de "enquadramento de tarefa", ou seja, no que diz respeito ao lugar, ao papel e às funções a serem desempenhados por cada profissional em sua respectiva área de atuação. Não é raro que uns sejam "cobrados" por aquilo que deixam de fazer, enquanto outros acabem sendo "advertidos" por desempenhar tarefas ou funções que não são de sua competência. O terreno fica ainda mais movediço quando certas tarefas ou funções parecem atribuíveis a mais de uma profissão ou profissional, tornando-se uma espécie de "terra de ninguém", ou, por via inversa,  de todos, ao mesmo tempo. Em tais casos o "meio de campo" acaba ficando ainda mais congestionado. E como qualquer leigo em esportes sabe bem, meio de campo congestionado é garantia de trombadas, empurrões e reclamações de todos os lados. Entrar num jogo sem conhecer bem suas regras, é certeza de muita discussão e  muito desentendimento,  algo absolutamente desnecessário e que se resolveria facilmente, bastando para isso que todos tivessem, do jogo e de cada uma de suas regras,  conhecimento suficiente e adequado.

No que diz respeito à qualidade de vida em geral, e na área da saúde tanto física quanto mental, em particular, há  conceitos que são usados com muita frequência, e curiosamente com pouquíssimo conhecimento tanto de sua abrangência quanto de sua riqueza de significados. Esse desconhecimento pode sem dúvida comprometer, e muito, a qualidade, a eficiência do exercício profissional, e a eficácia do serviço prestado. A presente reflexão se debruça sobre dois dos conceitos mencionados, na expectativa de que ao fazê-lo possa estar contribuindo para a recuperação do seu vasto campo e rico significado, que infelizmente foram se perdendo e se deteriorando ao longo da história de cada um deles. Refiro-me aos conceitos de "saúde" - ou "higiene" - e "clínica", dois conceitos, como se pode ver,  largamente utilizados. "Saúde" tem sua origem em "Salus", que não é senão a versão romano-latina de "Hígia" ou "Higeia" para os gregos, de onde tem origem a palavra "higiene" em português. Se "Salus" originou-se de "Hígia", parece mais lógico e sensato investigar e buscar recuperar a riqueza de sentido de "Hígia", pois assim estaremos conhecendo melhor mãe e filha, "higiene" e "saúde" ao mesmo tempo. Em seguida faremos o mesmo com "klinikós", "clínica" em português, termo que ao longo do tempo foi se desgastando mais e mais, e hoje se encontra bastante empobrecido e deteriorado, sobretudo quando confrontado com sua abrangência e sua riqueza de sentido originais. Comecemos portanto com "Hígia", e vejamos o que ela pode ter  a nos ensinar.

Filha de Asclépio, o deus grego da medicina - Escolápio, para os romanos - sabemos que Hígia só começou a reinar soberana após a queda de Atena - até então, invocada como deusa da saúde -  queda esta decorrente da terrível praga que se abateu sobre a cidade que leva seu nome, Atenas, no ano de 429 a.C., e que a deusa lamentavelmente não conseguira evitar. Tal fato parece ter afetado drasticamente sua credibilidade, até que por fim ela veio cair em desgraça.  A "deposição" de Atena, seguida da escolha de Hígia para substituí-la, viria a ser devidamente comunicada pelo oráculo, no templo de Apolo em Delphos. A princípio a filha de Asclépio passa a ter, nos santuários consagrados ao pai, locais de peregrinação e devoção a ela dedicados. O crescimento de sua importância, entretanto, decorrente do significativo aumento do número de necessitados que a ela acorriam, fez com que lhe fossem dedicados santuários próprios, onde passava a ser idolatrada e invocada como "deusa da saúde". Aparentemente o culto e a devoção a pai e filha jamais entraram em conflito, o que não deixa de ser digno de nota quando se tem presente que o poder quando em jogo, exercido por divindades que ocupam um mesmo espaço de atuação, costuma produzir disputa e desentendimento difíceis de serem contornados. Os deuses e divindades costumam ser, também eles, "zelosos" de sua autoestima, de seus seguidores e do culto que por eles lhes é prestado, pouco ou nada dispostos a compartilhar poder entre si. É possível que essa convivência não apenas pacífica, mas harmoniosa e cooperativa entre pai e filha, tenha ocorrido em função do fato de Hígia ter se dado conta, desde cedo, de seu lugar, papel e tarefas específicas, e tê-los desempenhado com humildade e dedicação, até onde se sabe,  irrepreensíveis. Não há registros de que em momento algum tenha rivalizado com o pai, tentado algum tipo de "golpe", ou sequer reivindicado algum tipo de concessão ou privilégio, o que costuma ocorrer com dilatada frequência, por exemplo, no meio político, quando então o exercício do poder acaba descambando para a "politicagem", com todas as consequências indesejáveis que todos nós bem conhecemos. Não estamos aqui "despolitizando" qualquer ofício ou profissão, e menos ainda negando a qualquer grupo o direito de reivindicar pelo que lhes pareça necessário, justo e adequado. Qualquer dúvida nesse sentido, sugiro a leitura de "Professora sim, tia não", do Educador brasileiro Paulo Freire, que sintetiza bastante bem nosso pensamento e nosso parecer sobre o assunto.

A palavra "higiene", em português, derivada do grego "Hígia" - "Salus", em latim, de onde provem "saúde" - é significativamente pobre em abrangência e significado, se considerarmos todo o espectro de quesitos significativos que Hígia representava para os gregos. Enquanto seu pai, Asclépio, deus da medicina, desempenhava a função de médico e cirurgião, Hígia realizava uma grande variedade de intervenções, que chamaríamos hoje de "preventivas" e "profiláticas", bem como de manutenção e preservação da saúde e da qualidade de vida, daqueles que por ela eram acolhidos e se beneficiavam de seus cuidados. Quando os doentes e moribundos acorriam a Asclépio em busca de cura, ou mesmo de um "milagre" quando o caso era percebido como grave, cabia a ela a responsabilidade de recepcioná-los e acolhê-los à entrada da grande floresta, onde o pai decidira viver e escolhera para realizar seus trabalhos. A partir do momento em que a filha começou a "assessorá-lo", Asclépio foi se dando conta de dois fatos curiosos, um que o maninha muito satisfeito, e outro que o deixava bastante confuso e intrigado. A satisfação veio, ao perceber que o comportamento e sobretudo o "humor", dos doentes e moribundos que Hígia trazia até ele, eram qualitativamente diferentes dos de seus antigos pacientes. Demonstravam uma tranquilidade, uma confiança e uma serenidade que não eram comuns nesse tipo de pessoas, além de  apresentar um otimismo e uma expectativa que ele, como médico, considerava altamente favoráveis para a evolução do tratamento e na busca por uma eventual cura. Antes das intervenções de Hígia, estava acostumado com palavras de indignação e até de revolta, por parte sobretudo dos mais exaltados e desesperados, que acabavam vendo nele uma espécie de "último recurso", para suas desgraças e enfermidades. Registrou em seu livro de apontamentos e observações, essa mudança terapeuticamente favorável, apresentada por seus pacientes, e continuou a observar com mais atenção aqueles que chegavam a ele pelas mãos de Hígia.

Ao mesmo tempo, algo curioso passou a intrigá-lo cada vez mais, ainda que não representasse para ele motivo de preocupação maior. Percebeu que na medida em que o tempo passava, e Hígia continuava realizando seu trabalho de acolhimento e preparação dos doentes, o número dos que efetivamente passaram a necessitar de suas intervenções vinha diminuindo cada vez mais. Decidiu então observar, ele mesmo, o que estaria ocorrendo, mantendo-se porém cauteloso e temeroso de que a filha pudesse perceber algo, e interpretasse equivocadamente sua intenção. Definido seu plano e sua estratégia, comunicou à filha que se ausentaria por um dia, para descansar um pouco e recuperar as forças, orientando-a porém a continuar fazendo normalmente seu trabalho. Em seguida disfarçou-se tão bem quanto pôde, como um moribundo, indo em seguida juntar-se ao pequeno grupo que aguardava por Hígia à entrada da floresta. Algum tempo depois lá estavam todos eles sendo conduzidos por ela, floresta adentro, sob o olhar e o ouvido atentos de Asclépio, que mantinha o corpo e o rosto praticamente encobertos. Na medida em que caminhavam Hígia os convidava a observar com atenção e a interagir com todos os seus sentidos, para com as belezas e características do lugar em que se encontravam: árvores gigantescas, ruído de um ou outro animal, sons e cantos de diferentes pássaros, burburinho de água ao longe, e outros tantos encantos naturais com que a floresta os presenteava. Insistia para que se permitissem ser "tocados" e "afetados" por cada estímulo que a natureza lhes proporcionava, fazendo-os observar que havia música em praticamente tudo, ao seu redor, desde o barulho das águas, o canto dos pássaros, os sons diversos que emanavam das folhagens e do vento, e de onde mais que pudessem captar sons em forma de  mensagens. Depois de algum tempo envolvidos e energizados com essa espécie de interação para com a natureza, Hígia os conduziu a uma vislumbrante cachoeira, onde a água abundante caía límpida e quase cristalina, do alto de um penhasco, formando um lago convidativo para um banho refrescante. Sem demora, Hígia foi a primeira a se banhar, orientando todos a fazer o mesmo e insistindo para que deixassem que a água os tocasse ora delicadamente, ora em jatos mais fortes, como se estivessem massageando seus corpos. Dizia-lhes que aquela era uma hora propícia para deixarem que a criança que havia dentro de cada um deles "viesse para fora", fosse libertada, estimulando-os a brincar e gritar à vontade, pois naquele lugar, segundo ela, ninguém viria incomodá-los de nenhuma forma. Asclépio estava simplesmente encantado com tudo aquilo que seguia presenciando, enquanto se mantinha suficientemente distanciado e parcialmente encoberto, temeroso de que Hígia pudesse vir a perceber sua presença e desmascarar sua audácia.

Depois de certo tempo na cachoeira Hígia os convidou a continuar caminhando floresta adentro. Na medida em que o faziam, ela ia orientando cada um a identificar possíveis pensamentos ruins e negativos, alojados dentro de suas mentes. Dizia-lhes que cada pensamento   "doentio", que ali se hospedara, era como uma espécie de veneno não só para suas almas, mas também para seus corpos, e que era preciso realizar uma espécie de "desintoxicação" ou limpeza da mente, se desejassem realmente ficar curados. Explicou-lhes que tal processo de limpeza e desintoxicação consistia em substituir os pensamentos que nada ajudavam no tratamento e dificultavam uma eventual cura, por pensamentos saudáveis e favoráveis ao processo de recuperação que haviam iniciado. Explicou-lhes que o tratamento de cada um deles havia sido iniciado justamente no momento em que tinham decidido se tratar, cuidar melhor de si, e solicitado apoio e ajuda na busca pelo resultado. Ressaltou por mais de uma vez a importância desse passo que haviam dado. Comparou a própria floresta a uma espécie de "templo sagrado", um espaço "natural" de proteção à saúde, assegurando-lhes que os deuses e as divindades também compartilhavam daquele lugar, para seus momentos de descanso, lazer e repouso, e que em razão disso havia muita energia positiva e saudável, fluindo por todos os cantos e lados. Só era preciso, dizia-lhes, saber entrar em sintonia com o que ela chamava de "mãe natureza", bem como aprender a silenciar, dentro de si mesmo, para fazer o que ela, a natureza, fazia expontânea e "naturalmente":  purificar e purificar-se! Passo a passo ela ia ajudando-os a identificar pensamentos negativos e pessimistas -  "enfermos como o próprio corpo" -  convidando-os a substituí-los por outros que lhes parecessem saudáveis,  benéficos e favoráveis para com a cura que eles estavam buscando. Era isso, concluía, que ela chamava de "desintoxicação" ou purificação da mente. Asclépio, por sua vez, sabia muito bem que não era o médico, e sim a natureza quem de fato curava. "O médico apenas 'trata'", repetiu baixinho para si mesmo. Jamais porém havia se dado conta desse princípio com tanta clareza! Sem o saber, sua própria filha o estava ajudando a ressignificar um dos conceitos mais caros à medicina, enquanto lhe revelava estratégias de tratamento, de cuja existência ele jamais sequer havia imaginado.

Já era fim de tarde, e o sol começava a despedir-se. Hígia acenou para o fato, enquanto tecia uma curiosa comparação: o sol, dizia-lhes,  com sua luz ilumina tudo que toca. Precisamos de uma luz parecida, para identificar e distinguir com mais clareza, nossos pensamentos e nossas crenças, tanto aqueles que nos fazem bem como aqueles que nos podem fazer mal e intoxicar a nossa mente. Daqui a pouco seremos iluminados por outro tipo de luz: a luz da lua. Ela não é tão forte quanto a luz do sol, e traz consigo milhões de estrelas e astros, distribuídos firmamento afora. Impressionava o fato de que ela, Hígia, demonstrava conhecer coisas que a psicologia descobriria apenas milênios mais tarde: que há cantos do nosso psiquismo que só conseguem suportar uma luz bruxuleante, e que uma pessoa sob a luz fluorescente raramente é a mesma sob a luz de uma vela que queima na escuridão, como sabem muito bem os amantes, cujos jantares quase sempre ocorrem à luz de velas. Dizia-lhes: precisamos de uma luz como a da lua, e não mais como a do sol,  para iluminar com calma e serenidade tudo que faz morada em nosso coração. Estou falando agora dos nossos sentimentos e das nossas emoções. As pessoas parecem se preocupar muito, quando a doença ou a enfermidade atacam seus corpos, mas se esquecem de que somos corpo e alma, corpo e espírito, e que existem muitas doenças que afetam essa outra dimensão do nosso ser. Muitos não percebem o dano e o prejuízo que sentimentos feridos e emoções maltratadas podem inflingir não só à nossa alma, mas também ao nosso corpo, dizia-lhes; corpo e alma são espelhos que se refletem mutuamente. "Mens sana in corpore sano", diriam os sábios de séculos e séculos depois, expressando a mesma percepção. Não há melhor hora que sob a luz calma e serena da lua, para a gente se avistar com os sentimentos e emoções que abrigamos no nosso coração, continuou lhes falando Hígia. Essa é a parte do tratamento mais importante, mas é também a mais delicada, pois muitos hesitam e temem entrar em contato com essa espécie de "tesouro escondido", que trazem consigo. Mas - insistia elevando um pouco mais o tom de sua voz -  como podemos proteger e tratar bem do nosso corpo, se não fazemos o mesmo para com nossos sentimentos e nossas emoções? Asclépio acompanhava tudo em absoluto silêncio, como se fosse um discípulo ouvindo seu mestre. Imaginara já ter vivido muito, aprendido o suficiente, talvez até um pouco mais que o necessário, e de repente se via ali, sob a pele de um moribundo, aprendendo lições que nenhum outro mestre lhe havia ensinado. Sentiu certo orgulho por um momento; afinal, não era ele o pai daquela jovem que, mesmo tendo vivido muito menos, demonstrava uma sabedoria típica de um ancião experimentado, para não dizer, dos próprios deuses!?

Hígia acenou insistindo que acelerassem um pouco mais o passo. Tinha ainda algo importante a compartilhar com seus... Pensou dizer "seguidores", mas não estava certa de que essa era a palavra mais adequada; "devotos"? Sim, por que não? Em certo sentido poderiam ser assim chamados. Mas a ideia de comparar-se ao pai, que para muitos àquela altura era já tratado como uma espécie de deus, ou quando não, um "semideus", sugeriu-lhe  que não devia fazer uso nem desses e nem de quaisquer outros termos semelhantes. Estão sob meus cuidados, disse de si para si mesma, e isso é o que importa. Confiam em mim e esperam que eu dê o meu melhor em tudo que é de minha responsabilidade e estiver ao meu alcance. Se precisarão ou não da intervenção de meu pai, quem o poderá dizer!? Só poderemos sabê-lo mais tarde! Mas isso não faz muita diferença - concluiu - em ambos os casos, não posso e não quero decepcioná-los. A lua já ocupava seu lugar no firmamento, permitindo-se ser cortejada,  quando Hígia solicitou a todos, atenção especial, em razão da parte do tratamento que passaria a ter lugar a partir daquele momento. Explicou- lhes pacientemente o quanto "curar" sentimentos e emoções "doentes" ou "adoecidos" - usava a mesma palavra, com a qual se referia ao comprometimento do corpo - era importante para todo e qualquer tipo de tratamento. Insistia que certas emoções, quando gravemente "feridas" e comprometidas, poderiam levar o corpo à morte, a "querer deixar" de viver, e até a "se deixar" morrer; algo parecido com o que profissionais de muitas gerações posteriores chamariam de "depressão".

Depois de explicar-lhes tudo, ela os colocou sentados no lugar mais confortável que a floresta lhes podia oferecer, e convidou-os a "viajar" calmamente para dentro de si mesmos, a visitar o mais íntimo do íntimo de si próprios. Em seguida continuou orientando-os na  busca pela identificação de sentimentos e emoções que considerassem "doentes","ruins" e , "prejudiciais" ao tratamento que estavam empreendendo. Depois, curiosamente, sugeriu-lhes que primeiro "entrassem em contato" com cada um daqueles sentimentos, os encarassem de frente e "conversassem com eles" sem temor e sem medo, e só depois disso lhes dissessem que dali em diante precisariam ir se distanciando e se despedindo deles, porque estavam ficando doentes com sua presença, e queriam se aproximar de emoções e sentimentos novos, diferentes, que contribuíssem favoravelmente para seu tratamento e sua cura. Nesse ponto Hígia insistiu para que percebessem que essa parte do tratamento, nem ela e nem ninguém mais tinham como fazer por eles. Que ela só podia orientá-los, passo a passo, mas que cada um teria que ser o grande  responsável pelo seu próprio processo de mudança e de crescimento. Palavras de ouro? "Coragem e confiança"! Isso era o que ela lhes incutia, quando um ou outro parecia demonstrar desconforto, medo e insegurança, em fazer o que ela lhes pedia. Sua firme e delicada forma de intervenção incutia neles paz, segurança e conforto, expulsando para longe qualquer tipo de ansiedade ou preocupação. Hígia sabia, como poucos, transmitir-lhes aquilo que estava consciente de ser o que eles mais necessitavam, em razão da fraqueza e da vulnerabilidade em que se encontravam. Convidou-os a continuar caminhando, agora sem parar, e sempre em frente.

A noite chegara de vez, como se ela e Hígia tivessem combinado algo por antecipação. O lugar no qual haviam chegado era onde vivia e atendia Asclépio. Não tinha luxo algum, e sequer parecia convidativo à primeira vista. Mas quando Hígia os fez entrar, indicando o lugar onde deveriam -  um, dois, três ou mais - passar a noite, a fim de que no outro dia pudessem ser recebidos pelo pai, fazia com que aquela primeira percepção mudasse repentina e completamente. Nada de luxo, era bem verdade, mas o ambiente estava disposto de forma tão agradável, simples e confortável, que depois de entrar e ali se instalar ninguém parecia dali querer sair. Exceto, claro, para colocar-se à mesa, a convite de Hígia ou do próprio Asclépio, e saborear uma comida convidativa, antes de se preparar para repousar e descansar. Na verdade, mais para repousar, já que praticamente ninguém acusava cansaço, depois daquele dia tão agradável e diferente dos demais. Desde que começara a assessorar o pai Hígia havia providenciado algumas "pequenas mudanças", como ela mesma dizia, em quase tudo, naquele ambiente. Mudanças que a princípio provocariam em Asclépio reclamações e choraminganças, mas que depois acabariam sendo muito bem acolhidas. Só no dia seguinte Hígia ficaria sabendo da "esperteza" e da estratégia do pai, que finalmente decidira revelar a ela as razões de sua imersão junto aos doentes e moribundos, no dia anterior. Ficara também muito claro, para Asclépio, por quais razões o número de enfermos e doentes fora diminuído tanto, depois que a filha passara a assessorá-lo, e trabalhar com eles. Era um trabalho desempenhado com tanto amor e envolvimento, cuidado e dedicação, além de uma riqueza e completude de intervenções, que bom número de enfermos se consideravam curados antes mesmo de serem submetidos aos seus cuidados como medico. O que mais poderia ele desejar? Os deuses haviam não só o agraciado com uma filha digna de ser tratada como uma princesa - o que já não seria pouca coisa para o orgulho de um pai - como ido além, colocando ao seu lado uma companheira de ofício, tão especial e diferenciada, que jamais se ouvira falar que um outro médico tivesse sido contemplado com benção semelhante, e generosidade tamanha.

Em tempo: recuperar "Hígia" - "Salus", para os romanos - representa um desejo imenso de homenagear todos aqueles e aquelas que se dedicam, de corpo, alma e coração, a cuidar do ser humano no que ele tem de mais precioso e ao mesmo tempo de mais vulnerável: sua saúde "psico-física-emocional-espiritual. É também sem dúvida uma voz, entre outras que não são tantas, em prol de um reconhecimento mais justo, em todos os sentidos, para com esses profissionais, ciente, entretanto, de que uma "missão" dessa natureza não tem "preço". Mas não deixa de ser também um convite para que a "excelência" volte a ser perseguida onde ela eventualmente venha sendo negligenciada e até mesmo um tanto esquecida. Ninguém melhor que Hígia, para capitanear esse convite. No tempo, "Salus" nos é mais próxima; como arquétipo de referência, ambas provavelmente são únicas! Quando tudo parecer literalmente perdido, quando o último fio de esperança parecer tiver sido rompido, ainda assim, é preciso seguir em frente. "Alguém" do lado, e em certo sentido "do outro lado", pode estar aguardando pelo que parece "impossível"! Façamos portanto, nossa parte até o fim! Até quando!? Até que estejamos absolutamente convencidos de ter dado o melhor de nós! Sei que provavelmente você já se emocionou com muitos vídeos sobre os últimos acontecimentos na Turquia, Ucrânia e Síria. Mas por favor, não deixe de ver ou "rever" mais este, que lhe está sendo sugerido! Ele tem uma mensagem dirigida especialmente a você, e particularmente a cada um de nós!

(*) Reflexão enviada de Vitória(ES) por whatsapp.

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