quinta-feira, 23 de novembro de 2023

REFLEXÃO DOMINICAL II “O REI DOS REIS"

 

 

REFLEXÃO DOMINICAL  II

“O REI DOS REIS"

O filme era em preto e branco, e o cinema era o saudoso Club Atlético Votorantim, meus olhos brilhavam quando meu pai me dava uns trocados no domingo de páscoa, e me dizia “tome, vá assistir o “Rei dos reis”.    O Tarzan e o Zorro, ou o mocinho dos filmes de Cowboy, eram nossos heróis que sempre se saiam bem sobre os bandidos, a gente brincava depois, tentando reproduzir o que tínhamos visto na tela mágica do cinema, e todos queriam ser os heróis vencedores. Então, o Rei dos reis, na certa contava a história de um rei poderoso e vencedor, contudo, o final do filme acabara com o meu entusiasmo, o tal Rei dos Judeus – Jesus de Nazaré – sofrera uma derrota humilhante e vergonhosa, sendo torturado pelos seus algozes até na hora da morte, além do mais nascera pobre em um estábulo, trabalhara com o pai em uma carpintaria, andava a pé e não em fogosos cavalos com sua guarda pessoal como faziam os grandes reis, e o pior, andava com pessoas de baixo nível, ladrões, prostitutas, pecadores, coisa nada recomendável para um rei. E no meu pensar de menino, comparado aos heróis da tela, o filme fora uma decepção.

Não dava nem para brincar de “Rei dos reis” com a minha turma, pois, como cantava Raul Seixas, eu também morria de medo de ser pendurado numa cruz. Era um filme onde, contrariando os demais, a força do mal havia vencido! Todos os anos eu ia assistir, na esperança de que houvesse perdido uma parte do filme, quem sabe a fita não tinha arrebentado, como as vezes ocorria com outros filmes, ocasião em que a platéia soltava uma calorosa vaia, vai ver que faltava um pedaço do filme, e assim eu alimentava a esperança de que Jesus de Nazaré saira-se vitorioso diante dos seus torturadores e poderosos que o haviam condenado.

Minha mãe era muito fervorosa em suas orações e práticas religiosas, um belo dia expus-lhe minha dúvida, se Jesus era ou não um vencedor, e se ele realmente ressuscitara, após aquela morte horrível na cruz, onde afinal havia se enfiado, que ninguém o via. Minha mãe sorriu, disse-me que com o decorrer do tempo eu iria entender, desde que continuasse a ir à igreja, escutar a santa palavra e a receber a eucaristia. Achei que a minha mãe tinha algum segredo sobre Jesus, que não queria me contar.

Comecei a segui-la sem que ela soubesse, um domingo a tarde foi ao hospital Santo Antonio, visitar uma amiga internada, levou duas maçãs, e já no quarto, abraçou e a beijou, dizendo-lhe palavras de conforto e esperança,. Na outra semana pediu a meu pai para entregar ao soldado Ranieri, uma marmita cheia de comida e pedaços de frango, para ele levar para o Chiquinho, que estava preso por bebedeira, e que não tinha mais família. Em outro dia, acolheu em nossa casa, com a permissão do meu pai, um andante (eu morria de medo de andante) ele tinha uma barba grande e estava mau vestido, meu pai lhe cedeu uma calça e uma camisa limpa, um sapato usado para seus pés descalços, ele sentou-se na mesa e almoçou com muito apetite, igual os cachorros famintos que a gente alimentava na calçada.

E em minha última espionagem, notei que ela ficou quase uma semana ajudando a cuidar de uma criança enferma, que vivia com o avô, carregando a menininha pobrezinha uns três dias, prá cima e prá baixo, levando-a na farmácia e no Posto de Atendimento. Percorria as casas rezando o terço nos meses de maio e outubro, e preferia sempre as mais pobres, para alegria das pessoas simples, que saudavam Nossa Senhora das Graças, com muita festa. Meu coração se questionava cada vez mais, onde estava o Rei dos reis, triunfante? Qual a relação desse Reino do Bem, com aquelas atitudes de minha mãe?

Lembro-me que já andava nos meus 14 anos e falava em ir para o seminário, certa tarde o Vico, marido da Nhá Jandira caiu em frente a nossa casa, esfolando o rosto na calçada, sangrando muito, sendo que meu irmão o recolheu para dentro de casa e ela, limpando o ferimento fez um curativo, lavando o rosto ferido daquele homem, e foi quando então uma luz brilhou dentro de mim, assim que ela foi para a cozinha corri atrás “Descobri mãe, descobri onde está o Jesus vencedor do mal!”. Enxugando as mãos no velho avental, ela indagou-me para que falasse logo, pois ainda tinha de preparar a janta para nós. “Ele está escondido em todas essas pessoas que Senhora ajuda, eu andei espionando tudo o que a senhora fez.”

Minha mãe sorriu, e disse-me que era mesmo verdade, que um dia o Padre Antonio explicara para o povo, o que Mateus havia escrito em seu evangelho (nos anos 60 a gente não tinha acesso a Bíblia) que em todas as pessoas que sofriam alguma dor, física ou moral, Jesus estava presente e precisava ser tratado bem, com carinho, amor e ternura. E assim desvendei o mistério de Cristo Rei, o seu reino alicerçado no amor, na justiça, na igualdade entre as pessoas é eterno, e jamais as forças do mal irão prevalecer contra ele.

É este o único critério que o evangelho desse penúltimo domingo do ano litúrgico nos coloca, para entrarmos na comunhão plena com Deus na Vida Eterna, crer na vitória da cruz, no Cristo Ressuscitado, que quer ser amado nos pobres, enfermos, idoso, crianças, encarcerados, prostituídos, nos famintos, e nos que estão nus, porque já perdeu toda sua dignidade.    Há algo que nunca contei à minha mãe, e que guardei só para mim: É que na caminhada para o calvário, havia poucas pessoas que acreditavam em seu poder e realeza, Verônica, a que enxugou o seu rosto ferido, era uma delas, quando minha mãe limpou o rosto ferido daquele Homem alcoolizado, que caira em frente a nossa casa, eu me lembrei do filme, desvendando o grande mistério “tive sede e me destes de beber, tive fome e me destes de comer, estava nu e me vestistes, preso e enfermo, e fostes me visitar”.

 

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  
jotacruz3051@gmail.com

http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0350.htm#msg01

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