quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

SANTO AGOSTINHO E SUA TEOLOGIA

 

 

SANTO AGOSTINHO E SUA TEOLOGIA

XAVIER, Erico Tadeu [1]

Agostinho foi um dos últimos teólogos da era Patrística, tendo se destacado por seus ensinamentos e interpretações das Escrituras, que deixou registrado em diversas obras que influenciaram a teologia cristã ao longo da história. O objetivo desse trabalho é apresentar o pensamento agostiniano à luz de seus escritos extraindo dos mesmos algumas lições para os dias atuais. Em suas obras argumentou em favor do cristianismo deixando um legado importante para a teologia cristã. Embora nem todas as suas conclusões doutrinárias estejam em conformidade com as Escrituras seus estudos são considerados de grande valia para a teologia atual possibilitando boa compreensão da história cristã nos seus primórdios.

Por demonstrar grande influência em suas obras teológicas e exegéticas, Agostinho é considerado como o “Doutor da Graça”, a consciência da ortodoxia de seu tempo, tendo deixado uma herança teológica da era Patrística que influenciou toda a teologia posterior, até os dias atuais (HAMMAN, 1995).

A influência de Agostinho foi muito grande, não somente no que se refere à teoria do conhecimento, mas também em todo o campo da teologia e da filosofia. Foi principalmente por meio de Agostinho que a Idade Média conheceu a antiguidade cristã. Ele foi inovador no seu tempo. Poucos anos depois de sua morte houve quem atacou as suas doutrinas […]. E por fim, os medievais pensaram que Agostinho era o mais fiel expoente do cristianismo antigo. Hoje sabemos que a interpretação neoplatônica do cristianismo que ele propõe era uma inovação – uma inovação talvez para seu tempo, mas certamente não era o único modo como os cristãos haviam pensado sobre tais assuntos. […] é justo dizer que, com exceção do apóstolo Paulo, nenhum outro escritor cristão tenha sido tão lido e discutido mais do que Agostinho. (GONZÁLES, 2005, p. 31).

Alguns aspectos da teologia agostiniana são de particular interesse. Conforme expõe Elwell (1988), a teologia de Agostinho versava em torno de Deus, da criação, do pecado, do homem, de Cristo, da salvação e da ética. Segundo este autor, Agostinho cria que Deus possuía auto-existência, absoluta imutabilidade, singeleza, sendo triuno em uma única essência; é onipresente, onipotente, imaterial, eterno; não está dentro do tempo mas é o criador do tempo. Quanto à criação, esta não é eterna, surgiu do nada, e os dias de Gênesis podem ser longos períodos de tempo. Cada alma é gerada pelos pais. A Bíblia é divina, infalível, inerrante, tendo autoridade suprema sobre todos os demais escritos; não se contradiz. Qualquer erro advém das cópias, não dos manuscritos originais. Os livros apócrifos são também inspirados porque fazem parte da LXX, embora os judeus não os reconheçam.

O pecado se origina no livre arbítrio, um bem criado do qual deriva a capacidade de praticar o mal. Com a queda o homem perdeu a capacidade de praticar o bem sem a graça de Deus. O homem, criado por Deus sem pecado, deriva de Adão, o qual, tendo pecado, trouxe sobre a raça humana a herança do pecado. O homem é uma dualidade de corpo e alma, sendo a alma superior e melhor que o corpo.

Cristo é o Filho de Deus feito plenamente humano, porém sem pecado, mas também Deus, da mesma essência do Pai. Embora uma só pessoa, as duas naturezas (carnal e divina) estão distintas entre si, já que a natureza divina não se tornou humana na encarnação. A salvação é o eterno decreto de Deus. A predestinação é a presciência de Deus sobre a livre escolha feita pelo homem para os que são salvos e os que são perdidos. A salvação é operada pela morte de Cristo e recebida pela fé. As crianças são regeneradas pelo batismo à parte da fé.

A ética divina é representada pelo amor, que é a lei suprema. Todas as virtudes são definidas em termos de amor. A mentira sempre é errada e somente Deus é quem determina a dimensão dos pecados e dos mandamentos morais (ELWEL, 1998).

De modo geral, a teologia agostiniana buscou conhecer a Deus e a alma. Ele mesmo escreveu: “Desejo conhecer Deus e a alma. Nada mais? Nada mais” (CHAMPLIN, 1995, p. 78).

Na busca de conhecer mais profundamente a Deus, Agostinho esforçou-se por compreender e desvendar os mistérios da Santíssima Trindade. Em sua obra “Sobre a Trindade”, expõe muitas de suas reflexões, importantes para a compreensão de Deus como o Pai, o Filho e o Espírito Santo em uma unidade. Kelly (1994), explica que, durante toda a sua vida, Agostinho meditou nessa questão, indagando e defendendo-a, aceitando que Deus é, ao mesmo tempo, o Pai, Filho e Espírito Santo, porém distintos e coessenciais, embora um em substância.

Embora sua apresentação da ortodoxia trinitária seja totalmente bíblica, seu conceito de Deus como ser absoluto, simples e indivisível, que transcende as categorias, constitui o contexto onipresente de seu pensamento. […] A unidade da Trindade é, desse modo, estabelecida de maneira ostensiva em primeiro plano, excluindo-se rigorosamente todo tipo de subordinacionismo. Tudo o que se afirma a respeito de Deus é proclamado igualmente com relação a cada uma das três pessoas. […] “não só o Pai não é maior do que o Filho com respeito à divindade, mas também Pai e Filho juntos não são maiores do que o Espírito Santo, e nenhuma pessoa isolada dentre os três é menor do que a própria Trindade”. (KELLY, 1994, p. 205).

Nessa perspectiva, as três pessoas se distinguem dentro da Divindade por Suas relações mútuas. “Embora elas sejam idênticas no que diz respeito à substância divina, o Pai distingue-se como Pai porque Ele gera o Filho, e o Filho distingue-se como Filho porque é gerado. Da mesma maneira, o Espírito diferencia-se do Pai e do Filho na medida em que é ‘outorgado’ por Eles” (KELLY, 1994, p. 207).

O Pai, o Filho e o Espírito Santo são, cada um deles, Deus. E os três são um só Deus. Para si próprio, cada um deles é substância completa e, os três juntos, uma só substância. O Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo. O Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo. E o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho. Os três possuem a mesma eternidade, a mesma imutabilidade, a mesma majestade, o mesmo poder. (AQUINO, 2008, p. 23).

Agostinho apresentou a Trindade como sendo três pessoas distintas unidas em uma relação real e eterna, mas não conseguiu explicar muito bem a processão do Espírito ou em que ela diferia da geração do Filho, afirmando que “o Espírito Santo não é o Espírito de um dEles, mas de ambos”, ou seja, provém de uma relação inseparável. Assim declarou: “O Filho vem do Pai, o Espírito também vem do Pai. Mas o primeiro é gerado, o último procede. De sorte que o primeiro é Filho do Pai, de quem é gerado, mas o último é o Espírito de ambos, visto que procede de ambos […]” (KELLY, 1994, p. 208).

A contribuição agostiniana mais original à teologia trinitária, segundo Kelly (1994), foram as analogias baseadas na estrutura da alma humana. Para Agostinho, existem vestígios da Trindade em todas as criaturas, pois elas somente existem por participarem das ideias de Deus, refletindo, dessa forma, a Trindade criadora. Ao afirmar, nas Escrituras: “Façamos o homem à nossa imagem […]”, revela-se três elementos distintos e, ao mesmo tempo, intimamente ligados e unidos entre si. A análise da ideia do amor também expressa uma analogia trinitária que fascinou Agostinho durante toda a sua vida, rumo à compreensão da Trindade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Agostinho foi considerado um dos homens mais importantes da era Patrística, tendo influenciado a Igreja cristã, tanto católica como protestante, até os dias atuais. Suas obras filosóficas, teológicas e exegéticas influíram de forma decisiva no desenvolvimento cultural do mundo ocidental, sendo chamado de “doutor da Graça” pois, como expõe Aquino (2008, p. 16), “como ninguém soube compreender os seus efeitos”.

Sua inclusão entre os grandes teólogos da era Patrística se deve ao seu árduo trabalho em interpretar as Escrituras, argumentar em favor de Deus e promover o cristianismo. Contudo, embora tenha sido um grande conhecedor das Escrituras, muitas de suas conclusões sobre determinadas questões doutrinárias foram consideradas errôneas ao longo do tempo.

Apesar disso, seu exemplo e estudo pode ser considerado de grande valia para a teologia atual. Especialmente porque a teologia é produto de estudos zelosos e meticulosos que foram empreendidos por homens dedicados ao estudo da Palavra de Deus, ao longo da história, tendo na figura de Agostinho um representante digno da teologia cristã dos primeiros séculos, cujas obras serviram para enriquecer a história cristã e a doutrina ensinada pela Igreja no decorrer da era Patrística.

Conquanto tenhamos que analisar seus estudos à luz da Palavra de Deus buscando a verdadeira doutrina ensinada por Cristo, sem afastar-nos dos ensinamentos de Cristo, muitos dos ensinos agostinianos orientam para a salvação e a Graça, firmados na fé em Deus e em Sua Palavra. Assim sendo, a teologia de Agostinho possibilita ao estudioso da história cristã as bases para a compreensão de muitos aspectos que nortearam a igreja nos seus primórdios

REFERÊNCIAS

AQUINO, Felipe Rinaldo Queiroz de. Na escola dos santos doutores. 6. ed. Lorena: Cléofas, 2008.

GONZÁLES, Justo L. (ed.). Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. Trad. Reginaldo Gomes de Araújo. Santo André-SP: Academia Cristã Ltda, 2005.

HAMMAN, Adalbert-G. Para ler os padres da igreja. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 1995.

KELLY, John N. D. Patrística: origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1994.

[1] Pós-doutor em Teologia Sistemática pela FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte (2014). Doutor em Filosofia e Teologia pela SATS – South African Theological Seminary (2011). Doutor em Ciências da Religião pela AIU – Atlantic International University de Honolulu, Hawaii.

https://www.nucleodoconhecimento.com.br/teologia/agostinho-de-hipona

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