sábado, 8 de abril de 2023

EVANGELHO (Jo 20, 1-8) A RESSURREIÇÃO DO SENHOR

 

 

EVANGELHO (Jo 20, 1-8)

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR

INTRODUÇÃO: Dos quatro evangelhos canônicos que a tradição identifica com Marcos, Mateus, Lucas e João, somente este último autor foi testemunha ocular (19, 35) que escreveu afirmando a verdade de seu testemunho (21, 24). Isso indica que ele esteve lá como testemunha de vista. Mas também seu testemunho poderia ser como ouvinte indireto, pois logicamente não ouviu as palavras entre Jesus e Pedro. Daí sua autoridade e importância como ouvinte de uma tradição imediata, reconhecida. É precisamente o que aconteceu com Marcos e Mateus (Lc 1,2). Lucas se apresenta como o investigador e ordenador dos fatos narrados por testemunhas oculares e espalhados por ministros [oficiais] da Palavra (Lc 1, 20). Se Marcos, Mateus e Lucas não são as testemunhas oculares, como é o quarto evangelho, são sim testemunhas oficiais de uma tradição que pode ter muitas lacunas e até importantes deficiências como todo relato humano de segunda mão; mas temos a certeza de que os fatos não são inventados. A tradição é a testemunha principal destes três evangelhos que chamamos sinóticos. Disso deduzimos que as conclusões são importantíssimas porque são de testemunhas auriculares nos quais a primitiva Igreja acreditava; e eram fatos reais aqueles  em que essa fé estava fundamentada. Há dentro dessas narrações, interpretações que dependem do ambiente e das tradições do antigo Israel, que se fundam tanto na Torah [lei escrita] como na Mishná [lei falada]. Por isso escolhemos como linha essencial o evangelho de João, a única testemunha ocular e auricular dos fatos do Domingo da Ressurreição.

DIA: Todos os evangelistas estão de acordo em que era o primeiro dia seguinte ao sábado [te mia ton sabbaton] A tradução literal seria no uno [dia entendido] da semana. Na realidade mia significa uma [dia é feminino em grego] e está implícita a palavra  emera [dia], sendo possível a tradução primeira no lugar de uma; ou seja, o grego usa o numeral [um] pelo cardinal [primeiro].  Semana é a tradução de sabbaton dos sábados em plural. Não existe, pois, dificuldade em traduzir: no primeiro dia da semana.

HORA: De manhã, ainda estando às escuras, diz João. Marcos dirá muito cedo, quando o sol estava saído, o que parece uma contradição. Lucas fala de uma alvorada profunda que o latim traduz por ao primeiro romper do dia. Unicamente Mateus discorda e assim podemos ler: Depois do sábado, no alvorecer do primeiro [dia] do sábado. O advérbio Opsé significa depois, muito tempo após, tarde no dia, no fim. O latim da Vulgata serviu para confundir, traduzindo vespere autem sabbati: na tarde do sábado; porque véspera significa a tarde do dia. As vésperas são as orações que se recitam na tarde do dia, mas sempre ao redor das cinco da tarde. Porém hoje todas as traduções dizem: passado o sábado. Logo todos coincidem no dia. E na hora.

AS MULHERES: Marcos fala de Maria, a Madalena, Maria de Jacó e Salomé (16, 1). Mateus de Maria, a Madalena e a outra Maria (28, 1), expressão repetida de 27, 61. Sabemos que essa outra era a mãe de Tiago e de José (27, 56), os chamados irmãos de Jesus (Mt 13, 55). Para Lucas são muitas as mulheres; além da Madalena e Maria de Jacó, estava Joana e as demais mulheres com elas (24, 10). Evidentemente Lucas está se referindo às mulheres que acompanhavam Jesus com suas posses como diz em 8, 3: Joana, mulher de Cuza, o mordomo de Herodes, Susana e várias outras. Como vemos, eram ricas e nada diz das que eram parentes de Jesus como Maria de Jacó ou parentes dos discípulos como Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu que era ao mesmo tempo parente de Jesus. Já João fala unicamente de Maria, a Madalena, porque provavelmente seja a única que viu o Senhor ressuscitado (Jo 20, 117), embora as outras tenham visto os anjos (Lc 24, 23) e também porque ele afirma, no seu evangelho, que narra como testemunha os fatos que escreve. Só com a Madalena ele teve contato e por isso despreza, ou melhor, não pode contar fatos dos quais ele não foi testemunha. Assim podemos compaginar a singeleza da Madalena em João com a pluralidade e a riqueza dos detalhes dos outros evangelistas. O relato de João é, pois, muito pessoal e relativo, mas totalmente verídico.

A MADALENA: Ela está incluída em todas as listas e de modo especial recebe um trato particular neste dia de domingo de Ressurreição. Mas quem foi na realidade Maria Madalena? Os evangelhos falam de Maria, a Madalena [‘e Magdalene em grego]. Este apelido sempre sai acompanhando o nome da mulher. Se fosse esposa de Jesus, como afirma o Códice da Vinci, teriam dito Maria de Jesus assim como nomeiam a Maria, mulher de Cléofas (Jo 19, 25). Mas é simplesmente Maria, a Madalena (sic). Mt 27, 56;  e 28,1. Marcos 15, 40; 15, 47; 16, 1 e 16, 9; Lucas 8, 2 e 24, 10 e finalmente João 19, 25; 20, 1 e 20, 18. Em todos os versículos é Maria, a Madalena, exceto em Lc 8, 2 em que o evangelista explica Maria a chamada Madalena. Pelo seu nome podemos dizer que não era casada, nem tinha parentes próximos vivos, como filhos, tal como Maria de Cléopas ou Maria mãe de Tiago e José. O seu sobrenome não era patronímico, nem familiar, mas geográfico, o que indica ser uma mulher solteira ou viúva sem filhos. Magdala [também de nome Magadã] situava-se no lugar que hoje ocupa Tariqueia, a cinco quilômetros ao norte de Tiberíades, a cidade capital de Herodes Antipas. O nome primitivo talvez fosse Migdal-El [= torre de Deus]. A palavra Tariqueia é de origem grega e significa pesca salgada. Contava com uma frota de 230 barcas e uma população de 40 mil habitantes; mas parece exagerada e teremos que deduzí-la a 4 mil. Era a cidade mais importante do lago, incluindo Tiberíades. Esta foi fundada por Herodes Antipas nos anos 18 a 22 e chegou a ser a capital da Galileia, substituindo a Séforis. Tinha foro, estádio,  um palácio real, templo pagão e sinagogas. Flávio Josefo a rendeu a Vespasiano. Após a guerra e queda de Jerusalém o sinédrio residiu nela e a escola rabínica que compilou o Talmud Jerosolimitano no século IV e os massoretas, que no século VIII, vocalizaram o texto das escrituras com pontos vocálicos chamados tiberienses. Uma exegese moderna liga Magdalena com uma palavra hebraica que significaria perfumista. Porém no pequeno dicionário de Sprong mais do que perfume a palavra meged e seu derivado migdanah significa coisa preciosa como uma gema ou um presente muito caro. Segundo o Talmud [o livro mais importante do judaísmo pos-bíblico, intérprete tradicional da Torah que compreende a Mishná e a Guemará], Magdalena significa cabelo crespo de mulher, embora na sua rivalidade com o cristianismo diz dela que era adúltera. Não são, pois, os evangelhos, mas o Talmud que denegriu a Madalena..De todos os relatos deduzimos: Maria Madalena era uma mulher da qual Jesus tinha expulsado sete demônios que em termos modernos diríamos uma doença mental grave como uma loucura ou esquizofrenia. Ela acompanhava Jesus, junto com outras mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e também Joana mulher de Cuza, mordomo de Herodes [Antipas] e Susana e outras muitas, as quais o serviam com suas posses (Lc 8, 2-3). Joana era uma mulher de mais de 50 anos e todas as mulheres que acompanhavam Jesus tinham essa idade. Um exemplo é a própria mãe de Jesus, com Maria mãe de Tiago e José, e com Salomé, a mãe dos filhos de Zebedeu que estavam com a Madalena ao pé da cruz, como diz Mateus (27, 56). A Madalena era amiga de Maria, a mãe de Tiago e José, e  é de supor da mesma idade, ou seja, conforme diz Paulo em 1 Tm 5, 9  das mulheres inscritas no grupo das viúvas com não menos de sessenta anos Era Maria Madalena uma pecadora ou a pecadora de Lc 7, 36-50? É difícil admiti-lo, pois, após narrar o caso da pecadora em casa de Simão, no seguinte capítulo, Lucas (8,2) fala de Maria Madalena sem indicar que se trata da mesma pessoa. Ser ou estar possessa não é o mesmo que ser pecadora. E como alguns intérpretes afirmam, a palavra pecadora em Lucas significa mulher pagã ou mulher judia, casada com um pagão, muito mais do que mulher pública. Tampouco se pode identificá-la com Maria de Betânia, pois o evangelho de João distingue perfeitamente ambas as pessoas. A nossa Maria tem o nome de a Madalena do lugar da Galileia, ou a perfumista caso se admita o apelido; mas a Galileia  está no norte e Betânia é uma vila da Judeia, no Sul. Por outra parte Maria, a de Betânia, é chamada de irmã de Lázaro ou irmã de Marta. Poderíamos confundir a pecadora de Lucas 7, 36-50 com Maria de Betânia, porque ambas ungem os pés de Jesus com perfume e  secam com seus cabelos. Parece que era um costume aceito na época. A mulher, no caso da pecadora na casa de Simão, teve lugar na Galileia e os convivas eram fariseus. O próprio Simão a considera como pecadora [pagã] e desconhecida de Jesus. Isso seria impossível para Maria de Betânia que é rodeada de amigos, que entram na casa onde estava sentada e a acompanham na dor. Pelo contrário, Maria fez a unção na Judeia em casa do Simão, o leproso, em Betânia com os discípulos como convivas e o aparente desperdício do rico nardo poucos dias antes da morte de Jesus. E Jesus não só a conhecia bem como era amigo de todos os seus familiares. Este fato da unção em Betânia, narrado por Mateus e Marcos, sem indicar o nome da mulher, tem alguns detalhes diferentes do descrito por  João, como o de que o perfume foi derramado na cabeça de Jesus. Lucas fala de uma pecadora em casa de Simão e coincide com João em notar que ela ungiu os pés do Mestre. Ao máximo poderíamos deduzir que Maria de Betânia, a de João, era  a pecadora de Lucas. Porém isto está fora de cogitação porque o mesmo Lucas fala de Maria de Betânia em 10, 39-42 sem falar da identidade das duas. E a pecadora de Lucas era uma desconhecida de Jesus, enquanto a Maria de Betânia era íntima amiga dele e dos discípulos. O próprio João distingue em seu relato entre Maria [a de Betânia] a quem chama simplesmente Maria em 20, 11 e 20, 16, e Maria a Madalena em 19, 25; 20, 1 e 20, 18. Nota: A pecadora da casa de Simão se fosse pagã, explicaria melhor o escândalo do fariseu porque o Talmud impedia todo contato com mulheres pagãs por ser causa de impureza. Os textos evangélicos nunca identificam Maria Madalena com a pecadora ou com Maria de Betânia. A Igreja grega celebra três festas diferentes, uma para cada mulher. A Igreja latina antes de S. Agostinho (+430) falava de três mulheres a exceção de uma única passagem. Foi S. Gregório Magno (590-604) que de fato identificou as três mulheres. A identificação foi muito posterior ao concílio de Niceia (325). Não houve, pois, na Igreja primitiva intenção alguma de sujar a imagem de Maria Madalena, como afirma também o Códice da Vinci. Era uma mulher que, agradecida, seguia Jesus e com suas posses ajudava o colégio apostólico. Nada mais nem nada menos podemos afirmar. A Koinonia com Jesus: De um trecho do evangelhoapócrifo de Filipe o logion [dito] 32: três eram as que caminhavam continuamente com o Senhor: sua mãe Maria, a irmã desta e Madalena a quem se designa como companheira [koinonós]. Maria é, com efeito, sua irmã, sua mãe e sua companheira. Que devemos dizer disto? Em primeiro lugar o texto é um papiro cópia do século IV, e o original é do fim do século II ou início do século III, bastante tardio. Segundo, a palavra koinonós tem o significado original de sócio, participante  com outro de alguma coisa, não de mulher para a que se usa a palavra gyné. Koinonós só sai duas vezes nos evangelhos: uma com o significado de cúmplices, [os fariseus não queriam ser cúmplices dos que mataram os antigos profetas] (Mt 23, 20). A outra em Lc 5, 10 em que fala dos filhos de Zebedeu como sócios dos irmãos Pedro e André. Um exemplo da palavra gyné: Quem repudiar sua mulher [gyné], dirá Lucas o mais grego de todos os evangelistas em 16, 18. Evidentemente o evangelho gnóstico não identifica a Madalena com a mulher, esposa de Jesus. E pelo que diz respeito ao beijo na boca [número 55] não era um beijo carnal ou sensual, mas um beijo gnóstico pelo qual são fecundados os perfeitos e que estava em uso entre os gnósticos valentinianos, que por meio do beijo recebiam e transmitiam a semente pneumática. Com isso está declarada esta questão.

QUE VIRAM AS MULHERES? Todas elas viram o sepulcro aberto ou se preferirmos a pedra removida (Mc 16, 4; Mt 28, 2; Lc 24, 2 e Jo 20, 1). Sobre a pedra da entrada do sepulcro há uma unanimidade: ela era grande e era uma roda que se rolava para tampar a boca do mesmo. Sobre esta pedra, há duas maneiras de interpretar sua remoção: estava rolada de novo como parece indicar Mc 16, 4, Mt 28, 2 e Lc 24, 1;[ pois todos usam o termo kylio grego] rolar e, no caso, apokylio. Distinguem entre pros- kylio rolar em direção a; e apo-kylio rolar a parte ou para fora. Porém João, o único que viu o sepulcro, usa o verbo airo [levantar] como se a pedra tivesse sido violentamente arrancada, o qual é traduzido por revolvida [port] removida [esp] ribaltata, virada [ital] e taken away, arrancada [ingl]. Evidentemente assim se explica melhor a passagem de Mateus que diz: O anjo do Senhor descendo do céu girou a pedra e sentou-se sobre ela (Mt 28, 2). Caso rolasse a pedra até o lugar primitivo dentro da cavidade da rocha seria impossível se assentar sobre ela, mas se a pedra fosse lançada fora como numa explosão desde o interior, ela ficava deitada, diante da boca do sepulcro e facilmente serviria de assento. Optamos por esta opção que o quarto evangelista nos oferece.

O RECADO: A coisa estava feia para as mulheres. Ao ver o sepulcro aberto elas se perguntam: Quem ou como poderia ter rolado a pedra que era pesada e um problema para as forças de uma só pessoa?  A Madalena voltou imediatamente para avisar os apóstolos de que alguma coisa terrível tinha acontecido com o corpo do Senhor. Que ela estava acompanhada no momento da visão da pedra removida podemos deduzir de suas palavras aos dois apóstolos: Tiraram do sepulcro o corpo do Senhor e não conhecemos onde  o colocaram. O plural indica que ela fala em nome de todas, sem ser este o caso de um plural majestático. O sepulcro não estava muito longe dos muros e ao máximo seria um ou dois quilômetros de distância entre o sepulcro e o lugar onde estavam os dois apóstolos. Uma outra observação: a volta da Madalena seria a mais rápida possível, daí que ela não estivesse presente à aparição dos anjos às outras mulheres. Marcos (16, 5) dirá que entraram no monumento e viram um adolescente sentado à direita [às direitas em grego]. Mateus confusamente une a aparição do anjo aos soldados com a visão do mesmo pelas mulheres. Do relato de Mateus (28, 1-7) parece que as mulheres nem entraram no sepulcro [foram vê-lo], mas estavam perto do mesmo quase junto aos guardas que no momento ficaram desacordados como mortos; e então as mulheres ouviram o anúncio: Não está aqui… Ressuscitou. É um relato tão diferente que não parece provável ser historicamente certo, mas produto de uma apologética, cuja tradição Mateus redige em seu evangelho. Lucas (24, 3-4) afirma que entraram no monumento e não encontraram o corpo do Senhor. Durante um tempo elas ficaram sem saber o que pensar. Foi então que dois anjos se colocaram junto delas em roupas fulgurantes. Lucas, pois, admite um tempo entre a entrada no sepulcro, o encontro do corpo desaparecido e a aparição dos anjos. Foi o tempo suficiente para que a Madalena voltasse pedindo ajuda aos apóstolos.

A VISÃO DE PEDRO E JOÃO: Os detalhes apontam a testemunha ocular presente aos fatos. Unicamente João fala do encontro dos panos mortuários. Totalmente crível, pois; máxime que não narra fato sobrenatural algum que, em últimas instâncias, poderia ser produto de fantasias. Tentaremos traduzir da melhor maneira possível o relato de João.  João ou o discípulo preferido por Jesus, chegou e se inclinou e sem entrar viu os panos deitados. Mas o mais importantes é o que João declara mais adiante, como testemunha ocular. Pedro entra e então João tem uma visão mais detalhada do que tinha acontecido. Os versículos 6 e 7 têm sido traduzidos de formas diferentes. (6) Pedro entrou dentro do monumento [sepulcro] e vê os othonia [panos de linho] keimena [postos ordenadamente]. Vamos explicar detalhadamente o significado das palavras e depois traduzir livre, mas corretamente a frase. Entrou em aoristo. Vê em presente, indicando um presente histórico que realça a veracidade do testemunho pessoal. O sepulcro recebe o nome de mneméion, ou seja, monumento funerário, que podemos traduzir por mausoléu, ou tumba sepulcral monumental.  Uma outra palavra é othonia que o latim traduz por linteamina [roupa de linho]. No singular pode significar qualquer pano de linho desde uma vela de barco, um vestido e até panos mortuários. A lã era considerada imprópria para vestimentas puras como eram as dos sacerdotes e logicamente também para cobrir os cadáveres, impedindo que objetos de procedência animal poluíssem os mortos por contato direto. A palavra está, pois, em perfeita consonância com a relíquia que conhecemos como Santo Sudário de Turim. Mas a palavra que tem dado lugar a maior número de polêmicas é Keimena. É o particípio de presente da voz média do verbo Keimai que podemos traduzir por estando deitados. Podemos encontrar dois significados diferentes desta palavra no texto grego dos evangelhos: 1) Tratando-se de coisas inanimadas keimenon [singular] significa colocados, ordenados, postos aí, como traduz propriamente a vulgata: posita [posto, situado, colocado com certa ordem sem estar tirado]. Assim em Jo 2, 6: estavam keimenai as talhas de pedra das bodas de Caná. 2) Com respeito a pessoas, significa a postura jacente, deitado, em oposição a de pé ou sentado. Um exemplo é Lc 2, 12 quando o anjo anuncia aos pastores que veriam o menino deitado na manjedoura. Assim Mateus 28, 6 o anjo anuncia às mulheres: Vede o lugar onde jazia. CONCLUSÃO: No caso, pois, optaremos pelo significado dispostos em ordem. Não creio que possamos traduzir por desinflados, aplanados como disse meu antigo e queridíssimo professor de grego, hebraico e bíblia, o Pe. Balaguer (qepd). Alude o professor a que uma cidade conquistada é também keimene, ou seja, arrasada, as muralhas tendo desabado. Porém os que estudamos são textos evangélicos. E existe uma outra forma de ver as cidades keimenai, como cidades mortas, como um morto jaz inerte, sem vida, sem pensar em muralhas desmoronadas. E os dois exemplos evangélicos podem ser perfeitamente traduzidos como ordenadamente postos.  Assim será nossa tradução: vê os panos mortuários depositados ordenadamente.

O SUDÁRIO: Vejamos o significado de soudarion grego. Geralmente era o lenço próprio para tirar o suor do corpo. Era o lenço de grande tamanho que cobria o rosto dos mortos. Ele estava sobre sua cabeça (7). Isto indica que cobria rosto e nuca como se fosse um capuz, que aliás era veste mandatária dos condenados à morte como diz Cícero: I lictor, colliga manus, caput obnubito, arbore infelice suspendito. Vai, lictor, ata as mãos, tampa a cabeça, pendura-o da árvore infeliz. Parece que os mortos de morte natural tinham um sudário que era atado ao redor do rosto [opsis autou soudario periededeto, traduzido ao latim por fácies illius erat ligata], como eram ligados os pés e também as mãos, porém  com faixas [keiriais grego]. Encontramos no mesmo evangelista duas descrições diferentes de cadáveres: Lázaro, e Jesus. Um deles de morte natural, em que um sudário foi usado para cobrir o rosto e atado ou redor do mesmo. No outro um sudário também foi colocado sobre a cabeça; cremos que poderia ser o capuz. O corpo de Jesus foi envolto num lençol, segundo Lucas 23, 53  e mais explicitamente João dirá que eram panos de linho [othonia], os mesmos que ele encontrou dispostos em ordem. Temos uma prova de como os corpos eram sepultados ao vermos no dia de hoje os enterros dos mortos no Oriente: Envoltos num lençol e com três ataduras. Uma no pescoço, outra nas mãos e a terceira nos pés. Dentro desse sarcófago (?) de linho teremos o rosto coberto de um lenço que foi o que João viu ou meta ton othonion  keimenon, allá khoris entetyligmenon eis ena topon. A tradução latina é:non cum linteamínibus pósitum, sed separátim involútum in unum locum. A tradução latina, como sempre, é literal e precisa. De ambas as frases deduzimos: o sudário, que estava [anteriormente] cobrindo a cabeça, não estava posto junto aos lençóis, mas fora [dos mesmos], enrolado [do latim podemos traduzir tirado] a um único lugar [numa posição única]. É esquisito que o eis ena topon seja um acusativo de movimento, que dificilmente pode ser traduzido como estando [verbo estático] em um [outro] lugar, mas deveríamos traduzir como jogado [tomado do latim] para um lugar diferente. Esta é a única maneira de entender o texto que é traduzido de tantas maneiras. Como interpretá-lo? Não posso assegurar nada como certo. Porém dado o assombro de Pedro e a decisão de João de acreditar na ressurreição, podemos dizer que naquele sepulcro havia dados suficientes para evitar o roubo e pensar numa coisa sem explicação natural. Isso não tanto pelo modo como estavam os panos, mas pelo jeito como eles viram o sudário. Se o corpo não estava dentro, é lógico que a mortalha estivesse aplainada como vazia. Mas se o sudário não estava dentro  da mortalha e era visto como jogado fora da mesma em lugar visível, isso quer dizer que saiu de dentro das ataduras exatamente como o corpo, de modo incrível. Vamos explicá-lo com um exemplo: imaginemos que enterramos um familiar. Na preparação do morto, ao vesti-lo, colocamos uma gravata no defunto. Logo, dentro do caixão, fechado com pregos, o enterramos. Dois dias após, nessa tumba comum, vamos enterrar uma outra pessoa. Ao abrir a tampa do sepulcro vemos que a gravata que estava no pescoço do defunto está fora do caixão, sendo que este está fechado com pregos como no tempo em que o enterramos e ao abri-lo nos deparamos que o corpo não está lá. Que pensaríamos? Pois de modo semelhante encontrou João o corpo que ele tinha ajudado a amortalhar e no lugar da gravata o que estava fora da mortalha [fora do caixão para nosso caso] era o sudário. Por isso, Pedro voltou para casa, muito surpreso com o que acontecera (Lc 24, 12). João, conforme seu propósito,  nada diz sobre os sentimentos de Pedro, mas escreve sobre o que ele viu e acreditou. Porém deixa entender que Pedro estava confuso ao terminar o relato aclarando: Ainda não tinham compreendido que, conforme as escrituras, ele deveria ressuscitar dos mortos (9).  Que delicadeza para com seu amigo e companheiro!

PISTAS:

1) Nos relatos da ressurreição vemos a descrição de um verdadeiro milagre. Em todo fato sobrenatural existem dois fatores independentes: Um deles é o fato humano, que todos podem ver e do qual podem ser testemunhas. No caso, a pedra rolada ou bruscamente jogada fora [o sepulcro aberto],  a ausência do cadáver que a Madalena atribui a roubo: pegaram o corpo do Senhor e não sabemos onde o levaram (2). A disposição da mortalha que mesmo aceitando traduções menos comprometidas, indicava alguma coisa de anormal. E está aí o outro fator que é a causa de um fato sem explicação humana nem científica: Como pode acontecer? E é precisamente nesta inexplicável causa que encontramos um poder transcendente, se finalmente cremos, ou um mistério, que pensamos é produto do acaso ou de uma causa que deixamos para o futuro poder descobrir, se o agnosticismo domina nosso pensamento.

2) A fé: Foi necessário o encontro pessoal para que os discípulos cressem em Jesus ressuscitado, com a exceção de João. O sepulcro aberto e a disposição dos panos mortuários foram suficientes para que, desses indícios, João acreditasse. Daí sua informação que parece sem importância, mas que foi para ele o início de uma vida nova e da qual nós podemos aprender uma lição extraordinária. Nós também temos unicamente indícios sem que exista o encontro pessoal com Jesus. Porém deve existir uma vontade de crer para que esses indícios não sejam um desperdício. É essa vontade que precede a fé e que será motivo de nossa justificação como Paulo afirma (Rm 4, 3)

3) Os evangelhos recolhem informações, indícios e testemunhas que apontam à transcendência de Jesus e a transcendência de nossas vidas, dependentes de Jesus. Todas as demais religiões se apoiam em valores humanos ou humanizados da divindade. Não existe um homem-Deus. A nossa, em valores divinos que são humanos em Cristo, especialmente na sua ressurreição que não é unicamente a de Jesus, mas também nossa, como afirma Paulo. E sem esta fé na ressurreição é vã a nossa fé (1 Cor 15, 17) e sem essa esperança somos os mais dignos de compaixão de todos os homens (idem 15, 19).

4) Diante do encontro pessoal de Cristo com seus apóstolos, o sepulcro vazio, os lençóis e sua disposição passam a ser secundários. Eles passaram do Jesus de Nazaré ao Cristo Senhor pela visão que tiveram de sua pessoa ressuscitada. Por isso que nos outros três evangelhos as aparições são tão importantes e  que os detalhes do sepulcro se tornam vagos e imprecisos. Somente João os descreve minuciosamente porque foi neles que ele encontrou a sua fé. Foi o único que acreditou sem ter visto o Senhor [o ressuscitado]. E neste sentido, João é o discípulo que melhor se assemelha a nós, porque, sem ter visto, acreditamos por indícios e informações de testemunhas oculares. Por isso somos bem-aventurados (Jo 20, 29).

http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0334.htm#msg02

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