sexta-feira, 12 de maio de 2023

O Espírito Santo na Liturgia(I)

 

 

O Espírito Santo na Liturgia(I)

Por Pe. Gregório Lutz, cssp

 

Ao abordar um assunto que deve ser aprofundado, normalmente convém, num primeiro momento, esclarecer os conceitos que ocorrem no título ou tema. Em nosso caso, deveríamos explicar o sentido dos termos “Espírito Santo” e “liturgia”, para depois poder refletir sobre o Espírito Santo na liturgia. No entanto, já que a presente reflexão será apresentada dentro de um conjunto de artigos sobre o Espírito Santo, certamente pode ser dispensado tal esclarecimento sobre o Espírito Santo. A liturgia, por sua vez, não pode ser entendida fazendo abstração do Espírito Santo. Particularmente numa análise da origem da liturgia isso fica evidente. Por isso contemplaremos logo o nascimento da liturgia cristã e como ela foi vivida na Igreja apostólica. Sem analisar detalhadamente a história da liturgia sob o aspecto pneumatológico, deter-nos-emos mais no Concílio Vaticano II, por significar uma volta às fontes, sobretudo bíblicas, da liturgia. Numa segunda parte deste trabalho, descobriremos a presença e ação do Espírito Santo na liturgia de hoje, analisando dimensões e elementos gerais e as diversas celebrações, também o ano litúrgico, a piedade popular e, finalmente, a inculturação. Ficará evidente nesta caminhada que a liturgia é um permanente pentecostes.

 

I. O ESPÍRITO SANTO NA LITURGIA, CONFORME A BÍBLIA E A HISTÓRIA

 

1. O Espírito Santo na origem da Igreja e da liturgia

O Concílio Vaticano II descreve a liturgia como um momento da história da salvação. Depois de ter salientado o ponto culminante desta história, quer dizer, a paixão, ressurreição e ascensão do Senhor, o mistério pelo qual Cristo, morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando, recuperou a nossa vida, o Concílio constata: “Do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja” (SC 5). A seguir, o Concílio diz que, portanto, o mistério pascal não deve ser apenas anunciado, mas, para levar a efeito este anúncio, ele deve também ser celebrado na liturgia (cf. SC 6).

Vê-se aqui com evidência a origem da Igreja e da liturgia na morte de Jesus, como esta é descrita no evangelho de são João. A Igreja nasceu do lado aberto de Jesus, jorrando sangue e água (cf. Jo 19,33s). Na iconografia esta cena frequentemente é representada da seguinte maneira: do lado aberto do Senhor jorram o sangue e a água para dentro de um cálice, segurado por uma mulher que está sozinha debaixo da cruz. Esta mulher não é simplesmente Maria, a mãe de Jesus, mas a representação da Igreja. O cálice lembra — assim como o sangue — particularmente a eucaristia. No entanto, jorrou também água, e esta lembra especificamente o batismo. O batismo e a eucaristia eram, na época apostólica, sem dúvida, os momentos mais intensos da vida da Igreja, do mesmo modo como eles são hoje para nós os sacramentos principais. Assim se vê, portanto, a origem dos sacramentos e da liturgia junto com a origem da Igreja, e o nascimento da Igreja com a origem da liturgia.

O simbolismo do rio que jorra do lado aberto de Jesus, todavia, não se esgota aí. Conforme são João relata no seu evangelho (7,37-39), Jesus tinha prometido rios de água viva, nos quais o evangelista vê o dom do Espírito Santo que só podia ser dado quando Jesus tivesse sido glorificado. Vejamos o que afirma o texto do quarto evangelho: “No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz: ‘Se alguém tem sede, que venha a mim, e beba quem crê em mim!’ — conforme a palavra da Escritura: Do seu jeito jorrarão rios de água viva. Ele falava do Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não havia ainda Espírito, porque Jesus não fora ainda glorificado” (Jo 7,37-39). Lembremos que, conforme a mais antiga tradição de interpretação, “seu seio” é o seio de Jesus. A glorificação de Jesus aconteceu para são João na cruz, pois, aludindo a sua ascensão, Jesus diz, na conversa noturna com Nicodemos, que o Filho do Homem deve ser levantado, como Moisés levantou a serpente no deserto (cf. Jo 3,13s). Ora, sendo exaltado na cruz, jorraram do lado de Jesus rios de água viva, que simbolizam o Espírito Santo. Nesse contexto da doação do Espírito Santo na hora da exaltação na cruz podemos também entender as palavras com as quais são João descreve a morte de Jesus: “… e entregou o espírito” (Jo 19,30). Já que quase sempre nas afirmações do quarto evangelista devemos contar com um segundo sentido profundo, além do primeiro óbvio, certamente não se pode excluir que são João, com essas palavras, tenha querido dizer também que Jesus deu o Espírito prometido, além de ter entregue sua vida nas mãos do Pai.

O evangelho de são João não conhece pentecostes como dia da vinda do Espírito Santo e do nascimento da Igreja. Para ele também o último ato da páscoa de Jesus, da sua passagem deste mundo para o Pai, que é a doação do Espírito Santo, coincide com a páscoa da morte e ressurreição. No entanto, no evangelho de são João não falta totalmente um desdobramento da páscoa, da sua paixão e glorificação e da doação do Espírito Santo. Pois, no dia da ressurreição, Jesus aparece vivo no meio dos apóstolos e lhes diz: “’Como o Pai me enviou, também eu vos envio’. Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos’” (Jo 20,21-23). As palavras “como o Pai me enviou” dizem claramente que a missão de Jesus continua naquela dos apóstolos, isto é, da Igreja. Mas, para que essa missão seja possível, Jesus dá o Espírito Santo. E logo ele diz também em que consiste essa missão: em perdoar ou reter os pecados. Essas palavras geralmente foram entendidas como sendo do sacramento da penitência. Mas o perdão dos pecados não se restringe a esse sacramento. O primeiro sacramento do perdão é o batismo, e na eucaristia nos é oferecido o sangue de Jesus derramado pela remissão dos pecados. Também à unção dos enfermos atribuímos em certos casos o perdão dos pecados que não foram perdoados anteriormente. Podemos ver resumida nestas palavras de Jesus sobre o perdão toda a missão da Igreja, em continuidade com a missão de Jesus mesmo, que ele formulou conforme o evangelho de são Marcos nestes termos: “Cumpriu-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1,15). Em todo o caso, também no dia da sua ressurreição Jesus expressou, pelas suas palavras e pelo seu sopro sobre os apóstolos, querer que sua missão no mundo continuasse na Igreja e particularmente na celebração do perdão dos pecados, pela presença e ação do Espírito Santo.

São Lucas descreve, no seu evangelho e nos Atos dos Apóstolos, a origem da Igreja e da liturgia de outra maneira. Mas também para ele é o Senhor exaltado que envia do Pai o Espírito Santo e faz assim nascer a Igreja com sua atividade central, que é a liturgia. Que haja conforme são Lucas um espaço de tempo de 40 dias entre a ressurreição e a ascensão de Jesus e que dez dias mais tarde venha o Espírito Santo, é secundário em relação à origem da Igreja e da liturgia pela vinda do Espírito Santo. Significativo é que eles “estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2,1), certamente rezando, como logo depois da ascensão do Senhor, quando “unânimes perseveraram na oração” (At 1,14), quando veio o Espírito prometido. E a pregação de são Pedro, logo depois da descida do Espírito, não é como uma liturgia da Palavra que introduz a liturgia sacramental do batismo dos três mil no dia de pentecostes? São Pedro já tinha explicado de antemão que a última finalidade da conversão e do batismo fosse o dom do Espírito Santo aos que iam ser batizados (cf. At 10,37s). Logo no nascimento da Igreja os apóstolos exerceram a missão, que era também a de Jesus, na força do Espírito recebido.

O pentecostes de Jerusalém, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, repetiu-se. Houve nascimento da Igreja não apenas na morte de Jesus e no dia de pentecostes, mas também determinadas Igrejas particulares tiveram sua origem pela vinda do Espírito de Deus, conforme nos relatam os Atos dos Apóstolos. Foi o que ocorreu na Samaria, onde os discípulos recém-batizados por Filipe receberam — pela imposição das mãos dos apóstolos são Pedro e são João — o Espírito de Deus e assim uniram-se à Igreja de Jerusalém (cf. At 8,14-17). Na casa do centurião romano Cornélio de Cesareia, onde Pedro batizou os primeiros gentios, veio sobre eles o Espírito Santo (cf. At 10). Igualmente em Éfeso, onde Paulo batizou, em nome de Jesus, os discípulos de João Batista (Ef 19,1-6). Em todos esses casos, foi celebrando que as Igrejas nasceram.

De fato, podemos fazer nossa a afirmação de tantos padres da Igreja antiga, e que sempre de novo se repetiu: como o Filho de Deus assumiu um corpo humano pela descida do Espírito Santo sobre a virgem Maria, assim nasceu seu corpo místico pela descida do mesmo Espírito, completando-se desta maneira a páscoa do Senhor no nascimento da Igreja com a sua liturgia. Nesse contexto podemos logo lembrar que o mesmo Espírito desce sobre o pão e o vinho que apresentamos na eucaristia, e dá assim origem ao corpo eucarístico de Cristo. Podemos, com toda a razão, dizer que o Espírito Santo é a alma da Igreja, que especialmente na liturgia se manifesta e realiza como corpo de Cristo com seus muitos membros.

 

2. O Espírito Santo na liturgia da Igreja apostólica

Melhor e mais detalhado do que qualquer outro escrito do Novo Testamento, são Paulo nos mostra nos capítulos 11 a 14 da 1ª carta aos Coríntios como na Igreja apostólica se celebrou a liturgia. Notemos que ele desenvolve sua teologia do corpo de Cristo e dos dons ou carismas do Espírito Santo dentro deste contexto litúrgico. Lembremos também que o apóstolo usa o termo “ekklesia” tanto quanto fala da Igreja como unidade dos cristãos ou corpo de Cristo, quanto das assembleias dos cristãos de Corinto (por exemplo: 1Cor 11,18.22; 12,28; 14,4.5.19.23.28.33-35). Deve ser claro também que são Paulo, sobretudo nos capítulos 12 e 14 desta carta pensa pelo menos em primeiro lugar, quando ele fala de ministérios, naqueles que nós chamaríamos litúrgicos.

Ora, todos os dons ou carismas, todos os ministérios, toda a vida e atividade da Igreja, especialmente da Igreja reunida em assembleia, vêm, para são Paulo, do Espírito Santo. Os dons são simplesmente chamados de dons do Espírito (12,1). É o mesmo Espírito que cuida da vida e do crescimento da Igreja, que lhe deu a vida. E, por outro lado, é neste Espírito que nós podemos chamar Jesus de Senhor (12,3).

Aquilo que são Paulo diz nesses capítulos aos coríntios sobre o Espírito Santo na liturgia, combina perfeitamente com outras afirmações dele sobre a presença e ação do Espírito Santo na Igreja. Lembremos, neste momento, apenas alguns textos que nos falam em geral, mas claramente da ação do Espírito Santo em relação à liturgia. Textos quase paralelos àquele no qual ele diz que não podemos dizer “Jesus é o Senhor”, a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3), encontramos nas cartas aos Romanos (8,15) e aos Gálatas (4,6), onde lemos que podemos chamar Deus de Pai porque recebemos o Espírito de filiação. Este Espírito nos foi dado no batismo, e é sobretudo na celebração litúrgica que chamamos Deus de Pai. No mesmo capítulo da carta aos Romanos são Paulo escreve: “Não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois, é segundo Deus que ele intercede pelos santos” (8,26s). Em todo o caso, já a partir desses textos de são Paulo podemos chegar à conclusão de que ele escreve com plena razão na carta aos Filipenses: “Prestamos culto pelo Espírito de Deus” (3,3).

Resta ainda fazer uma referência à relação da liturgia com a vida dos membros da Igreja, da sociedade e do mundo. Encontramos um exemplo eloquente, para nos mostrar como são Paulo vê esta relação, em 1Cor 11,17-34. É bom lembrar que, imediatamente após esse texto, seguem as explicações de são Paulo sobre o corpo de Cristo e os múltiplos dons do Espírito Santo, que visam à união e à edificação da comunidade. São Paulo repreende os coríntios não porque fizessem eventualmente algo de errado na celebração da eucaristia como tal, mas porque eles não vivem aquilo que celebram: a união dos membros do corpo de Cristo e o amor fraterno, que são dons exímios do Espírito de Deus para a edificação da Igreja. Os coríntios procuram o próprio proveito e não se doma semelhança de Jesus, que se entregou na última ceia e no seu amor até o fim.

Nesse contexto, podemos ainda lembrar que são Paulo usa o termo “liturgia” geralmente no sentido de uma obra de caridade (Rm 15,27; 2Cor 9,12; Fl 2,25.29s) ou para o ministério do evangelizador (Rm 15,16; Fl 2,17). Nesse último texto da carta aos Romanos são Paulo se apresenta como “‘liturgo’ de Cristo Jesus para os gentios, a serviço do evangelho de Deus, a fim de que a oblação dos gentios se torne agradável, santificada pelo Espírito Santo” (Rm 15,16). São Paulo diz, portanto, que só pela ação do Espírito Santo também a “liturgia” da vida é um sacrifício agradável a Deus. Mas é precisamente nisso que são Paulo vê o último sentido da sua missão como da missão de todos os cristãos: “Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e imaculada a Deus: este é o vosso culto espiritual” (Rm 12, 1). E era exatamente esta a missão de Jesus, do Servo do Senhor, sobre o qual repousava o Espírito de Deus, para que evangelizasse os pobres. Foi este sacrifício espiritual que Jesus completou na cruz e que ele nos mandou viver na vida e celebrar na liturgia.

 

3. O Espírito Santo na liturgia ao longo da história

Não é possível neste artigo apresentar toda a história da consciência da Igreja sobre a presença e ação do Espírito Santo em sua liturgia. Dos primeiros tempos da Igreja, antes da formação das diferentes famílias litúrgicas, temos poucos documentos a esse respeito. Na patrística grega, no entanto, eles são frequentes. As liturgias orientais que se formaram naquela época mostram uma forte pneumatologia. Mas na liturgia romana prevaleceu certo cristomonismo, que corresponde à prevalência do cristomonismo na teologia e espiritualidade em geral. Isso se observa particularmente na eclesiologia ocidental, que insistiu mais na dimensão cristológica e nos elementos institucionais, ao passo que deixou os elementos carismáticos em segundo plano e apresentou a função do Espírito Santo como subalterna na obra de Cristo e como garantia da instituição. Tal cristomonismo observa-se também na doutrina sobre os sacramentos: eles devem ser instituídos por Cristo, neles Cristo e sua obra estão presentes. Nem há uma invocação explícita dó Espírito Santo no cânon romano. Tudo isso dá a impressão de que existe grande falta de sensibilidade pneumatológica na teologia e na liturgia ocidentais. Aliás, uma própria teologia litúrgica desenvolveu-se apenas em nosso século, no movimento litúrgico. Mas nem ela deixou de ser cristomonista. A melhor prova disso são a encíclica “Mediator Dei” do Papa Pio XII, de 1947, e a constituição do Concílio Vaticano II sobre a sagrada liturgia.

4. O Espírito Santo na constituição do Vaticano II sobre a liturgia

No esquema para a constituição conciliar (“Sacrosanctum Concilium”) sobre a liturgia, que a comissão preparatória tinha elaborado, o Espírito Santo era mencionado apenas três vezes, e, mesmo assim, muito rapidamente. Citando Ef 2,21ss, o artigo 2 disse: “A liturgia… edifica aqueles que estão na Igreja em templo santo do Senhor, em habitação de Deus no Espírito”. E o artigo 6, citando Rm 8,15: “Pelo batismo os homens recebem o espírito de adoção de filhos, no qual clamamos ‘Abba, Pai’”. Finalmente, no artigo 43, citando o papa Pio XII: “A preocupação pelo incremento e renovação da liturgia é justamente considerada como uma passagem do Espírito Santo pela sua Igreja”.

Longe de quererem determinar a natureza da liturgia, essas afirmações supõem, no entanto, uma propriedade essencial da liturgia, que a liga com a ação do Espírito Santo. São suas duas componentes: a linha descendente e a linha ascendente; isto é, a ação salvífica de Deus e a resposta cúltica da Igreja. A primeira é apenas insinuada, quando se fala da edificação em habitação de Deus no Espírito. A segunda é mais bem articulada pela constatação de que o Espírito de Deus nos capacita à glorificação de Deus.

Os padres conciliares, sobretudo os do Oriente, notaram e chamaram a atenção para o fato de que o Espírito Santo tinha sido quase esquecido no esquema da constituição sobre a liturgia. Isso aconteceu sobretudo porque o esquema era, nas suas afirmações teológicas, fortemente baseado na encíclica “Mediator Dei” do Papa Pio XII, na qual dominava uma visão cristológica da Igreja e da liturgia, enquanto o elemento pneumatológico estava quase ausente. No entanto, como já vimos, por essa via a encíclica e o esquema conciliar estavam bem dentro da tradição ocidental.

Na última hora o esquema conciliar foi corrigido por três acréscimos que tinham por objetivo dar um colorido pneumatológico à constituição “Sacrosanctum Concilium”. Embora essa meta não tenha sido alcançada, deu-se forte acento nesse sentido, especialmente com o terceiro acréscimo feito. No artigo 5, onde se fala da missão do Filho de Deus, inseriu-se “ungido pelo Espírito Santo”. No artigo 6, onde lemos que Cristo enviou os apóstolos, acrescentou-se “cheios do Espírito Santo”. Evidentemente, os padres conciliares acharam importante salientar, para uma adequada compreensão da liturgia, que nela a Igreja exerce sua missão — como a exercia Jesus — no Espírito Santo.

O terceiro acréscimo, no fim do artigo 6, é o mais importante. Depois de ter falado da ação litúrgica da Igreja apostólica, o Concílio constata que desde pentecostes “a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo tudo quanto nas Escrituras a ele se referia, celebrando a eucaristia… para louvor de sua glória” — e aqui foi acrescentado: “pela força do Espírito Santo”.

A constituição sobre a sagrada liturgia foi o primeiro documento discutido e aprovado pelo Concílio Vaticano II. O Espírito Santo, entretanto, foi descoberto tarde demais para ter o seu devido peso neste primeiro documento conciliar. Durante a discussão dos demais documentos, ele estava mais presente na consciência dos padres conciliares. Sem recuperar plenamente o que foi omitido na constituição sobre a liturgia, o Concílio chegou a exprimir, algumas vezes explicitamente, a dimensão pneumatológica da liturgia. Lemos, por exemplo, no artigo 50 da constituição sobre a Igreja que na liturgia “o Espírito Santo age sobre nós mediante os sinais sacramentais”. O artigo 5 do decreto sobre os presbíteros diz primeiro que Cristo exerce na liturgia o seu múnus sacerdotal em nosso favor “por meio do Espírito” e, mais adiante continua dizendo: “Na santíssima eucaristia está contido todo o bem espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa páscoa e pão vivo, que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo”.

Mesmo não tendo dado, em seus documentos, ao Espírito Santo o lugar que lhe compete na liturgia, o Concílio Vaticano II abriu para ele uma porta que não se fechou mais. Pelo contrário, na fase pós-conciliar, quando foram elaborados os novos livros litúrgicos, essa porta se abriu mais, de modo que podemos dizer que o Concílio também, a esse respeito, significou uma volta às fontes, às origens da liturgia cristã, que nasceu e se celebrou sempre, embora em nosso passado ocidental por muito tempo inconscientemente, pela força do Espírito Santo.

https://www.vidapastoral.com.br/artigos/liturgia/o-espirito-santo-na-liturgia/

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