sexta-feira, 29 de setembro de 2023

REFLEXÃO DOMINICAL III Sentir como Jesus para fazer a vontade do Pai

 

 

REFLEXÃO DOMINICAL III

Sentir como Jesus para fazer a vontade do Pai

Por Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

 

I. Introdução geral

Esta liturgia nos convida a refletir sobre o compromisso de realizar a vontade de Deus em nossa vida, e isso consiste no empenho pela construção de um mundo justo e fraterno, o que corresponde ao Reino dos céus proposto por Jesus. Para tanto, é necessário abrir-se à conversão e adotar os mesmos sentimentos de Jesus, ou seja, viver à sua maneira, fazendo as mesmas opções que ele fez com humildade, espírito de obediência ao Pai e sensibilidade pelas necessidades do próximo. Todas as pessoas, em todas as épocas, são convidadas a abraçar esse projeto de vida, embora sejam livres para responder positiva ou negativamente. É importante que as escolhas sejam feitas com liberdade e consciência, para que cada pessoa possa assumir com responsabilidade as respectivas consequências. O Reino dos céus possui uma dinâmica própria que independe de nossas convicções pessoais. Para fazer parte dele e ajudar a construí-lo, é necessário assimilar bem essa dinâmica. Por isso, conversão e responsabilidade são palavras-chave nesta liturgia.

II. Comentários dos textos bíblicos

 

1.    I leitura: Ez 18,25-28

 

A primeira leitura é tirada do livro atribuído a Ezequiel, conhecido como o “profeta da esperança”. Ele foi levado à Babilônia logo na primeira deportação, em 597 a.C., pelo exército de Nabucodonosor. Recebeu a vocação durante o exílio e cumpriu toda a sua missão profética junto ao povo exilado. Por isso, sua mensagem é predominantemente marcada pela esperança, mesmo empregando palavras duras conforme a necessidade. O trecho lido neste domingo, inserido na primeira parte do livro (Ez 1-24), corresponde à fase inicial da pregação do profeta e foi dirigido especialmente ao primeiro grupo de deportados, do qual ele mesmo fazia parte.

Tudo o que acontecia em Israel era atribuído a Deus: as coisas boas eram sinal de bênção, enquanto as ruins eram vistas como castigo pelos pecados do povo. Dessa forma, os primeiros deportados para a Babilônia imaginavam que o exílio fosse um castigo passageiro por alguma culpa coletiva do passado – pois, na época, se imaginava que o mal praticado pelos antepassados repercutisse em seus descendentes –, mas em breve retornariam à terra. Mesmo assim, queixavam-se de Deus, julgando-o injusto. O profeta, no entanto, pensa diferente e adverte o povo, denunciando a mentalidade equivocada: não era a conduta de Deus que estava errada, mas o próprio povo, com suas escolhas e infidelidades (v. 25). O exílio era de fato consequência dos erros e escolhas equivocadas, mas cada pessoa, particularmente, era responsável pela situação; não tinha sentido pôr a culpa nos outros. Além disso, a situação dramática experimentada era oportunidade para o arrependimento e mudança de comportamento: se a injustiça e o mal praticado geram morte, a prática da justiça gera vida (vv. 26-27).

A conclusão do texto é um alento à esperança e um convite à conversão (v. 28): quem faz a passagem da injustiça para a justiça recebe o perdão de Deus e sentido para a vida. Aqui, o profeta não está propondo uma teologia retributiva, mas convidando o povo à consciência sobre a responsabilidade individual. Deus oferece a oportunidade para essa passagem, e cada ser humano é livre para escolher. E a vontade de Deus é que todos escolham e vivam a justiça.

2.    II leitura: Fl 2,1-11

 

Continuamos a leitura da carta aos Filipenses, iniciada no domingo passado. Essa é uma das cartas mais pessoais de Paulo, graças à intimidade existente entre ele e a comunidade. Embora lá não houvesse sérios problemas doutrinários, a comunidade de Filipos não era perfeita. A cidade era uma colônia romana e a maior parte da sua população era composta de militares romanos aposentados que viviam com as respectivas famílias, muitas das quais convertidas ao cristianismo. Com o passar do tempo, uma mentalidade hierárquica e autoritária foi introduzida na comunidade cristã, comprometendo sua unidade. O trecho lido neste domingo denuncia essa situação.

Com muita delicadeza, certamente para não prejudicar a relação afetuosa que mantinha com a comunidade, Paulo exorta os filipenses a cultivar sentimentos e relações de ternura, concórdia e amor, para manterem a harmonia e a unidade (vv. 1-2). Em vista disso, recomenda também que sejam humildes e abandonem as rivalidades, a prepotência e o egoísmo (vv. 3-4). Enfim, Paulo pede que os cristãos da comunidade de Filipos tenham os mesmos sentimentos de Cristo (v. 5).

Para ilustrar sua exortação, o apóstolo insere na carta um hino que sintetiza a vida de Jesus, como exemplo a ser seguido pelos filipenses e pelos cristãos de todos os tempos (vv. 6-11). Esse hino, um dos mais ricos de todo o Novo Testamento, é verdadeiro compêndio de cristologia e é o coração de toda a carta. Provavelmente, era um cântico já utilizado na liturgia de algumas comunidades, especialmente nas celebrações de batismo. A primeira parte do hino recorda o despojamento e a humilde obediência de Jesus: embora fosse possuidor da condição divina, assumiu a condição de escravo e aceitou até mesmo a morte de cruz (vv. 6-8); a segunda enfatiza a exaltação aos céus como resposta de Deus Pai à sua obediência e humilhação (vv. 9-11). Jesus Cristo, portanto, é o exemplo perfeito de quem faz a vontade de Deus Pai. Como cristãos, somos convidados a ter a mesma disposição; por isso, cabe-nos cultivar e alimentar os mesmos sentimentos dele.

3.    Evangelho: Mt 21,28-32

 

Lemos, neste domingo, a segunda parábola exclusiva do Evangelho segundo Mateus que utiliza a imagem da vinha: a parábola dos dois filhos. Segundo o evangelista, quando Jesus conta essa parábola, já se encontra em Jerusalém, vivendo a última etapa do seu ministério. Após uma entrada triunfante na grande cidade (Mt 21,1-11), logo começaram os conflitos com as autoridades religiosas que não aceitaram sua proposta de Reino dos céus, uma vez que a instauração desse Reino implicava verdadeira transformação da ordem vigente. É nesse contexto que se insere a parábola em pauta. Jesus estava ensinando no templo, e os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo questionaram com que autoridade ele fazia aquilo (Mt 21,23). A parábola, portanto, faz parte da resposta de Jesus a esse questionamento.

Embora, no contexto narrativo do Evangelho, os interlocutores de Jesus sejam as autoridades religiosas de Jerusalém, os principais destinatários da mensagem são, na verdade, seus discípulos e discípulas de todos os tempos. Como afirmamos no domingo passado, a vinha é uma imagem clássica, na tradição bíblica, para representar Israel, o povo de Deus (Is 5,1-7; Jr 2,21; 12,10; Os 10,1). Jesus aplica essa imagem ao Reino dos céus e, consequentemente, à comunidade cristã. A parábola envolve três personagens: um pai e dois filhos (v. 28). O pai representa Deus, e os filhos a humanidade – até então dividida entre o povo eleito, Israel, e os pagãos, que compreendiam todas as categorias de pessoas marginalizadas. O pai lança a ambos os filhos a mesma proposta de ir trabalhar na vinha hoje (vv. 28b.30a); o indicativo temporal é importante, porque mostra a urgência de abraçar o projeto do Reino. As respostas dos filhos são diferentes, bem como as respectivas atitudes (vv. 29-30b). Um dos filhos diz “não” ao pai, mas muda de opinião e termina fazendo sua vontade; o outro diz “sim”, mas não cumpre o que prometera. A mudança de opinião do primeiro significa a conversão. A contradição do segundo representa a hipocrisia religiosa dos interlocutores de Jesus e serve de alerta para a comunidade cristã não repetir tal comportamento.

Após concluir a parábola, Jesus volta a interagir com seus interlocutores, denunciando os erros e contradições deles (vv. 31-32) e apresentando nova realidade: a precedência, no Reino dos céus, dos marginalizados pela religião, representados aqui pelos cobradores de impostos e prostitutas. Temos, portanto, séria advertência a quem se sente seguro de si e de suas práticas religiosas; uma denúncia contra quem vive uma religiosidade fundada em discursos e com pouco empenho na edificação do Reino. Por isso, é necessário abrir-se constantemente à conversão para acolher a novidade de Jesus.

III. Pistas para reflexão

 

A liturgia da Palavra deste domingo possui uma riqueza extraordinária, que não pode ser negligenciada na homilia. Todas as leituras convidam à conversão e à responsabilidade para viver uma vida religiosa autêntica, sem hipocrisia. Deus nos criou para fazermos sua vontade, o que não consiste em palavras e discursos bonitos, mas em gestos concretos de solidariedade e amor ao próximo. Recordar a comunidade de que ela só é cristã se nela são cultivados os mesmos sentimentos e atitudes de Jesus, sobretudo a humildade e o amor solidário que se traduz em serviço. Sendo o último domingo do mês da Bíblia, é importante convidar a assembleia a continuar o estudo e a leitura da Palavra de Deus durante todo o ano, pois, como luz para o nosso caminho, ela ajuda a conhecer e fazer a vontade do Pai.

Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues

 

é presbítero da Diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/26o-domingo-do-tempo-comum-27-de-setembro/

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