sábado, 13 de julho de 2024

VI- REFLEXÃO DOMINICAL I Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XV Domingo do Tempo Comum – Ano B

 

VI-   REFLEXÃO DOMINICAL I

Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XV Domingo do Tempo Comum – Ano B

 

Caros irmãos e irmãs, 

O Evangelho deste domingo apresenta o primeiro envio em missão dos Doze Apóstolos. Com efeito, o termo “apóstolo” significa, precisamente, “enviados, mandados”. O fato fundamental é que este episódio mostra o começo da missão apostólica, o envio do primeiro grupo de missionários, que se prolongou, sem interrupção, até os nossos dias. Eles são enviados por Deus. Como no Antigo Testamento Deus mandava seus profetas, no Novo Testamento, Jesus, que é o Deus-conosco, manda seus apóstolos. Jesus os envia dois a dois e dá a eles instruções que o Evangelista São Marcos resume em poucas palavras: “Então chamou os Doze e começou a enviá-los, dois a dois; e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos. Ordenou-lhes que não levassem coisa alguma para o caminho, senão somente um bordão; nem pão, nem mochila, nem dinheiro no cinto; que fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas” (Mc 6, 7-9).

O texto começa com o relato da iniciativa de Jesus, que chama os Doze, enviando-os para uma missão (v. 7).  Todos os Apóstolos foram enviados, sem excluir ninguém, o que vem especificar a urgência de compartilhar com os outros o dom recebido.  Uma tarefa reservada não para alguns, mas para todos.  O texto também procura enfatizar que a iniciativa do chamamento dos discípulos é de Jesus: Ele “chamou-os” (v. 7).  Não há qualquer explicação sobre os critérios que levaram a essa escolha, que depende sempre de Deus.  Também no texto temos o número dos discípulos que são enviados: “doze”. Trata-se de um número simbólico, que representa a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus. É a sua totalidade que é enviada em missão, a fim de continuar a obra de Jesus junto aos homens.

É provável que o envio “dois a dois” tenha a ver com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso de necessidade; pode também pensar-se que esta exigência de partir em missão “dois a dois” tenha a ver com a lei judaica, de acordo com a qual eram necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a um anúncio (cf. Dt 19,15; Mt 18,16). Essa exigência sugere também que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária. 

Este ato indica ainda o sinal da caridade fraterna em ação, onde ninguém age isoladamente. No auxílio mútuo, ambos encontrarão forças para suportar e vencer as dificuldades e ataques que poderão surgir por causa da mensagem transmitida. Com isto, Jesus indica que, dentre os sinais que devem brilhar na evangelização, sobressai, em primeiro lugar, a caridade fraterna. Os discípulos nunca devem trabalhar sozinhos. Ao enviar os Apóstolos dois a dois, mostra que a missão deve ser iluminada pelo testemunho de mútua unidade e compreensão: “Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). 

Os Apóstolos devem ir ao encontro de todos, às suas casas e em seus ambientes com uma missão: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (cf. Mc 16,15).  E esta é a dimensão universal da tarefa confiada: “Pelo mundo inteiro, a toda a criatura” (Mc 16,15), ao que o evangelista São Lucas completa: “Todos os povos” (Lc 24,47); e que o Livro dos Atos dos Apóstolos sublinha: “até aos confins do mundo” (At 1,8), mostra também a garantia, dada pelo Senhor, de que, nesta tarefa, não ficarão os Apóstolos sozinhos, mas receberão a força e os meios para desenvolver a missão: a força do Espírito Santo e a assistência de Jesus: “Eles, partindo, foram pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles” (Mc 16,20).

O Evangelho apresenta ainda outras recomendações aos Apóstolos: Uma só túnica para vestir; um só par de sandálias, um cajado e nada mais.  Despojamento absoluto de bens materiais, que significa o desapego, mas, ao mesmo tempo, a confiança na providência de Deus. A preocupação com os bens materiais pode roubar-lhes a liberdade e a disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude de pobreza e de despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a eficácia da missão não depende da abundância dos bens materiais, mas sim da ação de Deus.

Chama a nossa atenção o fato de Jesus recomendar o cajado, considerado a arma do pobre. Razão pela qual no Evangelho de São Mateus, Jesus proíbe o seu uso (cf. Mt 10,10), pois os seus discípulos devem ser construtores da paz, portanto, devem renunciar a todos os instrumentos que exijam o uso da violência.  Contudo, neste trecho do Evangelho de São Marcos, Jesus permite o seu uso, porque este instrumento tem um expressivo significado.  É o utensílio que acompanha o profeta itinerante (cf. 2Rs 4,29). No Livro do Êxodo, Moisés e Aarão, em dupla, como bem ressalta o Evangelho deste domingo, usam o cajado para lutar contra as forças do faraó e libertar o povo do Egito. Moisés, usando um cajado, opera prodígios (cf. Ex 7,9-12), estende a mão sobre a nação egípcia e provoca a chegada dos gafanhotos (cf. Ex 10,13), divide o Mar Vermelho (cf. Ex 14,16) e faz jorrar água do rochedo (cf. Ex 17,5).  O cajado é o símbolo do poder de Deus.

Em seguida, o texto apresenta a missão que Jesus lhes confiou: “Deu-lhes poder sobre os espíritos imundos” (v.7). Os espíritos imundos ou impuros representam aqui tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão dos discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo que destrói a vida e a felicidade do homem, ou seja, o pecado. O discípulo sente-se convidado a confiar, a ser amigo de Jesus, a compartilhar a sua sorte, a partilhar a sua vida; deve aprender a viver na confiança da amizade de Jesus.

Uma outra instrução refere-se ao comportamento dos discípulos diante da hospitalidade que lhes for oferecida (v.10-11). Quando forem acolhidos numa casa, devem aí permanecer algum tempo, certamente para formar uma comunidade, e não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem recebidos num lugar, devem, ao sair, “sacudir o pó dos pés”: trata-se de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território pagão e que simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio pelo fechamento às propostas de Deus.

É preciso estarmos atentos para não interpretar mal a frase de Jesus sobre ir sacudindo também o pó dos pés quando não forem recebidos. É testemunho “para” eles, não contra eles, para fazê-los entender que os missionários não estavam com interesses econômicos ou materiais, por isto, não queriam levar nem sequer seu pó. Eles estavam pregando a salvação e, rejeitando-a, eles privavam a si mesmos de um grande bem. A Igreja hoje continua esta missão de anunciar no Evangelho e quer compartilhar o dom recebido, cumprindo o mandato do próprio Cristo: “de graça recebestes, de graça deveis dar” (Mt 10,8). 

A outra indicação muito importante do trecho evangélico é que os Doze não podem contentar-se com pregar a conversão: segundo as instruções e o exemplo de Jesus, a pregação deve ser acompanhada da cura dos doentes. Por conseguinte, a missão apostólica deve abranger sempre os dois aspectos de pregação da Palavra de Deus e de manifestação da sua bondade, mediante gestos de caridade, de serviço e de dedicação.

O convite de Jesus a evangelizar foi dirigido em primeiro lugar aos apóstolos, e hoje a seus sucessores, mas não só a eles. Estes devem ser os guias, os animadores dos outros, na missão comum. Peçamos a intercessão da Virgem de Nazaré para cada um de nós, e que possamos responder com generosidade a este chamado do Senhor, para anunciar o seu Evangelho de salvação com as palavras e, antes de tudo, com o nosso testemunho de vida.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

https://presbiteros.org.br/homilia-de-d-anselmo-chagas-de-paiva-osb-xv-domingo-do-tempo-comum-ano-b/

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