sábado, 31 de agosto de 2024

VII- REFLEXÃO DOMINICAL II: 22° DOMINGO DO TEMPO COMUM -Viver a lei do amor Por Marcus Mareano

 

 

VII- REFLEXÃO DOMINICAL II: 22° DOMINGO DO TEMPO COMUM -Viver a lei do amor

Por Marcus Mareano

 

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

Encerrando o mês de agosto, dedicado às vocações, recordamos a missão dos catequistas, entendidos não só como quem assume mais diretamente o ministério de transmitir, na comunidade, a fé cristã a crianças, jovens e adultos. Todas as pessoas devem viver a fé de modo a transmiti-la ao próximo. Assim, a comunidade de fé é catequizadora e comprometida com o Evangelho.

Somos rodeados de tarefas exigentes e de normas para cumprir. As leituras deste domingo contribuem para percebermos os costumes de nova maneira. A Lei, para o povo de Israel, era Palavra de Deus para ser cumprida, e não acrescida de arranjos secundários. Realidade que, infelizmente, Jesus encontrou na vivência religiosa do seu tempo.

Diante das discrepâncias entre o apego às tradições e a originalidade do mandamento, Jesus ensina que aquilo que sai do interior da pessoa é mais grave e mais capaz de torná-la impura do que os alimentos e atos de higiene próprios dos diferentes tempos. Tiago completa que a fé tem de ser vivida na prática do amor, não apenas como teoria intimista e individualista.

Fixemos no essencial e saibamos lidar com o que é acessório. A fé cristã consiste no amor uns pelos outros, da mesma forma que viveu Jesus. As normas existem para favorecer esse objetivo.

II.            COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

1.    I leitura (Dt 4,1-2.6-8)

 

O livro do Deuteronômio retoma, em nova perspectiva, muitos temas e narrativas já abordados em Êxodo, Levítico e Números. O autor recorda ao povo a aliança com Deus, que permanece fiel e espera o comprometimento dos israelitas.

A leitura apresenta o dom da Lei em forma de pregação, que se desenvolverá no decorrer dessa seção (Dt 1,1-4,43). Ela conclama os destinatários para a escuta atenta (Dt 6,4) e para a prática (Lv 18,5) dos mandamentos e normas que Deus ensina, por meio de Moisés, como condição para o dom da terra. Não se deve colocar ou retirar nada em relação aos ensinamentos divinos (v. 2). Seria uma traição à Palavra de Deus.

O povo de Israel se distinguia dos outros povos vizinhos daquele tempo por causa da sua fé em um único Deus. E ainda um Deus invisível, audível, presente na história e que fez aliança com o povo. Portanto, cumprir as orientações do Senhor torna Israel sábio e entendido, capaz de provocar a admiração dos outros povos pelo valor da Lei. Esta significa liberdade e vida para o povo de Deus.

Enquanto os povos vizinhos tinham seus filósofos e seus grandes monumentos, Israel possuía a riqueza da prática da Lei como uma sabedoria exuberante. Viver os mandamentos significava testemunhar Deus aos demais povos, e a idolatria constituía uma infidelidade do povo a Deus.

Assim, podemos ver a Lei de Deus não apenas como “letra” morta, mas como “palavra” dinâmica, capaz de gerar vida em quem a põe em prática. Substituir a essência da Lei por costumes agregados trai o sentido do dom de Deus para seu povo.

2-    II leitura (Tg 1,17-18.21b-22.27)

 

Doravante, na liturgia dominical, acompanharemos a leitura da carta de Tiago. Ela se dirige a cristãos de origem judaica e mantém o estilo de exortação profética e de um ensinamento sapiencial preocupado com aspectos práticos da vida.

A passagem deste dia orienta como se deve viver a religião. O autor inicia explicando que as dádivas para o ser humano possuem origem divina, vêm do alto, do “Pai das luzes”, criador de todas as coisas (v. 17). Foi Ele quem gerou novas pessoas pela Palavra da verdade para serem as primícias de sua criação, isto é, sua obra mais importante. O ser humano deve reconhecer que toda bondade vem de Deus.

Outro aspecto da prática da religião, conforme o texto, é a acolhida da Palavra. O primordial mandamento de um judeu naquele tempo era a audição da Palavra de Deus: “Escuta, Israel...” (Dt 6,4; Mc 12,29). Contudo, não basta só ouvir; importa também praticar, não apenas como obediência às regras, mas como expressão da própria identidade de amar como Cristo amou.

Por fim, Tiago insiste em uma religião da práxis. Ele associa o culto à vida, a exemplo dos escritos proféticos. Portanto, a verdadeira religião consiste em visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações, mais do que em queimar incenso e oferecer sacrifícios.

Naquele tempo, os órfãos e as viúvas, juntamente com os estrangeiros, viviam em uma situação econômica precária. Dependiam da ajuda de outras pessoas. Os judeus tinham leis para protegê-los e promoviam a tarefa religiosa de acolher e ajudar (Ex 22,20-22; Dt 10,18-19; Is 1,17). Então, a religião verdadeira consiste na vivência da fé pela prática do amor e da justiça, mais do que no mero cumprimento de deveres institucionais (Mt 5,17-19).

Em nossos templos, muitas pessoas participam das celebrações. No entanto, devemos nos alegrar mais quando a vivência religiosa continua após o culto, no cotidiano da vida, nas relações interpessoais e no jeito de ser e estar na sociedade. A fé celebrada tem de se tornar atitude em prol de um mundo melhor. O ouvinte tem de se tornar praticante da Palavra.

3-    Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23)

 

Retomamos o Evangelho de Marcos, após alguns domingos acompanhando o discurso do pão da vida no Evangelho de João.

O texto se inicia com as discussões entre Jesus e os escribas a respeito do tema da pureza. Os judeus tinham a Lei de Moisés como ensinamento principal para a organização da vida. Também cumpriam, no tempo de Jesus, diferentes costumes, oriundos das tradições dos antigos (Dt 4,2). Alguns, apegados às normas, seguiam a observância das tradições de forma radical. Jesus, então, vem esclarecer a interpretação da Lei, para ser melhor praticada.

Os escribas e fariseus observavam os discípulos de Jesus comendo pão sem lavar as mãos. Marcos explica à sua comunidade, formada por cristãos oriundos do paganismo, como alguns judeus costumavam lidar com os alimentos e os objetos, a fim de não se contaminarem (v. 3-4). Eles não comiam sem lavar as mãos até o pulso e não comiam sem se lavar quando chegavam da praça. Havia muitas outras coisas observadas, como a maneira de lavar taças, jarras, recipientes de cerâmica e de metal.

Então, esses fariseus e escribas perguntam a Jesus por que os discípulos dele não procedem conforme a tradição dos antigos. Jesus responde com uma referência a Is 29,13, segundo o qual o povo honra a Deus com os lábios, porém tem o coração (sede da inteligência humana) distante dele. E conclui acusando os fariseus e escribas de abandonarem o mandamento de Deus em troca de costumes humanos secundários (Dt 4,1-2).

Na sequência, Jesus ensina sobre o “puro” e “impuro” e mostra que, sobre isso, a realidade não era aquilo que comumente se pensava. Não é o que entra no ser humano de fora (por exemplo, alimentos, utensílios etc.) que pode torná-lo impuro. O que sai de dentro do ser humano é o que o torna impuro. A distinção judaica de alimentos puros e impuros já não tem sentido (At 15,28-29; Tt 1,15). Jesus inverte a perspectiva do ensinamento dos antigos. A interioridade da vivência da Lei, com o coração, torna-se mais importante do que as observâncias externas sem nexo.

Em continuação, Jesus lista uma série de sentimentos que fazem o ser humano impuro diante de Deus e das pessoas (v. 21). Do interior humano podem surgir maus pensamentos, más intenções, prostituições, roubos, homicídios, adultérios, maus desejos, perversidades etc. O elenco pode se ampliar, de acordo com o tempo e cada pessoa. Importa atentar para que a maldade não surja no interior humano, se materialize e se torne ato. Portanto, é necessário o cuidado com a interioridade, antes da externalidade.

O texto deste dia nos ensina um pouco sobre os costumes judaicos e sobre como os cristãos deveriam se portar em relação a essas práticas. Para Jesus, importava mais a maneira de viver do que os cumprimentos de preceitos e costumes. De igual modo, podemos pensar a vida cristã como um compromisso de amor a Deus e ao próximo mais do que como mera observância de normas.

4-    PISTAS PARA REFLEXÃO

 

A fé cristã é, antes de tudo, um encontro com a pessoa de Jesus. Uma experiência que dá novo sentido à vida e traz novas maneiras de compreender a realidade, na qual se inserem os preceitos e costumes.

A Lei era um distintivo do povo de Israel, e seu cumprimento representava a fé em Deus e a fidelidade a ele. Contudo, um grande número de interpretações e tradições secundárias foi acrescentado aos mandamentos essenciais, de forma que, no tempo de Jesus, muitos se apegavam mais às práticas rotineiras do que ao sentido original da Lei. A oposição de Jesus, no Evangelho desta liturgia, designa a fidelidade à Lei, em seu sentido profundo, como mais importante do que a execução de ações desnecessárias.

Tiago ratifica o ensinamento de Jesus no Evangelho. A religião cristã não é apenas culto no espaço sagrado (igreja ou capela), mas sobretudo saída ao encontro de quem precisa, como fez Jesus em sua vida terrena. Catequese se faz com práticas, além de conteúdo.

Atualmente, existem muitos grupos de pessoas que se sentem “fiéis” por cumprir preceitos eclesiásticos. A fidelidade querida por Jesus leva ao amor autêntico a Deus e ao próximo, o qual consiste mais em ações do que em palavras (1Jo 3,18).

Marcus Mareano

 

é bacharel em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Bacharel e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Doutor em Teologia Bíblica, com dupla diplomação, pela Faje e pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica (KU Leuven). Professor adjunto de Teologia na PUC-MG, também colabora com disciplinas isoladas em diferentes seminários. Desde 2018, é administrador paroquial da Paróquia São João Bosco, em Belo Horizonte-MG. E-mail: marcusmareano@gmail.com

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/22-domingo-do-tempo-comum-29-de-agosto/

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