sábado, 23 de julho de 2022

Evangelho (LC 11, 1-13): O PAI NOSSO – CONSTÂNCIA NA ORAÇÃO

 

Evangelho (LC 11, 1-13): O PAI NOSSO – CONSTÂNCIA NA ORAÇÃO

INTRODUÇÃO: Duas partes temos no evangelho de hoje: Um modelo de oração que hoje é nossa prece universal; e em segundo lugar, um ensinamento sobre como deve ser a constância e a confiança na mesma. Na primeira parte, encontramos o que temos chamado com o nome geral de Pai Nosso. A fórmula que recebe o nome de Pai Nosso sai três vezes nos escritos primitivos antes do final do século I: Mateus 6, 9-12; Lc 11, 2-3 e Dídaque 8, 2. A formulação mais antiga é a de Lucas. Mateus e a Dídaque são praticamente iguais, acrescentando esta última a doxologia final e o preceito de recitar a oração três vezes ao dia.

ENSINA-NOS A ORAR: Então sucedeu que ao estar Ele em certo lugar orando, como terminasse, lhe disse um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a rezar como também João ensinou seus discípulos (1). Et factum est cum esset in loco quodam orans ut cessavit dixit unus ex discipulis eius ad eum Domine doce nos orare sicut et Iohannes docuit discipulos suosORAÇÃO DE JESUS:Lucas circunscreve o momento da apresentação do Pai Nosso a uma circunstância que podemos chamar de fórmula literária: Porque sucedeu que estando ele [Jesus] em oração num certo lugar, quando acabou, um de seus discípulos perguntou-lhe: Ensina-nos a orar como João ensinou os seus discípulos. Evidentemente que o exemplo de Jesus era fundamental para que a petição fosse formulada. Mas o dito discípulo também apela para o exemplo de João, que nas orações se afastava da Keriat Shemá [leitura da Shemá], a reza diária dos israelitas adultos, duas vezes por dia. Vejamos, pois, quais eram os modos e fórmulas de oração em uso entre os judeus da época para compará-los com os que Jesus escolheu como fórmula própria de seus discípulos.

O PAI NOSSO (1ª PARTE)

O PAI E O REINO: Disse-lhes, pois: Pai, o dos céus! Santificado seja o teu nome, venha o teu Reino (2). Et ait illis cum oratis dicite Pater sanctificetur nomen tuum adveniat regnum tuum.Voltemos à oração que Jesus ensinou. Lucas une num conjunto, que forma uma série à parte, três passagens dedicadas à oração: a fórmula do Pai Nosso, a parábola do amigo impertinente e algumas máximas sobre a eficácia da oração. Na antiguidade cristã temos três diferentes fórmulas sobre o Pai Nosso: Esta de Lucas, considerada a mais antiga pela brevidade; a de Mateus 6, 9-13 com três explicações de tipo catequético, e a da Dídaque que é igual a de Mateus mas com uma doxologia no final. PAI: Como início da oração temos um vocativo: Pai. A Ele nos dirigimos como filhos. É uma invocação que não só atrai a atenção divina como próxima de nossas vidas, mas também nos coloca em disposição de aceitar suas ordens e cumprir sua vontade. Esperamos seu carinho e sua bondade e oferecemos nossa debilidade e nossa confiança. Mateus acrescenta: Nosso, o dos céus (9, 6). Na concepção tripartida do mundo, os céus eram do domínio absoluto de Deus, onde nada nem ninguém impedia a realização de seus planos. No AT também Javé era considerado como Pai, pois se fala de que o povo de Israel era filho de Deus e até seu primogênito (Êx 4, 22), como também o rei (2 Sm 7, 14). É pai como criador (Dt 32, 6), como ofendido pelo pecado de Israel (Jr 3, 4), como fonte de misericórdia e perdão (Sl 103, 13). Mas o emprego deste apelativo na oração individual é raro, por não dizer fora do comum. O início das orações judaicas era o de reconhecimento da Majestade e Transcendência de Deus. Os títulos de Rei, Senhor, são os mais usados. Um exemplo é o de Ester: Ó meu Senhor, nosso Rei, tu és Único (4,17) Na oração do Kadish [oração falsamente atribuída aos velórios], lemos: Seja louvado e santificado o nome do Senhor, no mundo criado por Ele segundo sua vontade. Faça reinar seu reino na vossa vida e na vida de toda a estirpe de Israel agora e sempre Amém. Na oração Shemoné esré [das dezoito bênçãos], recitamos: Bendito sejas, Eterno [Jahweh], Deus nosso e de nossos pais , Deus grande, esforçado e terrível, Deus altíssimo. Bendito sejas, Eterno, Rei que ajuda, liberta e defende, defensor de Abraão. Como vemos pelos exemplos, os atributos que se invocam de Deus são o seu poder e senhorio e as suas ligações com o povo de sua escolha como defensor do mesmo contra seus inimigos. Nestas orações encontramos muito de retórica, exclusivismos e desejos de vingança contra inimigos, longe da simplicidade do Pai a quem nos dirigimos todos como filhos sem distinção. Como nota curiosa podemos trazer as citações em que o Pai Nosso era considerado por Tertulianobreviarium Totius Evangelii [resumo de todo o evangelho] e por S. Cipriano coelestis doctrinae compendium [compêndio da doutrina celeste]. Por isso, na Igreja antiga, era transmitido solenemente ao batizando antes do batismo, submetido à disciplina do arcano [das verdades que não podiam ser reveladas aos não-cristãos]. Revelar que Deus era Pai dos novos batizados, os gerados de novo no Batismo, o Abbá, do qual é a tradução literal grega Pater, era, segundo Paulo, a base do sentimento cristão. O termo ABBÁ [no original], recebido pelo espírito de adoção pelo qual clamamos: O Pai (Rm 8, 15). Da mesma forma, com as mesmas palavras temos Gl 4,15 em que o ABBÁ é traduzido por O PAI. O que significa ABBÁ? Contrariando J. Jeremias, que diz significava papai, os modernos dizem que o Abbá era utilizado como tratamento dado por pequenos e adolescentes ao seu pai e também como tratamento a pessoas maiores (Mt 23, 9). No nosso caso, é uma nova relação íntima com o ser, que os judeus não ousavam de chamar pelo seu nome e até nem o escreviam, e que na língua vernácula representam pela grafia H’ de Yahveh [Hevha][ler de esquerda direita], ou HÁ SHEM [o nome]. SANTIFICADO SEJA TEU NOME: Tanto Mateus como Lucas têm a mesma súplica. É uma exclamação ou uma prece? Judeus e árabes, imediatamente após o nome de Deus, exclamam: Seja ele bendito. Será também um louvor do orante e não, como temos aprendido, uma súplica para que Deus mostre sua presença transcendente? De fato o Kadish [traduzido por santificação] inicia-se com Seja seu nome exaltado e santificado. Evidentemente é um desejo este do Kadish ou uma exclamação como quando os árabes após o nome de Alá exclamam,Bendito seja para sempre! De modo que esta que comentamos é uma exclamação e não uma petição de que Deus mostre a transcendência de seu nome, que, por outra parte, não é mais Jahweh [ou Hashem traduzido por Eterno] mas Pai? A tradição vê, nesta que temos chamado de invocação exclamatória, uma petição que, por estar na passiva, parece ser súplica de que Deus atue de forma a demonstrar sua grandeza e realeza, como Daniel pede que sejam vistos seu poder e sabedoria de eternidade em eternidade (2, 20). No Kadish, recitado ao fim da homilia na sinagoga, junto com O Nome justapunha-se a petição de que fosse exaltado, engrandecido e santificado, e que fizesse dominar sua realeza em nossas vidas e em nossos dias. Sem dúvida, que temos duas ações simultâneas: a divina, como absoluto domínio e a humana, como submetimento à vontade dos planos de Deus. Por isso na Shemoné lemos: Tu és santo [o agathos grego] e santo é teu nome e os santos te louvarão sempre e cada dia. Bendito sejas, Eterno, Deus santo! E na oração do Kadish temos esta bênção: Seja bendito e santificado o nome do Senhor no mundo, por Ele criado segundo sua vontade. (…) Seja bendito, louvado, honrado, engrandecido e glorificado o nome do Santo. Seja ele bendito sobre toda bênção e todo canto, sobre todo louvor e toda consolação que se pronunciam neste mundo. Amém. O REINO: Tanto no Kadishcomo na Shemoné Esré temos alusões claras ao reino. Vamos citá-las. Kadish: No mundo que Ele criou segundo a sua vontade, seja estabelecido seu reino na vossa vida e nos vossos dias e na vida de toda a estirpe de Israel agora e sempre. Amém. E na Shemoné : Bendito sejas Eterno, Rei que ajuda, liberta e defende, defensor de Abraão (…) Faze que voltemos à Torá e aproxima-nos a teu serviço, Rei nosso, e faze que voltemos o rosto para a frente com íntegro arrependimento. Como podemos ver, o reino era uma aspiração constante nas orações do tempo entre os judeus. O simples adveniat regnum tuum [venha o teu reino] de Lucas é explicado por Mateus de forma breve, mas magistral: que tua vontade se cumpra na terra do modo que ela é acatada no céu. A universalidade do Reino é oposta à estrita e reduzida ideologia das orações judaicas em que o reino está fundado no triunfo político de Israel.

O PAI NOSSO (2ª PARTE)

O PÃO: O pão nosso, o necessário, dá-nos cada dia (3). Panem nostrum cotidianum da nobis cotidieO PÃO: As petições em Lucas e Mateus sobre o pão coincidem com as mesmas palavras; só que Lucas usa o verbo em presente [dá contínuo] e Mateus em aoristo [dá aqui e agora]. A palavra que tem dado a diversas interpretações é epiousios <1967>. A opinião mais provável é que seu significado é seguinte como corresponde adjetivamente ao emera [dia] epiousia[seguinte]. Assim em At 7,26: No dia seguinte, apareceu Moisés [të te epiouse ëmera öfthe;sequenti vero die latino]]. Também a noite é seguida por epiousia At 23, 11: [Të de epiousë nyhti. Sequénti autem nocte latino]. A tradução, pois, do texto seria: o pão nosso o de amanhã, dá-nos a cada dia. Esta tradução é confirmada pela versão antiga do evangelho dos nazarenos ou dos hebreus que usa a palavra MAHAR [prontamente] para traduzir: dá-nos [continua a dar-nos] hoje o pão do amanhã, ou seja, o pão que nos darás no teu reino. Com o presente imperativo de Lucas poderíamos traduzir: Continua a dar-nos (como sempre) o pão, o de amanhã, que vamos necessitar a cada dia. Uma outra tradução seria dar a epiousios o significado denecessário em que ousia não significa substância, mas existência e, portanto, epiousios significaria vital. A tradução seria: dá-nos o pão necessário a cada dia. Esta é a tradução preferida hoje em dia. A tradução incorreta de Mateus 6,11 do epiousios, comosupersubstantialis [supersubstancial], pela Vulgata, dando origem a de que se pedia o pão eucarístico, está hoje descartada, já que a mesma Vulgata traduz a mesma palavra epiousiosem Lucas por cotidianus [de cada dia], como temos visto no versículo que comentamos.  É a tradução literal de Green: Give us our needed bread. Como nota curiosa damos as traduções da versão King James: Give us this day our daily bread (Mt 6, 11) e Give us day by day our daily bread (Lc 11, 3).

O PERDÃO: E remite-nos os nossos pecados, já que também nós remitimos todo devedor nosso; e não nos leves dentro (da) tentação, [mas livra-nos do maligno] (4). Et dimitte nobis peccata nostra siquidem et ipsi dimittimus omni debenti nobis et ne nos inducas in temptationem. OS PECADOS:Lucas fala de amartia [pecado]/ofeilontes [os que estão devendo]; a tradução de amartia por pecado acontece uma única vez das 148 vezes que ela é traduzida como ofensa, enquanto Mateus usa ofeilema [dívida] [chobimdebita latino / ofeiletas [devedores, como substantivo]. Já Lucas identifica dívidas com pecado quando o devedor é o homem e o sujeito da dívida, o próprio Deus. O tema do perdão também é típico do judaísmo da época. Rei nosso faz que voltemos o rosto para a frente com íntegro arrependimento (Shemoné ). Perdoa ao teu próximo a injustiça, e então ao rezares ser-te-ão perdoados os teus pecados (Eclo 28,2). Mas não atinge os inimigos, nem os não pertencentes a povos diferentes de Israel. Pelo contrário, o perdão é básico na literatura cristã (Lc 6, 37). Perdão de Deus para nós, e perdão dos inimigos por parte dos homens que desejam se comportar como o Pai, segundo afirma Mateus no versículo seguinte (6, 14-15). Em Mt 5, 23 s Jesus fala sobre a importância de se reconciliar antes de oferecer o sacrifício ou de levar o contencioso ao juiz. E como norma de vida não devemos condenar para não sermos condenados (Mt 7,1). O cristão se compromete a atuar como o Pai e propõe sua conduta como filho para que o Pai atue realmente como tal Pai. Sem dúvida que esta proposição não é muito bem aceita pelos que só propõem a fé como base da salvação. Aqui temos uma proposta baseada nos méritos, nas obras boas do homem, e não na fé confidencial. Jesus não afirma que não seremos perdoados se não perdoamos, mas oferece uma boa razão para Deus cumprir suas promessas: perdoar aqueles que demonstram misericórdia com o próximo. Além do texto anterior do Eclesiástico temos: Pela misericórdia e pela verdade se expia a culpa (Pr 16, 2). Ou mais claramente como afirma Tiago o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo (2, 13). A TENTAÇÃO: Lucas e Mateus usam a dupla eisfero/peirasmós [levar/prova]. Tudo depende de que classe de prova ou tentação é a referida no versículo. Peirasmós significa também tribulação e sofrimento. A causa da diversa interpretação deste parágrafo é o verbo com o qual se determina a ação divina: eisferö, significa introduzir, transportar, arrastar. Como Deus pode ser causa de uma tentação em que o homem não tem força para superá-la? Os termos em que está formulada a petição são os mesmos em que Jesus pede aos discípulos que orem para não entrar em tentação (Lc 22, 40.46). Qual era a tentação a que estavam os discípulos propensos a cair nesse momento? Sem dúvida a de desertar de seu seguimento, ou por covardia, ou pelas dúvidas que a paixão de Jesus suscitaria neles ( Lc 24, 21). Deus no AT é visto como tentando o seu povo (Êx 16, 4 e 20, 20 entre outros). Ou seja, pondo o povo à prova. Ainda não existia a diferença entre vontade absoluta e vontade permissiva divina. Em Rm 9, 18 Deus endurece o coração de quem quer. Por isso suscitou e endureceu o coração do faraó para mostrar nele o seu poder, e assim seu Nome pudesse ser celebrado em toda a terra (Rm 9, 17). Foram as disputas teológicas sobre a predestinação que fizeram a distinção entre absoluto e permissivas. Deus não quer o mal em absoluto, mas o permite porque de sua permissão resulta maior benefício para as criaturas e maior glória para sua divina Providência. Já o apóstolo Tiago afirma claramente: Quando alguém está tentado não diga que é Deus quem o tenta, porque Ele não tenta ninguém (Tg 1, 13). Temos o caso de Jesus no deserto. Ele foi levado pelo Espírito para ser tentado pelo diabo (Mt 4,1). E as tentações de Jesus eram sobre a sua missão salvífica para desviá-lo da mesma, e assim se render às sugestões do maligno. Por isso muitos afirmam que a tentação da qual os discípulos pedem para serem liberados seria a da apostasia em relação a Jesus. O MALIGNO: apo tou ponëros <4190> que a vulgata traduz por a malo. Evidentemente oponerós não é um adjetivo, mas um nome e pode ser traduzido por maligno ou mal. Se optamos por maligno o personagem seria o diabo. Se optamos pelo mal pode ser até o sofrimento ou a enfermidade. O texto grego inclina-se pelo maligno ou malvado. O Malum latino, pelo contrário, significa mal físico ou moral, com um segundo sentido com significado de o maligno. Em Lucas, oponerós é quase sempre adjetivo significando mau ou perverso, sendo o adjetivo que acompanha os espíritos malignos  expulsos por Jesus. Maligno e inimigo é o que semeia o joio pois os filhos do maligno são o joio (Mt 13, 25+).O Maligno é o Diabo, que trabalha, arrebatando a semente do coração, para que os ouvintes não creiam e se salvem (Lc 11, 12). Precisamente esta é provavelmente a natureza do pedido desta última parte do Pai Nosso. Como final, devemos dizer que esta parte B do versículo falta na maioria dos códices e por isso o encerramos entre colchetes. É uma transposição do texto paralelo de Mateus  6, 13. Tudo indica que o Pai Nosso de Mateus era a oração comum das comunidades eclesiais e por isso o versículo foi acrescentado em diversos códices mais modernos.

SEGUNDA PARTE: PARÁBOLAS

A) DO AMIGO

O AMIGO: E disse-lhes: Quem dentre vós terá um amigo e vier a ele à meia-noite e lhe disser: amigo, presta-me três pães (5), já que agora um meu amigo veio de caminho a mim e não tenho o que oferecêr-lhe (6). Et ait ad illos quis vestrum habebit amicum et ibit ad illum media nocte et dicit illi amice commoda mihi tres panes quoniam amicus meus venit de via ad me et non habeo quod ponam ante illum. Lucas prossegue este discurso sobre a oração, da qual ele tanto gosta, com outras duas narrações típicas dele: A parábola do amigo inoportuno e uma série de conselhos sobre como é respondida a oração pelo melhor dos pais. A parábola é melhor compreendida quando estudamos os costumes da época na Palestina. O pão era a comida praticamente única dos menos ricos. Três pães respondiam à comida de um dia. O  pão era cozido  de manhã  cedo, após a dona-de-casa moer o trigo com um moinho de mão. Logo a farinha assim obtida, era misturada com água e em forma de grandes hóstias, como é o pão sírio atual, e era colocado sobre uma prancha quente até ser assado. O amigo chega de noite. Na realidade, as viagens, devido ao calor do dia, muitas vezes eram realizadas à noite, daí que fossem essas horas as da chegada do vizinho.

A RESPOSTA: E aquele, de dentro, tendo respondido, disse: Não me tragas moléstias agora; a porta está fechada e os filhos estão comigo no leito; não posso, levantando-me, te dar (7). Et ille de intus respondens dicat noli mihi molestus esse iam ostium clausum est et pueri mei mecum sunt in cubili non possum surgere et dare tibi. As casas humildes tinham unicamente uma habitação, separando nela por um cortinado o himeneu [lugar dos esposos] que ficava no fundo da habitação em que dormiam os outros membros da família; e durante a noite todos dormiam sobre esteiras, de modo que para passar do fundo até a porta deviam se levantar todos os membros da família. Compreende-se a resposta do dono da casa: a porta esta trancada e meus filhos estão deitados.

CONCLUSÃO: Digo-vos: Se por acaso não dará a ele, levantando-se por ser ele um amigo, porém pela “cara-de-pau” dele, levantando-se dará a ele o quanto necessita(8). Porque todo o que pede recebe e o que busca encontra e a quem bate se abrirá (9).  Dico vobis et si non dabit illi surgens eo quod amicus eius sit propter improbitatem tamen eius surget et dabit illi quotquot habet necessarios. Omnis enim qui petit accipit et qui quaerit invenit et pulsanti aperietur. A palavra chave é anaideia <335>[anaideia] que o latim traduz por falta de vergonha ou como diz Green pela sua desavergonhada insistência, que hoje chamaríamos melhor de inoportuna. Diante, pois, da insistência do inoportuno amigo, Jesus se atreve a concluir que certamente conseguirá os pães, mesmo que seja pela insistência se não for suficiente a amizade. E Jesus termina talvez com o que era provérbio na época que recalca a insistência na oração até de um ponto de vista meramente humano: Pedi e vos será dado. Buscai e encontrareis. Batei e abrir-se-vos-á (9). Mateus traz em lugar paralelo as mesmas palavras que parecem formar parte de um poema ou um aforismo: Pedi e vos será dado. Buscai e encontrareis. Batei e vos será aberto (Mt 7, 7). E ambos terminam com as mesmas palavras: Todo aquele que pede, recebe. E o que busca, encontra e ao que bate, abre-se. Não existe melhor trilogia para indicar que grande parte de nossas conquistas em todos os âmbitos têm como fundamento a oração e a constância.

B) DO PAI

O PÃO E O PEIXE: Pois a quem de vós, pai, pedirá pão o filho, jamais lhe dará uma pedra. E se um peixe, nunca dará no lugar do peixe uma serpente(11). Ou se lhe pedisse um ovo, jamais dará a ele um escorpião(12). Quis autem ex vobis patrem petet panem numquid lapidem dabit illi aut piscem numquid pro pisce serpentem dabit illi. Aut si petierit ovum numquid porriget illi scorpionem. Jesus, à parte essa conclusão que mais parece uma coleção de ditos populares anima seus discípulos a fundar sua vida na oração como base de confiança num Deus que é, desde a primeira invocação, apelidado de Pai. E compara esta paternidade divina com a humana: se um pai humano trata da melhor maneira possível seus filhos em necessidade, como o Pai verdadeiro deverá falhar com os que o invocam com tal título e nele depositam sua confiança e deixam em suas mãos suas esperanças? As antíteses são também clássicas ou populares como o demonstra o lugar paralelo de Mateus. Em Lucas, temos as antíteses pão/pedra, peixe/serpente e ovo/escorpião (ver 11-12). E Mateus de  pão/pedra, peixe/serpente (7,9-10). O peixe e a serpente d’água têm certa afinidade, especialmente se se trata de moreias, na época comida esquisita entre os romanos. O escorpião, quando se enrola parece uma espécie de ovo. E a pedra pode ter forma de pão. Mais importante do que a semelhança entre os termos é a qualidade dos produtos enumerados. O primeiro termo é bom; o segundo é um veneno ou um mal. A serpente e o escorpião eram modelos do mal ou do maligno. (ver comentário em Presbíteros.com.br, exegese, do Domingo XIV sobre poderes dos enviados).

CONCLUSÃO FINAL

ESPÍRITO SANTO: Se, pois, vós sendo malvados sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o Pai, o do céu, dará Espírito Divino aos que o pedem(13). Si ergo vos cum sitis mali nostis bona data dare filiis vestris quanto magis Pater vester de caelo dabit spiritum bonum petentibus se.No lugar do espírito divino de Lucas, Mateus fala de dar coisas boas (7, 11). A Vulgata traduzspiritum bonum [espírito de bem]. Falta o artigo O diante do espírito, de modo que a versão da Vulgata é correta. Para Lucas, esse espírito era a paz com todas as qualidades e atributos que semelhante expressão abrangia. Que devemos dizer? Tertuliano tinha toda a razão quando afirmava ser o Pai Nosso o resumo de todo o evangelho: A oração de Jesus nos coloca frente à frente a um Pai, que é a revelação que Jesus veio anunciar e propagar a todos os homens. Viver a filiação era viver a oração do Pai Nosso e era viver a essência do Evangelho, na intimidade com a divindade, e na fraternidade com a humanidade. Por isso podemos afirmar que a frase do grande apologista africano é verdadeira e exata.

PISTAS:

1)A oração deve ser a forma usual de vida com Deus. É como uma conversa com um ser superior que Teresa chamava de Majestade; mas viver a familiaridade com Deus na intimidade do sentimento e do coração. Como temos visto nas múltiplas orações dos judeus, a adoração e a ação de graças devem ter prioridade. Sem elas é impossível se dirigir a Deus, pois com Ele nos enfrentaríamos como um igual a um igual, com a soberba de quem exige, não com a humildade de quem pede. O Pai Nosso é precisamente essa oração em que a santidade de Deus e sua vontade precedem às nossas necessidades.

2) As últimas preces se dirigem a quem como Pai pode remediar nossas deficiências: as vitais do corpo de cada dia, as espirituais necessárias do perdão, e a libertação de toda ação do maligno. Que este não tenha sobre nós o poder de uma tentação impossível de superar. Jesus pediu a seus discípulos essa oração na hora da escolha dolorosa da paixão. Sem essa súplica, o verdadeiro Espírito Divino não nos seria dado e facilmente seríamos arrastados pela tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mt 26, 41).

3) Com as duas parábolas Jesus mostra que a oração deve ser até importuna mas constante e ao mesmo tempo confiante, pois a quem pedimos não é um estranho ou um inimigo, mas um Pai e um Pai boníssimo. E faz uma comparação analógica entre os pais terrenos e o Pai do céu, dando a este a preferência em bondade e amor.

4) Segundo Lucas, o objetivo principal da oração é a recepção de um espírito que provenha da parte de Deus porque o nosso espírito é de tendência ao mal, sendo como somos perversos e o espírito do maligno nos pode atingir com a tentação. Ver as coisas no seu verdadeiro valor é ter o Espírito Divino que rege suas atuações e deve guiar nossos passos. Sentir-nos como filhos e ver nos outros os verdadeiros irmãos é viver esse espírito que podemos chamar de espírito que vive a Paternidade em Deus e a filiação nos homens.

http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_hom_gotas0315.htm#msg02

 

 


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