sexta-feira, 15 de julho de 2022

"VIVENDO E APRENDENDO COM A NATUREZA: LIÇÕES QUE O MAR ENSINA" - Parte I

 "VIVENDO E APRENDENDO COM A NATUREZA: LIÇÕES QUE O MAR ENSINA" - Parte I

 

Por Lindolivo Soares Moura(*)

     "Do rio que tudo arrasta se  diz  que  é violento.

      Mas  ninguém  diz  violentas as  margens queo comprimem"

                  (Bertolt Brecht)

Por durante muitos séculos o ser humano reverenciou  a natureza, convencido de que ela era uma mestra sábia e douta, e como bom e fiel discípulo se voltou para ela contemplando sua grandeza, perscrutando  seus princípios, e esforçando-se por desvendar seus segredos e mistérios.  A isso se chamou "Naturalismo", que aplicado por exemplo ao campo do Direito foi denominado "Jusnaturalismo". O Iluminismo, entretanto, entendeu que essa atitude representava uma depreciação - senão uma verdadeira  "desqualificação" - da razão, passando a assumir para com ela, a natureza, uma postura de desdém e indiferença.  Finalmente, com a chegada do Positivismo - "filosófico" com Augusto Comte, e "jurídico" com Norberto Bobbio - seu título de "mestra" parecia ter sido definitivamente caçado. A razão e a experimentação científicas chegavam com a promessa de que eram capazes, sem a ajuda de quem quer que fosse, de elucidar todas as dúvidas e resolver todos os problemas. A "mãe" natureza passou então a ser praticamente esquecida, suas leis e seus princípios, ignorados.

Felizmente essa mudança radical de rumos e de mentalidade não convenceu a todos. Mentes diferenciadas não se deixam convencer tão facilmente sssim. Para tais personalidades a natureza -  e com ela todo o universo - jamais deixariam de ser dignos de contemplação e admiração, e em muitos casos - por que não? - de imitação. Assim é que Deepak Chopra - "a estrela da nova espiritualidade", de acordo com o periódico americano 'The Guardian' - ao se referir a uma dessas mentes brilhantes faz a seguinte afirmação: " não foi a razão, o raciocínio e a argumentação que levaram Einstein a conceber a Teoria da Relatividade, mas sim o fascínio e o êxtase, nascidos da contemplação e da admiração". Verdade ou não, o certo é que Eistein já ao final de sua vida, num precioso opúsculo intitulado "Como vejo o mundo", deixaria gravadas as seguintes palavras: "A emoção mais bela e mais profunda que podemos ter é a sensação do místico. É a precursora da verdadeira ciência. Aquele para quem tal emoção é desconhecida, aquele que não consegue mais ser tomado de assombro, está praticamente morto", terminando com uma declaração que mais parece uma verdadeira profissão de fé:  "a convicção profundamente emocional, da presença de um poder de raciocínio superior, que se revela no universo incompreensível, representa minha ideia de Deus".

Contemplação e admiração entretanto, assim como o fascínio e o êxtase, pressupõem não apenas o brilhantismo da mente, mas antes e acima de tudo a transparência e a cristalinidade do olhar. Mas é justamente ai que as coisas começam a se complicar.  Que dizer por exemplo destas palavras do inesquecível poeta e escritor Otto Lara Rezende, em carta dirigida à sua grande amiga e educadora Norah Medeiros: "Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que de tanto ver a gente banaliza o olhar: vê,  não-vendo. (...) O que nos é familiar já não desperta curiosidade...o hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver: gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos. Há pai que nunca viu o próprio filho, marido que nunca viu a própria esposa. Disso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. E é por aí que se instala, no coração, o monstro da indiferença".

A presente reflexão é um convite a observarmos melhor, com atenção diferenciada, um dos fenômenos mais fantásticos com que o universo nos brinda e a natureza nos presenteia: o mar. Com suas idas e vindas, sua força e sua energia, tempestades e calmarias, ele tem com certeza muitas lições a nos ensinar, desde que, claro, estejamos dispostos e ávidos por aprender. Convido-o portanto a observar com atenção, e refletir com o coração,  sobre algumas das "lições que o mar ensina". A divisão nas partes I e II do texto tem como objetivo propiciar uma pausa na reflexão.

1° Lição: da imensidão do mar à grandeza do homem: como cortejar a nobreza. Quem entra pela primeira vez em contato com o mar, dificilmente deixa de exclamar: "como é grande, como é imenso!". Comparar-se com essa vastidão poder levar a pessoa a se sentir pequena, quase  insignificante. No entanto a grandeza do mar não se reduz apenas ao seu tamanho mas também e sobretudo à  grande variedade da riqueza de vida que ele guarda consigo. Com o ser humano não é diferente: o que importa de fato não é o tamanho de seu poder, de seu status ou de sua erudição, mas sim, a dimensão e a grandeza de sua mente e sobretudo de seu coração. Você pode possuir nobreza sem ser nobre, realeza sem ser rei, riqueza sem ter bens. Por outro lado, ainda que dominasse todas as línguas dos homens, entregasse seus bens aos pobres ou seu corpo às chamas, e fosse possuidor de todos os dons, sem a grandeza do amor tudo isso de nada adiantaria. Essa grandeza do homem ninguém lh'a tira, mas o egoísmo e o apego são traças que a corroem. Para se precaver dessa perda é preciso edificá-la sobre as rochas da magnificência e da prodigalidade.

2° lição: fujamos da superficialidade, aprendamos a ser profundos.

Você pode até não perceber, mas três tipos de diferentes águas habitam os mares: as profundas, as medianas, e as superficiais.

Nas primeiras o movimento das ondas sequer é sentido; nas segundas sim, mas com pouca intensidade; já nas terceiras, as da superfície, as pessoas são constantemente jogadas de um lado a outro umas contra as outras, e os menos cautos e inadvertidos literalmente arremessados contra os bancos de areia. Com os seres humanos não é diferente: existem aqueles que são profundos, outros nem tanto, e por fim aqueles que são superficiais. Os profundos jamais são levados ao sabor das ondas, dos ventos ou da correnteza; os medianos sim, mas ainda não com tanta facilidade; já os terceiros, os superficiais, estão constantemente sendo jogados e arremessados de um lado a outro, manipulados, explorados e sem conseguir se proteger e se defender do mar de lama das ideias e ideologias em que estão submergidos.  Atingir as grandes profundidades não é fácil, nunca foi; tanto as da vida como as do mar. Muitos atravessarão sua inteira existência como escravos da futilidade e da superficialidade: fofocas, calúnias, difamações, fuxicos e mexericos, são apenas alguns dos frutos dessa espécie de "árvore do mal". Buscar a profundidade não deveria ser uma opção, mas um fim a ser perseguido.

3° Lição: aprendendo a educar e conviver com as mais diferentes emoções. A expressão "hoje o mar não está para peixe" costuma ser bastante conhecida. Quase sempre seu significado é o de que suas águas naquele dia  não são as mais propícias e favoráveis para a atividade pretendida: nadar, pescar, navegar, e outras mais. Os mais experimentados sabem disso, os menos acabam sofrendo as consequências.

Ora, se também o mar "tem lá seus dias", que vão da tormenta à calmaria, também nós humanos temos os nossos, dias estes, ou ocasiões, em que podemos experimentar um "vai-e-vem" tão grande de diferentes paixões e emoções, que nos parece estarmos viajando por uma verdadeira montanha russa. Tais ocasiões, mais que outras, requerem calma e sabedoria. Primeiro para perceber que não existem emoções boas ou ruins em si mesmas, e sim emoções "mais" ou "menos" adequadas e funcionais. Você martela o dedo ao invés do prego, e apesar disso sua reação imediata é voltar-se para os céus: "glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!". O Deus que você criou "à sua imagem e semelhança" com certeza estará reagindo lá de cima: "falso, fingido, enganador. Não foi isso que eu lhe ensinei". Isso não significa, claro, que você recebeu um 'habeas corpus" para agir de forma irracional e estúpida, e menos ainda violentamente.Tampouco o isenta da responsabilidade de aprender a conviver e educar tanto quanto possa suas paixões e emoções. "Aprender a educar uma emoção - afirma Francis Seeburger -  é exercitar-se no aprendizado em fazer uso da "emoção certa", "na hora certa", "na intensidade certa", "no lugar certo" com "a pessoa certa", não necessariamente, claro,  nessa mesma ordem. Se você conseguir essa proeza, não precisará sentir culpa ou pedir desculpas: já viu o mar sentir ou fazer isso alguma vez?

4° Lição:  respeitar para ser respeitado: o mar não manda recado.

Diz o ditado que "Deus perdoa sempre, o ser humano algumas vezes, a natureza nunca". Com relação ao mar, se você não aprender desde cedo a respeitá-lo, poderá correr sérios riscos e danos por essa falta de atenção. "Não esqueça a bóia ou o colete salva-vidas, "não avance para além de onde seus pés não conseguem mais tocar o chão", "não mergulhe em águas profundas", "respeite o mar e ele respeitará você", são recados que podem no final das contas acabar preservando uma vida.

Ora, entre os seres humanos não pode ser diferente: desde cedo filhos e netos devem ser  educados com o princípio de que "é preciso respeitar para se ser respeitado". A experiência tem mostrado que  o respeito que brota da atitude respeitosa praticada para com os demais é superior tanto em valia quanto em eficácia quando comparado àquele que emana do posto ocupado ou da autoridade exercida. O que não significa, claro, dizer que este segundo tipo não tenha seu valor e não mereça ser reconhecido. "Você sabe por que está apanhando?" - grita o pai pela enésima vez para com seu filho. A resposta vem em forma de ironia: "sim, porque o senhor é maior do que eu". Ensinava Napoleão Bonaparte que a ordem  "compreendida" - isto é, acompanhada da explicação de seus motivos ou razões - surte sempre maior efeito que aquela que simplesmente emana do exercício da autoridade, sobretudo quando para além de seu acatamento se almeja a tomada de consciência de alguma lição a ser aprendida. Se "gentileza gera gentileza", como afirmamos com frequência, também é certo que "respeito gera respeito". Nesse sentido faz-se mister não esquecer: tanto as pessoas como o mar são ambos dignos de respeito.

5° Lição: nas profundezas é que habitam as grandes riquezas.

Peter Singer, filósofo australiano e professor de Ética Prática radicado nos Estados Unidos, sugere que se uma mínima parte da inesgotável riqueza da vida marinha, fosse sustentavelmente explorada e colocada à disposição dos seres humanos, certamente não teríamos que continuar sacrificando seres vivos - sencientes e responsivos  como nós - como condição de sobrevivência. Pesquisas recentes, por outro lado, têm apontado o chamado "pré-sal", que habita as profundezas do "além-mar", como uma das mais importantes e promissoras reservas já descobertas. Tudo isso sugere que a verdadeira riqueza não habita as superfícies, mas se oculta nos meandros e labirintos das profundidades. Do ser humano já foi dito que "o que está atrás de nós, e o que está à nossa frente, são coisa pouca  comparado ao que está dentro de nós" (Ralph Emerson). Conscientize-se, portanto, de que sua maior riqueza não está fora e nem nas coisas, mas dentro e no mais profundono de seu próprio ser. Evite tanto quanto possa a imitação, a comparação, e acima de tudo o querer ser igual a quem quer que seja. Você não é apenas "insubstituível", como lembra Augusto Cury, mas é também  incomparável, único e especial. Pessoas ou personalidade não devem ser tomadas como modelo e muito menos como espelho, assim como cada da um de nós deve aprender a brilhar com luz própria, e não sob foco ou holofotes de ninguém. Lembre--se: seu melhor referencial é o seu potencial pessoal. Respeite-o, faça dele seu parâmetro, oriente-se por ele, e evite se comparar a quem quer que seja. Da mesma forma, jamais se imponha ou se permita ser cobrado ter quer avançar para além dele, mas tampouco se satisfaça em permanecer "aquém" quando você tem condições de ser uma pessoa melhor. "Quando você diz basta, você fracassou", ensina Santo Agostinho. Mas isso só faz sentido, se disser respeito única e exclusivamente ao seu próprio potencial. Fora disso a comparação é um verdadeiro "demônio", afirmava Rubem Alves, podendo tornar-se em certos casos um verdadeiro "assassino da mente", como adverte Deepak Chopra. Seu norte e seu guia é seu potencial pessoal. Descubra-o e procure se orientar e se guiar por ele: ele é com certeza um porto seguro.

 

Obs: continua e se conclui com a parte II que leva o mesmo título. Aguarde.

(*)Possui graduação em teologia pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.

 

https://www.escavador.com/sobre/3708588/lindolivo-soares-moura

 

 

 






Nenhum comentário:

Postar um comentário