terça-feira, 12 de julho de 2022

"ARRANJOS CONJUGAIS: HIPÓTESES DIAGNÓSTI- CAS E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO" (Parte I).

 

"ARRANJOS  CONJUGAIS:  HIPÓTESES  DIAGNÓSTI- CAS E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO" (Parte I).

Por Lindolivo Soares Moura (*)


         "Casamento não é céu  e nem inferno, é apenas purgatório"(Abraham Lincoln).

 

Em psicologia, notadamente na área da clínica, quando pelas características específicas de certos transtornos, a dificuldade de definição do diagnóstico é maior e requer mais tempo para ocorrer, é comum que se vá trabalhando com o que chamamos de "hipótese diagnóstica". É raro, mas pode ocorrer que uma terapêutica colocada em ação faça uso desse recurso praticamente até o seu "término". Ao mesmo tempo, sabemos que o conceito de "cura" difere significativamente para a Psicologia e a Medicina, e que "fechar" ou definir um diagnóstico é sempre uma tarefa mais complexa e delicada no campo dos fenômenos mentais que naqueles de natureza somática ou física. Compreende-se em razão disso por que a "hipótese diagnóstica" é mais recorrente na área dos profissionais que lidam com a saúde mental, que naquela de seus colegas e parentes mais próximos, os médicos e os psiquiatras.

A temática envolvendo o que ora estamos chamando de "arranjos conjugais" é ampla,  complexa e relativamente recente, como também o é o conceito de família. Esse é o principal motivo que nos leva a realizar uma espécie de "reducionismo" na presente abordagem, considerando apenas o vínculo conjugal entendido como a união entre um homem e uma mulher, a despeito de tantos outros tidos não apenas como possíveis mas já existentes na vida em sociedade. Se do aqui proposto se pode estender parte que seja aos diversos outros tipos arranjos, fica a critério de quem nos lê e conosco reflete realizar tal transposição. Desde já, advirta-se, sem nenhum pressuposto de importância e menos ainda de hierarquia entre uns e outros.

"As fêmeas humanas - afirma o Orientador Filosófico norte-americano Lou Marinoff - também são grandes predadoras, mas sua principal presa é o próprio homem. Sua tática natural é se disfarçar de presa sexual, mas sua estratégia é subjugar a presa com o casamento". Se essa pode ser considerada uma verdade ou apenas uma hipótese diagnóstica, é algo a se discutir melhor, mas Ralph W. Emerson provavelmente concordaria com ela. Ele escreveu: "a esposa de um homem tem mais poder sobre ele que o Estado". Grande parte para a explicação desse fato certamente pode estar num outro fato, o de que a evolução cultural vem, nos últimos tempos, gradual e progressivamente se sobrepondo ou a menos evoluindo "pari passu" com a evolução biológica. Ainda que seja difícil prever as consequências que poderão advir de uma tal mudança, é preciso reconhecer que do ponto de vista estritamente biológico a natureza predispõe homens e mulheres a estratégias distintas e até certo ponto opostas de acasalamento. A chamada "guerra dos sexos" ao menos em parte pode ser diagnosticada - isto é, compreendida ou explicada - a partir dessa diferença básica ou primordial.

Do ponto de vista estritamente biológico, como dizíamos, o homem carrega consigo uma quantidade grandíssima de espermatozóides. A OMS - Organização Mundial da Saúde -  calcula que cada ejaculação produza de 1,5 a 5,0 mls de sêmem, e para que o homem possa ser considerado fértil cada ml deve conter no mínimo 15 milhões de espermatozóides, podendo chegar a 300 milhões. Por maior que seja a margem de erro que se possa admitir, estamos falando de "ciência", e os números continuariam sendo ainda estratosféricos. Para perpetuar-se portanto, como indivíduo, a natureza foi "generosa" com o homem, tornando-o capaz de fecundar um grandíssimo número de mulheres, sem grande risco de comprometer seu projeto de perpetuação, em razão da altíssima quantidade de material genético reprodutor disponível. Para que o homem satisfaça as exigências da cultura, portanto, em especial a da monogamia, é preciso admitir que do ponto de vista estritamente biológico-cromossômico ele tenha que "remar contra a correnteza", deixando de ser fiel à estratégia concebida pela natureza.

Contrariamente ao homem, que além de altíssima quantidade continua produzindo espermatozóides a vida inteira, a mulher já nasce com um número definido e limitado de óvulos, e sabe-se que com o passar dos anos vai diminuindo progressivamente sua capacidade de fecundação.  Por isso a estratégia da natureza para que ela se perpetue como indivíduo nas gerações seguintes é ser fecundada pelo "melhor" companheiro que puder atrair, como forma de dar aos seus óvulos a melhor fertilização, e se possível maior garantia de proteção e subsistência quando do nascimento dos filhos. Assim, o investimento cauteloso em cada um dos óvulos, cuja quantidade é infinitamente menor que o número de espermatozóides no homem, é parte fundamental da estratégia.

Difícil admitir, mas os fatos não mentem: homens e mulheres estão biologicamente predispostos a estratégias incompatíveis de acasalamento. Eis aí a razão do chamado "paradoxo primordial", de Benjamin Disraeli: "todas as mulheres deveriam se casar - e nenhum homem".

Francisco Daut, em seu livro de título curioso mas interessante, "A natureza humana existe, e como manda na gente", afirma que enquanto o homem é atraído - "tesão", ele diz -  para a mulher jovem, anatomicamente prendada, e acima de tudo saudável, o critério feminino de seleção é diferente: na grandíssima maioria das vezes a mulher é atraída pelo "homem interessante", devendo-se entender por interessante tudo aquilo que já mencionamos anteriormente em relação à "estratégia" biologicamente traçada pela natureza para cada um deles. Se esta pode ser considerada uma verdade científica, ou deve ser assumida no máximo como uma "hipótese diagnóstica", fica a critério de homens e mulheres fazerem suas apostas. Sempre lembrando que na medida em que a evolução cultural vai caminhando e até certo ponto se impondo em relação à biológica, aumenta sem dúvida a probabilidade de que essas diferenças diminuam. Ainda assim, os muitos casos de ajustamento conjugal em que musas da beleza se sintam "atraídas" por parceiros pouquíssimo prendados em relação ao mesmo quesito, mas "interessantes" sob diversos outros pontos de vista, parecem confirmar que a natureza continua ainda dando lá suas cartas, bem pouco interessada no que a cultura e o meio social tenham a dizer.

Mas afinal, onde se quer chegar com tal reflexão? Estamos falando aqui exatamente de quê? Se tal pergunta não havia ainda surgido, já era com certeza hora de a mesma aparecer. Pois bem, estamos falando de "arranjos conjugais", hipóteses diagnósticas e alternativas de solução. Não sei se a expressão "alternativas de solução" tenha sido a melhor; quiçá "alternativas de  compreensão" respondesse melhor aos propósitos da presente reflexão. Dúvidas à parte, devo confessar que  sempre me senti um tanto perplexo pelo que considero um excesso injustificado de valorização para com o ato sexual humano denominado "traição", máxime quando esta ocorre dentro de um arranjo conjugal determinado, e mais específicamente ainda dentro do casamento. Não consigo compreender, por exemplo, como um único ato dessa natureza possa ser responsável, em não poucos casos, pelo término de um vínculo ou relacionamento de qualidade - e portanto de fidelidade - que já perdure por anos e às vezes décadas. E por favor, alto lá: que não se conclua e muito menos se coloque em nossa boca ou nas entrelinhas do presente discurso, a pressuposição de que estejamos defendendo ou fazendo apologia à traição. Não seria justo e oxalá ninguém se sinta autorizado a concluir dessa forma. É preciso sempre muito cuidado, quando daquilo que é dito se pretende inferir o "não dito". Pontos de vista diferentes costumam ser os principais responsáveis por esse tipo de ausência de empatia e mesmo "infidelidade" para com quem escreve, se expõe, e claro, possa dentro da dialética do discurso ter um ponto de vista diferente.

Minha perplexidade começa com o fato de que, ao menos do ponto de vista religioso, o chamado "sacramento" só comece a se concretizar, de fato, quando uma espécie de verdadeiro juramento tem seu início: "eu te prometo ser fiel..." e assim segue, até o seu final, sendo tais palavras proferida por ambas as partes. Salvo engano, é o único Sacramento em que os Ministros são os noivos, e o Sacerdote - ou quem lhe faz a vez - e a comunidade são apenas "testemunhos"  em nome da Igreja. Ou seja, a essência do ato é uma promessa ou juramento, sem o qual não há Sacramento e consequentemente tampouco casamento. Segundo motivo de minha perplexidade: enquanto o termo "fidelidade" porta consigo uma grande variedade e riqueza de significados, arrisco afirmar que para cem por cento dos casais o significado de "traição", seu oposto, tanto no momento da promessa feita como posteriormente pela vida afora assume uma conotação invariavelmente sexual. Exagerando para entender, um estupro praticado "dentro" do matrimônio, por vezes não chega a ser percebido como tão grave quanto um ato sexual praticado "fora" dele. O mesmo se poderia dizer de um sem-número de outros gestos de desamor e de infidelidade que com certa regularidade costumam ocorrer nas relações conjugais. Nada, absolutamente nada, parece poder ser comparado à infidelidade de natureza sexual, nem em qualidade e tampouco em quantidade.

Um terceiro motivo a agravar ainda mais minha perplexidade está relacionado ao "modo" ou à forma como certas Instituições religiosas lidam com sentimentos, os afetos e as emoções dos seres humanos. Faz sentido, por exemplo,  "prometer" que seremos por toda a vida, até que a morte nos separe, "fiéis ao amor", ou se preferimos, "fiéis à pessoa amada"? Não seria no mínimo temerário qualquer promessa ou juramento que tenha nossos sentimentos e emoções como seu objeto ou conteúdo? Podemos ou devemos prometer aquilo para com o qual não podemos oferecer garantia alguma - exceto, claro, a boa intenção - de poder cumprir, sobretudo quando a promessa ou o juramento pressupõe a "eternidade da existência"?

Tais perguntas podem ser complexas, e claro, de difícil resposta. Dir-se-á que ninguém está obrigado a tais promessas ou juramentos, o que incontestavelmente é verdade. Mas como negar, por outro lado, que os mesmos, tais como nos são propostos - para não dizer "impostos" - nos chegam como um verdadeiro constrangimento? "Ninguém é obrigado a fazer voto de celibatário", diz-se ao candidato e pretendente ao Sacerdócio, para em seguida se complementar: "não há porém Sacerdócio sem celibato". Ignora-se o fato de que a pessoa poderia perfeitamente optar pelo primeiro, sem pretensão alguma de assumir o segundo.

Observação: esta primeira parte se completa e se conclui com a segunda, de mesmo título, a ser oportunamente publicada.                    

(*)Possui graduação em teologia pelo Instituto teológico pio XI (1983), graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (1997), graduação em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, ciências e letras (1986) e mestrado em Filosofia pela Pontificia Universidade Gregoriana ,Roma - Itália(1988) . Foi por 11 anos consecutivos professor de filosofia jurídica e psicologia Jurídica do Centro Universitário de Vila Velha, ES.Durante esses 11 anos foi Coordenador Pedagógico por 05 anos e de Ensino por 1 ano e meio do mesmo Curso de Direito. Atualmente é terapeuta de grupo, individual, vocacional, Consultório Clínico Psicológico particular. Formou-se recentemente em Psicodrama (02 anos) pelo Instituto Pegasus de Vitória, ES. Atualmente, cursa a pós graduação TCC - Terapia Cognitivo Comportamental.



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