segunda-feira, 20 de maio de 2024

"DIA DAS MÃES E DAS "NANÃES": RESPEITO, DIGNIDADE E DIREITOS IGUAIS PARA TODAS" Por Lindolivo Soares Moura(*)

 

 

 

 

"DIA DAS MÃES E  DAS "NANÃES":

RESPEITO, DIGNIDADE E DIREITOS IGUAIS PARA TODAS"

Por Lindolivo Soares Moura(*)

 

    "Por  mais que o   ser humano seja um  ser  mesquinho, enquanto uma  mãe  cantar junto a um bercinho  haverá  esperança  para  o mundo"[GiuseppeGhiaroni].

Se você recorreu ao dicionário e não encontrou o que esperava, sem problemas; não fique chateado. "Nanães" só existem de fato, no mundo real, não existindo ainda em teoria, e menos ainda no dicionário, ao menos em nosso país. A maioria delas sequer são conhecidas, quanto mais "reconhecidas". Na vida, por vezes é exatamente assim que as coisas acontecem: você existe, mas não é "percebido", e o que não é percebido, claro, é como se não existisse. O grande mestre indiano Shankara permanecera dando voltas ao redor de si mesmo por um bom tempo, literalmente sem saber o que fazer, quando retornando de um banho nas águas do  portentoso Ganges esbarrou em um "dalit" - "intocável", para os indianos - que cruzava seu caminho. "Não se incomode" - disse-lhe o dalit - "eu não existo. Sou apenas uma 'ilusão' sua. Não é isso que você ensina? Que o mundo e tudo que nele existe não passa de uma mera 'ilusão'? Não pode, portanto, ter me tocado de fato!". A vida do grande Shankara mudaria para sempre, não tanto por causa daquele encontro, como muitos pensam, mas sim por causa daquelas palavras. Para ele e para muitos outros mestres "com" ele e "depois" dele, a vida e a realidade não poderiam mais continuar sendo vistas como uma simples "miragem" ou uma mera "ilusão", tal como muitos acreditavam. "Dalits" também eram gente de carne e osso, com afetos, sentimentos e emoções como qualquer pessoa. Não podiam continuar sendo tratados como "invisíveis" e "intocáveis", como sempre haviam sido. Com suas palavras, aquele "desconhecido" em todos os sentidos da palavra, o havia trazido para o princípio de realidade, onde as pessoas vivem, convivem, sobrevivem e se relacionam. Não basta existir! Só o que é "percebido", pode de fato ser "tocado"; e tocado de maneira diferente, não sob o impulso deste estereótipo ou daquele preconceito. E ele, Shankara, que de tantos embates frente a outros grandes mestres saíra vitorioso sem grandes dificuldades, agora se encontrava ali, parado, sem saber o que fazer ou responder, tendo que se render às palavras de um pária na pessoa de um dalit.

Assim como existe um dia especial dedicado aos pais, existe também um dia igualmente especial dedicado às mães. Mais do que justo, por sinal, e nem precisamos mencionar as razões para que assim seja. Provavelmente todos, cem por cento dos filhos e filhas - considerada aquela "margem de erro para mais e para menos", sempre apontada pelos estatísticos - concordariam com isso. Aliás, poucas identidades, papéis e personalidades parecem encontrar tanta unanimidade como esse ser que responde pelo nome de "mãe", "mamãe", ser materno, ou simplesmente maternidade. Alguns inclusive preferem falar em "maternagem", termo sem dúvida mais rico e completo do que a maternidade "pura e simples", se é que se pode falar dessa forma sem incorrer em erro ou banalidade. O fato é que ser mãe - e seu correspondente necessário e imediato, "ser filho" ou "ser filha" - é "tudo de bom", expressão idiomática bem nossa, por sinal. Portanto, "long life, gratters and  congratulations to all the mothers around the world!" - " vida longa, parabéns e congratulações a todas as mães ao redor do mundo!".

 

É possível que você esteja ai, calado e pensando "com seus botões": "sim, parabéns a todas as mães e mamães do mundo todo, mas e as 'nanães', afinal? Quem são e o que houve com elas, que desapareceram assim do nada, repentinamente, como que por encanto?". Ok!Tudo bem! Você tem razão. Acabamos deixando as "nanães" no "stand by", por um momento, mas com certeza não as deixamos no esquecimento; começar falando delas sem falar das mães e mamães primeiramente, poderia parecer injusto, quase imperdoável, para muitos. Assim, podemos agora começar a falar delas, das "nanães". Esse foi o termo hipersimplificado que me veio à mente para falar de vários outros tipos de "mães" diferentes, ou simplesmente de "não mães", como parecer melhor. Em certo sentido esse novo termo ou neologismo pode ser considerado a tradução literal do inglês "NoMo" - "NoMother" - "não mãe", e que resolvi reduzir para "nanãe" em meu dicionário mental; uma  espécie de síntese do advérbio "não" com o substantivo feminino "mãe". Em alguns países, como nos Estados Unidos, por exemplo, "NoMothers" identifica toda uma geração, a geração "NoMo" costumam dizer por lá, assim como no Brasil temos por exemplo os "nem-nens" - "nem estudam e nem trabalham", que também identifica toda uma geração de jovens e adolescentes por aqui. O que eu gostaria de deixar bem claro, entretanto, é que não faço uso desse termo, "nanães", para caracterizar geração nenhuma, e muito menos levantar qualquer bandeira de "contestação" que eventualmente se imagine possa o uso desse termo carregar consigo; sequer pensei nisso, na verdade. O que gostaria com essa espécie de "neologismo", como já disse, lançado em pleno "dia das mães", é o que a seguir passo a explicar.

A primeira associação, que com muita rapidez e falta de sensibilidade, costuma ser feita para com a mulher que não abraça a maternidade, é a de estéril, incapaz e outras variantes do gênero. No passado chegou-se a estabelecer uma correlação entre esterilidade ou incapacidade física de procriação com maldição e pecado. Tempos tristes devem ter sido aqueles! Tristes, difíceis, discriminadores, de excludência e de exclusão indiscriminada. Mas pensar que essa mentalidade tenha mudado radicalmente com o passar do tempo, é um  erro tão grande quanto aquele que no passado impulsionava toda uma geração a agir de forma ultrajante e humilhante para com a mulher infértil. Mudar um juízo ou julgamento sobre algo ou alguém, a princípio pode não ser tão difícil quanto pareça, mas mudar toda uma mentalidade é coisa muito, muito diferente e muito mais complicada. Mentalidades "migram" com facilidade, e migrar não é exatamente o mesmo que "mudar" radicalmente. A mentalidade preconceituosa, discriminadora e excludente, que no passado julgava e condenava a esterilidade ou a incapacidade de gerar filhos, apenas segue migrando ou "redirecionando" seu olhar e se juízo no tempo presente: mães "adotivas", mães "solteiras", mães que adotam filhos e filhas de uma "cor diferente" da cor da adotante, mães "homoafetivas" e suas variantes, mães por "inseminação artificial", mães por gestação em "um ventre de uma outra mãe", todas essas - dentre outras, naturalmente  - são mães que de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, continuam sendo alvo de uma "mentalidade migratória" persecutória, preconceituosa, excludente e condenatória. No mínimo, no mínimo, vítimas de um olhar vesgo e atravessado: mental, afetiva e emocionalmente. Nenhuma cultura, seja ela religiosa ou não, parece conseguir sobreviver sem os seus "dalits" - os intocáveis e excluídos de todos os tempos. "Migrar" de alvo, sempre que necessário, ou por simples "conveniência", conforme o caso, tem sido a principal estratégia da qual essa mentalidade deturpante, excludente e discriminatória tem lançado mão ao longo da história, não só para perpetuar como também, sempre que possível, ampliar seu campo e raio de ação. "As ideias e as crenças - dizia certo autor desconhecido - movem o mundo com seus pezinhos de lãs". Ideias, percepções e crenças, por sua vez, forjam ideologias e mentalidades, e estas não mudam senão sob o impulso de muito esforço e muita determinação. A tendência natural é manter o "status quo": para com o diferente aplica-se a marca "preconceito" - leia-se: "não é dos nossos!" - assim como se marca a ferro e fogo cada cabeça de gado, e pronto! Está feito! Exige muito menos. Daí para frente, na melhor das hipóteses , "dane-se!". Na pior delas, "foda-se!"; não é mais problema nosso!

Associar com "egoísmo puro" a opção ou decisão por não ser mãe, tem sido, por outro lado, uma das formas mais cruéis e desumanas que o discurso cultural tem assumido, ora de forma discreta e sorrateira, ora explícita e escancaradamente aberta. Muitas vezes esse discurso se origina na mentalidade religiosa - como é triste reconhecê-lo! -  reforçando-a, e ao mesmo tempo sendo por ela reforçado. Isso chega a ser no mínimo curioso e estranho, visto que sacerdotes, frades e freiras se dizem "celibatários" - abrindo mão, portanto, da paternidade e da maternidade - "POR CAUSA DO REINO DE DEUS " - ou em razão da missão e do serviço a esse mesmo reino, dá no mesmo. A pergunta que fica por ser respondida - pois sempre resvala em discursos tendenciosos e insuficientes - não poderia ser outra: seria a modalidade de atuação dos frades, freiras e sacerdotes, a única forma aceitável e nobre de se poder servir a Deus ou de se colocar a serviço de seu reino? Servir aos homens não seria também uma forma igualmente legítima e virtuosa? Pode-se amar a Deus, a quem não se vê, sem que se ame antes, e antes de tudo, o irmão de carne e osso? É realmente necessária uma interpretação muito estreita e ideologicamente arbitrária para que a não opção pela maternidade ou a paternidade sejam consideradas "virtude" e "benção", por um lado, e "egoísmo", "reprovação" e "condenação" ainda que velada, por outro. O fato é que o discurso religioso se alia ao discurso cultural reforçando-se mutuamente um ao outro, e culminando naquilo que se poderia muito apropriadamente ser chamado de "caixa de ressonância". Outra pergunta que não quer calar: se padres, frades e freiras não se casam e consequentemente não têm filhos - ao menos é isso o que se pressupõe - data venia, e com o devido respeito, convenhamos, - tomando emprestada a expressão que pertence ao Direito - deveriam por lógica e consequência ser os últimos a opinar e mais ainda a "legislar" sobre o assunto: em causa própria não faria sentido algum, como se depreende da opção celibatária que abraçaram; em favor da causa alheia, menos sentido ainda, já que eles pouco ou nada entendem "de fato" do assunto. Se o discurso for feito "ex cathedra", então, toda prudência resulta insuficiente. Colocar a "infalibilidade" em jogo em tais questões pode ser uma perigosa forma de se estar a "tentar o próprio Deus", coisa que até Jesus, como é sabido, evitou por inúmeras vezes. Melhor nesse caso o silêncio; "obsequioso silêncio", tal como era e suponho continuar sendo chamado o silêncio imposto àqueles e aquelas que de algum modo discordam da "sagrada, eterna e sã doutrina".

Para simplificar: a opção ou decisão por não abraçar a maternidade - e por via de complemento, a paternidade - deve ser considerada tão sagrada quanto aquela que a maternidade tenha abraçado. Portanto é uma decisão que requer e exige "respeito", antes que qualquer atitude ou discurso de "tolerância". A rigor, só quem pode e detém autoridade para proibir ou interditar pode também "tolerar" ou admitir em "regime de exceção". A um direito inato ou adquirido cabe "respeitar", "defender" e "celebrar", e não simplesmente "tolerar"; isso não basta, visto que insuficiente. Diante da "'in'-tolerância" a "tolerância" pode e até deve, claro, ser considerada uma virtude. Mas quando comparada ao "respeito", ainda que sem deixar de ser virtude deve ser considerada uma virtude de menor potencial, de menor calibre ou menos nobre. Qualquer discurso condenatório, ou ainda que meramente "reprobatório", para com a decisão ou opção pela não maternidade, deve sempre ser precedido por uma espécie de "pente fino" - "cinco vezes filtrado", como atestam certos tipos de azeite nos supermercados - sob pena de produzirem consequências e frutos que estão muito mais para joio do que para trigo. E isso, claro, não é nada bom.

 

Assim como muitos discursos e falas "anti-racistas" são racistas sem sequer se darem conta disso - como pode haver conflitos "entre" raças se só existe uma única e mesma raça humana? - muitos discursos e falas sobre tolerância costumam esconder desrespeito inaceitável e preconceitos gritantes para com minorias de tipos diversos. As mulheres que não optam ou não optaram, não se se decidem e não se decidiram pela maternidade, constituem apenas um desses grupos, que aqui estamos chamando de "nanães" - NoMo, NoMothers, ou simplesmente "não mães" em tradução livre. O princípio apontado pela própria Igreja também pode e deve ser aqui aplicado, ainda que de forma análoga, evidentemente. Eis o que ela afirma: "satisfaçam-se em primeiro lugar as exigências da justiça, para que não se dê como caridade o que já é devido a título de justiça. Eliminem-se as causas dos males e não só os seus efeitos (...)" ("Sobre o Apostolado dos Leigos", Encíclica do Concílio Vaticano II). E se no presente caso, o respeito é notória e declaradamente devido, não se deve falar em tolerância. Isso seria um erro. E todo erro, como se sabe, sempre que possível deve ser evitado.

Parabéns a todas as mães, vivas e falecidas - estas continuam e continuarão sempre vivas em seus filhos, filhas e netos.

Parabéns igualmente a todas as mulheres que de maneira consciente e responsável, e não por pura leviandade ou libertinagem, fizeram opção diversa ou diferente pela não maternidade. "No interior da pessoa humana sequer a Igreja entra", afirma outro princípio sustentado pela mesma Igreja. O chamado ou a vocação a ser mulher é dirigido a todas! Já o chamado ou a vocação a ser mãe, não a todas necessariamente!

O último e mais importante lembrete fica por conta de Gibran Khalil Gibran, em "O Profeta": "vossos filhos não são vossos filhos. São filhos e filhas da saudade da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de vós, e embora vivam convosco não vos pertencem!".

Um feliz e abençoado "dia das mães" para todas as mães e "nanães" desse fantástico e lamentavelmente maltratado planeta!

                     L.S.M.: 05/24

(*) Reflexão enviada pelo autor- via  whasapp, de Vitória(ES).

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