segunda-feira, 3 de março de 2025

07. REFLETINDO A PALAVRA I E II

 

07. REFLETINDO A PALAVRA I

 

- "É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação" (2Cor 6,2). A Quaresma, dentro do ritmo anual da Igreja, destaca-se como um período privilegiado para a revisão de vida, para refletir sobre a história pessoal e sobre o modo como cada um se orienta rumo a Deus. Esse tempo litúrgico nos convida para atitudes fundamentais diante do Senhor: humildade, arrependimento e conversão. A Quaresma possui uma dupla índole: recordação ou preparação para o Batismo e prática da penitência. O objetivo é, como afirma a Sacrosanctum Concilium (nº 109), fazer "os fiéis ouvirem com mais frequência a Palavra de Deus e entregarem-se à oração", preparando-os para celebrar o mistério pascal.

 

- São Paulo exorta a comunidade: "Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus" (2Cor 5,20). Essa iniciativa de reconciliação parte de Deus, que deseja restaurar o relacionamento conosco. Ele nos convida ao reencontro e nos mostra o caminho por meio da Igreja e de seus ministérios. Através dos sacramentos, da pregação e de todas as formas de serviço e oração, a Igreja atua como mediadora do ministério da reconciliação, convidando-nos a acolher em nossas vidas o dom divino do perdão.

 

- Os cristãos estão expostos à tentação do pecado e muitas vezes caem. O pecado ofende a Deus e elimina a relação de comunhão da pessoa consigo mesma, com o irmão, com as coisas criadas e com Deus. A Igreja, que continua a missão de Cristo, deve servir à reconciliação da pessoa com todas as coisas. E ela fará isso pela pregação e pela prática da penitência na liturgia e na vida, para que o pecador receba a graça do perdão de Deus e da comunidade eclesial, com o consequente retorno à comunidade.

 

 - A Igreja reza como o profeta Joel: "Perdoa, Senhor, a teu povo" (Jl 2,17). Ela proclama o convite do Senhor à penitência: "Voltai para mim com todo vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos" (Jl 2,12). É preciso que este retorno ao Senhor seja manifestado, não apenas com gestos externos, mas internamente, no coração, onde apenas o Pai vê.

 

- O gesto exterior de rasgar as vestes se tornou apenas uma forma de mostrar a própria justiça na frente dos homens, só para ser visto por eles, como denuncia Jesus no Evangelho. É o perigo da vaidade, ou seja, de exibir uma vida santa para os outros que não diz respeito à realidade interior: isso é hipocrisia. Com a máscara (= "hipócritas") de santidade, se falseia a justiça cristã, retira dela a sua pureza, que deveria buscar só a Deus e não os aplausos dos homens. Quem se move no palco de sua vaidade, não busca a Deus, mas apenas a si mesmo. Por isso "já recebeu a sua recompensa". O castigo dos vaidosos é ter aquilo que sempre procuraram: a si próprios.

 

 - Os exercícios quaresmais que a Igreja propõe são um caminho para a realização da reconciliação. O cristão empreende um esforço exigente para, através dos sinais externos, e com boa disposição interna, realizar em sua vida a conversão que deve-lhe mudar as atitudes e pensamentos. Pelo jejum medicinal, ao privar-se do alimento terreno, o cristão reconcilia-se consigo mesmo: passa a ser o senhor de seus próprios desejos, aprende a saborear o Pão da Palavra e da Eucaristia, e assim, na luta contra o pecado, sai mais fortalecido. Pela oração feita de coração e com fé, sem exibicionismos, o cristão reconcilia-se com Deus, reata à relação perdida com o Pai. A oração bem feita se transforma em um diálogo de amor, que acolhe de coração aberto a vontade de Deus, e pede com amor pelas próprias necessidades e pelas necessidades do mundo. Por fim, o exercício da caridade, que move o cristão ao encontro do outro, promove a reconciliação com o irmão e a irmã. Sendo capaz de enxergar e acolher o outro em sua miséria, sentiremos o dever de repartir com ele o que temos e somos, o que de Deus recebemos, e dentre estes bens essenciais, o dom do perdão que não deve ser de modo algum negado.

 

- Na Quaresma, a Igreja no Brasil também se compromete com a reconciliação social por meio da Campanha da Fraternidade. Neste ano, ela nos convida a refletir sobre a Ecologia Integral, ouvindo o clamor da terra e dos pobres. Vivemos uma década decisiva para a crise socioambiental, e o cristão, transformado pela conversão quaresmal, deve irradiar o amor que acolhe toda a criação, pois Deus, ao criar, viu que "tudo era muito bom" (Gn 1,31).

 

 

 

08- REFLETINDO A PALAVRA II

PERDOAI-NOS, SENHOR, PORQUE PECAMOS

A Quaresma inicia com um chamado à conversão: “convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,25). A vida do cristão é um constante processo de conversão a Deus. Somos tentados de muitos modos para nos desviar- mos de Deus e dos seus caminhos e a construir uma vida sem Deus. A grande e mais perigosa tentação é a da autossuficiência, aliada à soberba: achar que não precisamos de Deus, que nos bastamos a nós mesmos, que podemos, tomar o lugar de Deus. E então passamos a viver em pecado. Talvez não vejamos motivos para nos convertermos e achamos que está tudo bem em nossa vida. E vivemos friamente nossa fé e nossa relação com Deus e o próximo e não progredimos na vida cristã. O chamado à conversão é para nos voltarmos para Deus novamente, abandonan- do a atitude de soberba e autossuficiência. O chamado à conversão é concreto: é reconhecer que Deus é Deus e que nós não somos deuses; é abraçar sua vontade, praticando os mandamentos; é vivendo a caridade para com o próximo e não fechar o coração diante de suas necessidades e sofrimentos. A Quaresma nos recorda a atitude de penitência e conversão, que deve acompanhar toda a nossa vida, até o último dos nossos dias neste mundo. Neste ano, mediante a Campanha da Fraternidade, nosso processo de conversão passa também pela revi- são de nossas atitudes em relação ao cuidado do mundo criado por Deus. No final do relato bíblico da criação do mundo, Deus contempla a sua obra e se alegra. “Deus viu tudo o que tinha feito. E era muito bom” (Gn 1,31). Isso significa que era harmonioso, sem maldade, bonito e funcionava bem. O problema vem depois, com a história do pecado de Adão e Eva, que se deixaram levar pelo tentador e pretenderam ser como Deus. A partir daí, entrou a desarmonia e a confusão no mundo. Começaram as brigas e a violência, a ambição desmedida, a ganância, a sede de poder e o descaso de um pelo outro. E também se estragou a relação do homem com a natureza. Em vez do cuidado do “jardim de Éden”, que Deus colocou sob os cuidados de Adão e Eva, começou uma relação de domínio e de exploração do homem sobre a criação de Deus. Assim chegamos ao ponto de termos um mundo cada vez mais descuidado e até hostil ao homem. Se não nos convertermos nas nossas relações com a natureza, ela deixará de ser a casa comum de toda a família humana para se transformar numa casa inabitável, hostil e em ruínas. “Fraternidade e ecologia integral”: este é o tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Ao longo da Quaresma, somos chamados a uma conversão que inclua nossas relações com a natureza: reconhecemos que ela é um dom precioso do Criador, não apenas para nós, mas também para as futuras gerações? Cuidamos do ar, da água, do verde, da vida de todos os seres e da pessoa humana, que também é parte desse mundo maravilhoso criado por Deus? Ou colaboramos com a nossa parte para que este mundo fique cada dia um pouco menos belo, bom e habitável? O cuidado do próximo, em quem reconhecemos um irmão e uma irmã (“fraternidade”), é parte da ecologia integral. Todas as injustiças e violências, todo desprezo e ódio contra o próximo é contrário ao plano de Deus em relação à criação. Um mundo bem zelado e cuidado também é sinal de fé e de esperança. Neste Ano Jubilar, vivamos a Quaresma na perspectiva da conversão e da busca do perdão de Deus. E reviverá a esperança para nós e para o mundo. Somos todos “peregrinos de esperança”.

 Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de São Paulo

https://arquisp.org.br/wpcontent/uploads/2025/01/Ano-49C-19-4a-FEIRA-DE-CINZAS.pdf

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