I- IX-REFLEXÃO DOMINICAL III
O lugar e o remédio das tentações
Frei Gustavo Medella
Ao comentar o fato de Jesus, homem e Deus, ter-se submetido às
insídias do maligno no deserto, São Leão Magno afirma: “O Senhor permitiu que o
tentador lhe visitasse, para que nós recebêssemos, além da força de seu socorro,
o ensinamento de seu exemplo”. Fica explicitada, desta forma, a função
pedagógica do episódio que pode e deve ser aplicada na vida pessoal de cada
cristão e também da comunidade de fé. Trazer para nossa realidade o perigo das
tentações e buscar em Cristo – por sua força divina e seu exemplo humano – o
caminho para superar tais riscos são duas ações que sintetizam a proposta
central do Tempo da Quaresma: penitência e conversão.
Sobre a atualidade das tentações e os exercícios disponíveis
para superá-las, o franciscano Santo Antônio de Pádua escreve em seus Sermões:
“Observa ainda que, como o diabo tentou o Senhor pela gula no deserto, pela
vanglória no templo e pela avareza sobre o monte, assim também faz conosco hoje
em dia: tenta-nos pela gula no deserto do jejum, pela vanglória no templo da
oração e do ofício, e por muitas formas de avareza no monte de nossos ofícios”.
Chamam atenção os ambientes onde tais tentações são apresentadas e os
exercícios quaresmais aos quais elas estão relacionadas.
A tentação da gula no
deserto
Deserto é lugar de grande espaço vazio, da solidão, onde o ser
humano se confronta com a própria pequenez diante da imensidão vazia que
percebe a seu redor. Vazio que expressa também o vácuo interior de carências e
necessidades que cada um traz dentro de si. É justamente no afã de preencher
este vazio que a pessoa sucumbe à tentação da gula que, para além da voracidade
em obter e ingerir alimentos, expressa a ilusão de quem acredita que a
plenitude de sua vida está numa postura de consumo exagerado, na busca
desenfreada por luxos e prazeres que se mostram escandalosamente passageiros e
perecíveis.
O jejum, neste caso, é o exercício corajoso daquele que se
coloca sem medo diante das próprias necessidades, buscando responder
honestamente a questões que são incômodas, mas, ao mesmo tempo, profundamente
libertadoras: “Por que, apesar de minha vida social agitada e cheia de luxos,
sinto-me tão infeliz? Preciso mesmo de todo este aparato para viver de forma
digna e sóbria? Até que ponto esta lógica de consumo e superficialidade também
se estende no universo de meus relacionamentos?” Quem tem a ousadia de buscar
respostas sinceras a tais perguntas, certamente chegará a respostas que
mostrarão um caminho de maior sobriedade e consistência existencial.
A tentação da vanglória
no templo
Templo é lugar de cultivar a relação com o Sagrado, de forma que
a este tipo de tentação, a princípio, estão sujeitas as pessoas que se
identificam com práticas religiosas, às vezes mais ou menos
institucionalizadas. É o caminho do fanatismo, da intolerância, do julgar-se
mais perfeito do que seus semelhantes, do compreender a figura de Deus como um
devedor de alguém (no caso o próprio crente) que, em tese, lhe é tão fiel na
observância de doutrinas e práticas bem delineadas.
O antídoto para esta delirante tentação é a oração humilde, que
brota de um coração que se percebe pequeno e fragilizado. É a reza sofrida e
esperançada do publicano (Lc 18,9-14), que não se vale dos próprios méritos,
mas entrega-se com confiança à misericórdia infinita do Pai. Encontrar esta via
de uma oração sincera e despretensiosa de qualquer vestígio de vaidade é achar
o tesouro de uma relação íntima e amorosa com Deus.
A tentação da avareza no
alto do monte
Alto do monte é o lugar das responsabilidades e encargos que
cada um possui em sua caminhada. Diz das posições de poder que a pessoa alcança
em seu percurso existencial. No entanto, na perspectiva cristã, nenhum poder é
finalidade em si mesmo, mas sempre deve estar a serviço da promoção do bem
comum. A tentação de amarrar-se a uma posição de mando ou coordenação como meio
de sustentar-se em privilégios e garantir-se no acúmulo de bens é uma armadilha
perigosa que conduz ao isolamento do egoísmo e da desumanização.
Para vencer a avareza, o exercício proposto é o da esmola, da
partilha generosa ao modo do discreto e silencioso óbolo da viúva (Mc 12,41-44)
que, ao dividir o pouco que possuía, manifestou a riqueza de um coração capaz
de confiar em Deus e se doar ao próximo.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário
para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a
profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero
em 2 de julho de 2011
https://franciscanos.org.br/vidacrista/liturgia/primeiro-domingo-da-quaresma-2/#gsc.tab=0
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