sábado, 8 de março de 2025

Campanha da Fraternidade de 2025: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)

 

 

I-             Campanha da Fraternidade de 2025: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)

 

Por Moema Miranda, ofs*

 

Em 2025, a Campanha da Fraternidade acolhe o tema mais desafiador de nosso tempo: a ecologia integral. Neste artigo, reconhecendo a profundidade da emergência ambiental que atravessamos, procuramos refletir sobre as razões das dificuldades em tratar esse como um tema central. A tradição cristã pode nos ajudar a ampliar nosso compromisso com a defesa da criação. O tempo para agir é agora.

 

1. DE ONDE PARTIMOS?

A Campanha da Fraternidade (CF) – que começou a ser celebrada nacionalmente em 1964, “como expressão da solidariedade da Igreja em favor da dignidade da pessoa humana” (CNBB, 2024, p. 15) – é uma das mais consistentes e persistentes iniciativas pastorais da Igreja no Brasil. Acompanhando a Quaresma, tempo de penitência e conversão, contribui para estimular uma espiritualidade encarnada, na qual fé e vida comunitária se abraçam. A dimensão pessoal e intransferível de nosso seguimento de Jesus de Nazaré, morto e ressuscitado, realiza-se em plenitude na comunhão com toda a Igreja, o corpo místico de Cristo atuante no mundo, que, por sua vez, é o lugar da encarnação do próprio Deus. Assim, Quaresma, para nós, é tempo de penitência, conversão e expressão comprometida de solidariedade com toda a criação.

Neste ano, o tema da CF, escolhido por sugestão da Comissão Episcopal Especial para Mineração e Ecologia Integral, tem uma atualidade desafiadora. Escrevo este artigo quando, em nosso país, as chamas de incêndios comprovadamente criminosos destroem florestas e matas, afetando incontáveis vidas humanas e não humanas: sofrem e choram flores, rios, aves, peixes e pessoas, sufocadas pela fumaça e pelo calor. A CF, então, amplia seu sentido de solidariedade para abranger não apenas a “dignidade da pessoa humana”, como no início, mas também a todos os seres viventes, a toda a biosfera. Acolhe os seres não humanos, como florestas e rios, seres que sentem dor e morrem. Assim,
a fraternidade que a CF suscita é expandida em espírito profundamente franciscano e se torna, no mundo, chamado à fraternidade universal. A água irmã e a terra mãe se unem em oração, para que a CF estimule atitudes de penitência e conversão pessoal e social na mesma proporção dos pecados ecológicos que presenciamos.

Na Quaresma de 2025, sabemos que o mundo estará ainda mais quente do que agora: os acontecimentos ambientais que atravessamos não são passageiros. Eles, no entanto, não podem nos deixar paralisados. Como fiéis seguidores do Ressuscitado, experimentamos e alimentamos a esperança apocalíptica que nasce em meio à catástrofe; que resplandece mesmo na noite escura; que nos acompanha na travessia dos abismos profundos, alimentada pela confiança em que não estamos sós: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mt 28,20), disse-nos Jesus. Assim, alimentados pela teimosa esperança dos que vencem a morte, devemos e podemos nos preparar desde já para que a Quaresma de 2025 nos encontre dispostos a gestos concretos de cuidado com toda a criação.

2. PARA VER, DEVEMOS ABRIR OS OLHOS, O CORAÇÃO E A ALMA

Quando cantamos hinos de louvor e júbilo pela incrível beleza da criação, sentimos nosso coração em festa, como se realmente juntássemos nossa voz à voz dos anjos. Quando olham maravilhados os ipês floridos ou as noites estreladas, o orvalho da manhã ou a aurora de cada novo dia, os poetas fazem versos e festejam a beleza deste planeta tão especial em que vivemos e ao qual pertencemos; onde somos, existimos e nos movemos. Sim, o nosso é um planeta muito especial. Único. Em todo o cosmos que a ciência humana já pode enxergar, existem trilhões de outros planetas, bem como bilhões de estrelas semelhantes ao Sol. Em nenhum deles, porém – até onde os telescópios alcançam –, existem condições propícias à vida: lá não podemos habitar. Lá não podemos louvar a Deus. Aqui na terra, ao contrário, nos nossos mais de quatro bilhões de anos, a vida floresceu de forma cada vez mais densa, plural e ampla. Como diz a canção: “A vida depende da vida para sobreviver”. Desde seu começo, a vida gerou mais vida, criando a biosfera.
O nosso é um “planeta simbiótico” (Margulis, 2001, p. 1), onde as espécies vivas interagem entre si e com todos os elementos planetários: a hidrosfera, a atmosfera etc. Aqui, toda a vida é alimentada pela energia que vem do Sol e, com ela, podemos dizer que somos seres cósmicos. A natureza, portanto, não é apenas a paisagem onde nós, seres humanos, desenvolvemos nossas atividades, sejam elas salvíficas ou não. Como disse o papa Francisco, aqui “tudo está interligado” e os seres dependem uns dos outros. Portanto, neste universo, “composto por sistemas abertos […], [somos levados] a pensar o todo como aberto à transcendência de Deus, dentro da qual se desenvolve. A fé permite interpretar o significado e a beleza misteriosa do que acontece” (LS 79).

No entanto, no Ocidente, desde a Modernidade, ou seja, há pelo menos quinhentos anos, a natureza começou a ser compreendida como “recurso”: como meio de produção destinado à economia humana. Como se fosse inerte, morta, um mecanismo desencantado. O sucesso, em termos tecnológicos e econômicos, possibilitado por essa concepção fez que as noções de “progresso” e “desenvolvimento”, por nós hoje compartilhadas, implicassem extrair, saquear e devastar a terra, os rios, os mares e florestas, de forma incompatível com o metabolismo do planeta. Se entendemos que a Terra é um “superorganismo vivo”, vamos compreender facilmente que tirar da terra, sem dar tempo de regenerar; derrubar, sem esperar renascer; poluir, sem deixar descansar, exaure, cansa e mata. A economia baseada no uso intensivo de petróleo e carvão leva todo o sistema planetário a um estresse desmedido: ao colapso. Nosso sistema alimentar, baseado na indústria da carne e da soja, no envenenamento da água, do solo e do ar pelo uso abusivo de agrotóxicos, para exportação a grandes distâncias, sem descanso e sem trégua, adoece o planeta tanto quanto os corpos humanos.

O mais problemático é que esse modelo se baseia em ideias interiorizadas pela maior parte das nossas sociedades, segundo as quais consumir é sinal de sucesso. Como dizem alguns filósofos, o capitalismo é uma religião, e o shopping center, que estimula para o consumo desmedido de itens desnecessários a parte da população que pode pagar por eles, é seu grande templo. Por isso, é preciso levar a sério a pergunta: “não seria o capital um novo deus, que nos torna novamente devedores?” (Han, 2014, p. 18).

O papa Francisco, na exortação Evangelii Gaudium, afirmou que “a realidade é superior à ideia” (EG 231-233): quer dizer, a realidade, e não nossas ideias sobre ela, tem precedência. Infelizmente, porém, muitas vezes nossas ideias mais viscerais, mais profundamente internalizadas ao longo de anos, dificultam a compreensão das mudanças profundas pelas quais estão passando nosso planeta e nossas sociedades. Assim, ainda que vejamos – com nossos olhos físicos – as chamas das queimadas e o alagamento de cidades inteiras, a morte de pessoas queridas e de muitos outros seres vivos por desastres e catástrofes provocadas pela ação humana, ainda acreditamos – com os olhos de nossas ideias, de nossa mente – que construir estradas, extrair petróleo e abrir minas é sinal de progresso. É o que os cientistas chamam de “dissonância cognitiva”: nossos olhos veem, mas nossas ideias não registram a magnitude das mudanças. Assim, vemos, mas não enxergamos. Aplica-se ao nosso tempo o que disse Jesus: “Eles, vendo, não veem e, ouvindo, nem ouvem nem entendem” (Mt 13,13).

O sistema que organiza nossa economia, o capitalismo, estrutura-se, como o próprio nome diz, em torno do “capital”. Os interesses de crescimento do capital é que definem seu propósito e sentido. Lamentavelmente, nem sempre o que é bom para o capital é também bom para as pessoas, para os rios, para a atmosfera, enfim, para o mundo da vida. Apenas um exemplo: quando moramos em um lugar onde existe água abundante e de boa qualidade, nenhum de nós vai pagar para usar a água. Ela flui, e todos os seres dela se beneficiam: as lavadeiras, os girassóis, os peixes e as pessoas. Nesse lugar onde há água em abundância, ela é um bem valioso, mas não é mercadoria. Portanto, não tem preço. Todos ganham mais vida e saúde com a pureza da água, mas ninguém ganha dinheiro. Ou seja, esse lugar é muito bom para a vida, mas não é bom para o capital, porque ali não há um dono que lucra com a privatização da água! Trata-se de um dos vários paradoxos do sistema capitalista: quanto mais escasso um bem, mais valioso para o capital.

A grande e dramática questão é que o uso intensivo e abusivo dos bens da natureza, compreendidos como “recursos naturais”, está levando nosso planeta à exaustão. Passamos a viver um novo regime climático, que exige urgentemente a “reorganização do nosso mundo material”. Como diz o filósofo Bruno Latour, a emergência climática faz que a habitabilidade do planeta seja central. Portanto, ela deveria se “tornar a questão prioritária, à qual todas as demais questões políticas e econômicas estão agora sujeitas. O novo regime climático introduz uma inversão completa da cosmogonia”. Pensávamos que éramos “proprietários” da Terra, quando, na verdade, somos posseiros, passageiros, peregrinos (Latour, 2022).

Efetivamente, o verso do “Cântico das criaturas”, de São Francisco, antecipa em séculos a conclusão das ciências contemporâneas: a Terra nos sustenta e governa. Se ela governa, define os limites. Aceitar e reconhecer limites é urgente e indispensável em um planeta que é limitado, vivo, autopoiético. Assim, garantir que a Terra continue a ser habitável, diz-nos o filósofo, deveria ser o centro de nossa ação política. A expressão “cuidar de nossa Casa Comum”, portanto, deve ser entendida assim: estabelecer como prioridade absoluta a garantia da habitabilidade do planeta e, com base nesse propósito, organizar todas as nossas ações políticas, econômicas, culturais, educacionais e sociais. Sem o planeta Terra, não temos “plano B” para acolher a vida.

Com esse olhar, que compromete toda a nossa emoção, nossa alma e nosso futuro, cumpre-nos levar muito a sério o que nos diz o Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2025:

A origem da crise socioambiental no mundo e no Brasil é complexa e tem muitas faces, envolvendo uma conjunção de fatores históricos, sociais, econômicos e políticos. O modelo de desenvolvimento capitalista, baseado na exploração dos patrimônios naturais, na queima de combustíveis fósseis, como os derivados do petróleo, na expansão desenfreada do consumo e na relação mercantilista com a natureza, tem contribuído para uma série de problemas ambientais, como a degradação do solo, o desmatamento, o extrativismo predatório, a poluição, a escassez de água, o comprometimento da biodiversidade com a extinção de algumas espécies e as mudanças climáticas (CNBB, 2024, n. 26).

O novo regime climático exige de nós uma conversão inédita. Nunca antes nossa espécie esteve confrontada de maneira tão definitiva com uma exigência como essa. Portanto, não temos modelos que nos conduzam no percurso de volta ao compromisso e ao respeito com nossa Casa Comum. Sabemos, porém, a direção. Como afirmou o papa Francisco na Exortação Apostólica Laudate Deum, devemos seguir para a “reconciliação com o mundo” (LD 69). Precisamos alterar as ideias e as práticas que nos levaram a tornar a Terra um lugar inóspito para a vida. Os povos indígenas, os quilombolas, os geraizeiros, os ribeirinhos e os camponeses têm muito a nos ensinar sobre o modo de viver em comunhão com a Terra, e a tradição cristã permite que tenhamos uma bússola para essa transição tão urgente! Vejamos.

3. AMAR COMO JESUS AMOU

 Nossa Igreja tem um longo e belo percurso de cuidado com a criação. Desde São João XXIII, todos os papas foram explícitos na condenação à exploração desmedida dos bens da natureza. As conferências episcopais de todos os continentes vêm continuamente emitindo pronunciamentos nessa mesma direção. Aqui no Brasil, foram várias as Campanhas da Fraternidade desenvolvidas com temas ecológicos. Também as pastorais sociais, já com a criação do Conselho Pastoral dos Pescadores, em 1970, do Conselho Indigenista Missionário, em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra, em 1975, atuam firmemente em defesa da criação.

Foi como herdeiro dessa sólida tradição que, em 2015, o papa Francisco escreveu a primeira encíclica ecológica de nossa Igreja, a Laudato Si’. A encíclica completará dez anos em 2025 e tem sido uma referência indispensável, dentro e fora da Igreja, para os que buscam caminhos de conversão ecológica. A encíclica integra a Doutrina Social da Igreja, devendo ser lida e estudada como parte de um compromisso profundo e renovado do magistério.

A magnitude da crise ambiental, no entanto, exige que reconheçamos, como fez o papa Francisco, que muitas vezes uma interpretação equivocada dos textos bíblicos foi utilizada como justificativa para atitudes de domínio despótico sobre a natureza. Diz o papa:

foi dito que a narração do Gênesis, que convida a “dominar” a terra (cf. Gn 1,28), favoreceria a exploração selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma interpretação correta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criatura. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a “cultivar e guardar” o jardim do mundo (cf. Gn 2,15) (LS 67, grifo nosso).

 Assim, a Campanha da Fraternidade de 2025 nos convida a uma leitura profunda, comprometida e inspiradora dos textos sagrados, com uma hermenêutica apropriada. Com isso, a dimensão de carinho e amor pela criação vai se nos revelando de forma apaixonante. Toda criação é fruto do amor de Deus, que cria e admira, vendo que “tudo era muito bom” (Gn 1,31). A primeira narrativa bíblica “contempla o ser humano no meio dos elementos que, na fé do Israel bíblico, têm grande importância. Não cabe ao ser humano uma autonomia absoluta em relação aos seres criados. A bênção e a Aliança não são apenas para o ser humano, mas para ‘toda a carne sobre a terra’ (Gn 9,17)” (CNBB, n. 67). Assim, a arrogância humana, que alimenta o que o papa Francisco identifica como um “antropocentrismo despótico” (LS 68), não tem base bíblica. Ao contrário, implica uma distorção das Sagradas Escrituras. Nosso Deus é Deus da vida. Deus que dá a Vida. O valor intrínseco de todas e de cada uma de suas criaturas se revela na Bíblia: a água, o ar e o vento, os animais e as plantas não existem para nós. Eles têm valor em si mesmos e, como nos dizem os Salmos, louvam a Deus com sua existência.

O Texto-base da Campanha da Fraternidade mostra também como, na experiência do Êxodo, o Israel bíblico recebe de Deus mandamentos nos quais o cuidado com a preservação da natureza está claramente expresso: “O legislador israelita já reconhece a necessidade de que leis ambientais protejam a fauna e flora”, da mesma forma que “as leis mosaicas ordenam o respeito às plantas. […] Mais ainda: a generosidade da terra estimula o ser humano a ser generoso com toda a criação, da qual ele é parte integrante” (CNBB, 2024, n.74-76).

Jesus de Nazaré, “por pertencer ao povo judeu, bem conheceu as tradições contidas na Torá. […] Como um camponês galileu, integrado com a criação, observa atentamente a sociedade e o ambiente ao seu redor” (CNBB, 2024, n. 80). Nas parábolas, são constantes as referências aos elementos da natureza: sementes, figueiras, solo, mar. Na compreensão de Jesus, toda a terra é “pensada como cocriadora”, porque, se o ser humano lança a semente, é a terra que a acolhe e a transforma em fruto. Portanto, somos chamados a ser corresponsáveis, a compartilhar, a perceber nossa integração em um mundo onde o sopro, a ruah de Deus, habita e continua criando.

Na celebração da Eucaristia, a profunda comunhão de Jesus com todo o mundo da vida se apresenta em sua plenitude. O texto da CF nos remete a esta imagem tão linda, delineada pelo papa Francisco na Laudato Si’: “no apogeu do mistério da encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz acima, mas dentro, para podermos encontrá-lo no nosso próprio mundo” (LS 236). No prólogo do Evangelho de São João, uma poesia de imensa beleza espiritual, o sentido profundo da encarnação e da criação e a ligação entre elas se explicitam plenamente. Cristo é o Alfa e o Ômega, por quem e para quem todas as coisas foram feitas. O Deus que liberta é o que cria. Por isso, também o papa Francisco ensina que nos cabe compreender o todo da criação “como aberto à transcendência de Deus, dentro do qual se desenvolve” (LS 79). Podemos sentir/pensar, portanto, que todo o universo, com seus bilhões de anos e incontáveis astros e estrelas, está envolvido em uma espécie de “teosfera”, onde o Espírito de Deus, que soprou no início, continuamente cria e recria. E nós, humanos, podemos e devemos encontrar um lugar de paz e aconchego nessa maravilhosa esfera da vida; assumir o lugar de cocriadores, humilde e plenamente integrados, contribuindo para o embelezamento do mundo e para a plenificação, nele, do Santo Espírito de Deus.

4. E, AGORA, AGIR NO MUNDO…

 A força criadora do amor de Deus inspira, mas também exige que cada um de nós, seguidores de Jesus de Nazaré, se ponha em ação neste tempo de catástrofes inusitadas. Se foi a ação humana que propagou o atual caos climático, somos nós os responsáveis por reverter o mal que espalhamos. Um primeiro passo é reconhecer que nem todos os humanos são igualmente responsáveis pela destruição. O papa Francisco, na Exortação Apostólica Laudate Deum, identifica a “elite do poder” como a beneficiária do caos e também, por sua ganância ilimitada, como sua geradora, impondo um modo de vida incompatível com o planeta, desenvolvido segundo o “paradigma tecnocrático”. A aliança entre o poder econômico e o poder dos Estados tem levado, muitas vezes, as políticas públicas a favorecer uma “economia que mata”. No Brasil, vemos que as isenções fiscais, os incentivos e as pesquisas não raro subsidiam práticas agrícolas destrutivas da natureza. Ademais, estamos entre os países mais violentos com os defensores dos direitos humanos e dos direitos da natureza. A cada ano, os relatórios de violência no campo demonstram como os povos indígenas, os camponeses, os quilombolas que defendem seus territórios estão submetidos a ameaças constantes. O assassinato da Irmã Dorothy, que em 2025 completa vinte anos, mostra que os mártires contemporâneos, assim como os do tempo de Jesus, seguem alvejando suas roupas em sangue inocente, enquanto esperam por justiça na terra dos vivos.

Na Laudate Deum, o papa nos chama a um “multilateralismo de baixo”: a ação dos povos, em alianças locais e globais, é o melhor, senão o único caminho seguro para a “reconciliação com o mundo”. Por isso, a Campanha da Fraternidade deve nos fortalecer para, em comunidade e comunhão, buscarmos caminhos de libertação. A conversão ecológica, como vimos, não é um percurso fácil. No entanto, atuando juntos, como irmãos e irmãs, seguidores de Cristo, podemos dar uma contribuição decisiva na busca de alternativas radicais e profundas a um modo de vida desrespeitoso com os outros seres criados e incompatível com o planeta. Nesse caminho, as pequenas ações, os gestos cotidianos, a mudança dos hábitos alimentares, do modo de vida e de consumo, contam muito. Não são, todavia, suficientes. Precisamos de uma mudança sistêmica. Assim, devemos também nos informar e atuar decisivamente na defesa dos territórios dos povos indígenas e quilombolas, na promulgação de leis e políticas públicas que favoreçam o cuidado com a natureza. Nossas escolas devem reaprender e ensinar, desde a mais tenra idade, formas de vida harmonizadas com a Terra. Não há tempo a perder. Agora é o momento de agir!

Que o Deus da vida nos guarde, acompanhe e conduza nesse caminho de volta para a Casa, nosso planeta Terra. Uma morada de muitos quartos, onde todos os seres criados são bem-vindos. Também nós, a humanidade peregrina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CNBB. Campanha da Fraternidade 2025: Texto-base. Brasília, DF: CNBB, 2024.

FRANCISCO, Papa. Laudate Deum: Exortação Apostólica sobre a crise climática. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 2023. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/es/apost_exhortations/documents/20231004-laudate-deum.html. Acesso em: 3 out. 2024.

FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: Carta Encíclica sobre o cuidado da Casa Comum. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/es/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 3 out. 2024.

HAN, B. C. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Ayine, 2018.

LATOUR, B. O novo regime climático impõe uma nova forma de fazer política. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 28 mar. 2022. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/617246-todos-se-sentem-traidos-entendemos-que-esse-modelo-nao-e-mais-possivel-entrevista-com-bruno-latour. Acesso em: 3 out. 2024.

MARGULIS, L. O planeta simbiótico: uma nova perspectiva da evolução. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

Moema Miranda, ofs*

 

*leiga franciscana, integra a coordenação da Rede Igrejas e Mineração. É assessora da Comissão Episcopal Especial para Mineração e Ecologia Integral (CEEM) e professora do Instituto Teológico Franciscano (ITF).



https://www.vidapastoral.com.br/edicao/campanha-da-fraternidade-de-2025-deus-viu-que-tudo-era-muito-bom-gn-131/

 

 

https://youtu.be/ynFrOzbRj5g?si=_Pr0TNIYskLTKyKw

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