quinta-feira, 16 de março de 2023

10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

 

10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO

Francisco chegou aos 10 anos de pontificado: a fraternidade humana, a atenção à família, a ecologia integral, o combate aos abusos na Igreja, a presença na sociedade e uma nova perspectiva para os cristãos leigos, temas de gestos e ações.

Vatican News – CNBB

 

No dia 13 de março, o Papa Francisco completou 10 anos de pontificado. Nessa década, Francisco tem marcado a realidade com sua presença frente aos desafios no interior da Igreja e às mudanças e conflitos que se manifestam no mundo. A partir dos gestos e dos processos que leva adiante na Igreja, e também dos documentos que produz, tem anunciado o Evangelho e convidado à fraternidade, à proximidade e à ternura, a exemplo de Jesus, como ele mesmo costuma dizer.

Dentre todas as realidades nas quais a Igreja toca com sua presença, algumas foram escolhidas para serem destacadas neste momento em que Francisco chega aos 10 anos de pontificado: a fraternidade humana, a atenção à família, a ecologia integral, o combate aos abusos na Igreja, a presença na sociedade e uma nova perspectiva para os cristãos leigos.

 

Fratelli tutti

 

Um dos marcos do pontificado do Papa Francisco foi a oferta à humanidade da encíclica Fratelli tutti, documento que apresenta o desejo de que, como humanidade, “possamos reviver em todos a aspiração mundial à fraternidade”. Para o subsecretário adjunto de Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Marcus Barbosa Guimarães, a carta encíclica “é um grande presente do Papa Francisco para a Igreja e para a nossa humanidade”.

“De modo especial, entre os inúmeros pontos, as inúmeras contribuições que a Fratelli tutti nos traz, eu destacaria duas chaves que parecem centrais: a primeira, como lembra o Papa: se quisermos viver a fraternidade, devemos reconhecer a verdade fundamental que Deus é nosso Pai. E se Deus é nosso Pai, somos filhos e filhas, todos, sem distinção, e somos irmãos e irmãs. Essa é a raiz, é a verdade central. É a certeza que fecunda o compromisso, o dom da fraternidade”.

“A segunda inspiração que me vem dessa carta, ao lê-la, é o que o Papa Francisco nos diz que precisamos recomeçar. E se vamos recomeçar a reconstrução da fraternidade,de um modo artesanal… devemos recomeça-la a partir dos pobres, para que ninguém fique de lado”.

 

Família

A realidade da família tem sido outro destaque no pontificado do Papa Francisco. Foram duas assembleias sinodais, uma exortação apostólica, um ano temático e dezenas de catequeses sobre o tema. 

“Nesses 10 anos de pontificado, temos muito que agradecer ao Papa Francisco pela sua dedicação e o seu amor pela família. Com o Sínodo, trouxe a família para o centro da atenção pastoral, um olhar para um modo de ser Igreja que é como a família: de corresponsabilidade, de cuidado, de amor, de ternura, de gratuidade”, comentou o bispo de Rio Grande (RS) e presidente da Comissão para Vida e a Família da CNBB, dom Ricardo Hoepers.

Para dom Ricardo, a Amoris Laetitia “veio confirmar o trabalho que já vinha sendo feito pela Pastoral Familiar” e trouxe para os setores inspirados na Familiaris Consortio, de São João Paulo II, “um ar de renovação, uma motivação ainda maior para cuidarmos das fragilidades das famílias”.

 

Ecologia Integral

 

Francisco deu especial atenção ao cuidado da casa comum nesses primeiros anos de pontificado. Marca disso foi a encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa comum. A leiga Patrícia Cabral, que faz parte das articulações da Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), do Laicato, e do Comitê Repam no Regional Norte 1, aponta como o “grande diferencial” a proposta da reflexão do tema da ecologia integral com a encíclica Laudato Si’ “que, aqui no Brasil, casou com a Campanha da Fraternidade dos biomas e “fez com que a gente pudesse refletir mais sobre a maneira como nós cuidamos dessa casa comum, e entender a nossa pertença a esse corpo, que não estamos isolados”.

Para ela, essa ideia de pertença favorece a compreensão da necessidade de cuidar. “Não é simplesmente não cortar as plantas, mas renovar aquilo que está sendo destruído de outra forma”, pontua.

 

Presença na sociedade

 

O arcebispo de Goiânia (GO), dom João Justino de Medeiros Silva, destacou a experiência de cuidado com a vida da Igreja e a relação com a sociedade durante o pontificado de Francisco. Sobre a presença na sociedade, ele destacou que o Papa tem contribuído com diversas abordagens, como o cuidado e o zelo com a educação na proposta do Pacto Educativo Global; o cuidado com o tema da ecologia, “com a sua belíssima encíclica Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa comum”; e a Economia de Francisco, “proposição que interpela a economia, a partir da participação de jovens”.

“Esses três temas são muito interessantes, poderíamos citar tantos outros, mas creio que são de uma importância muito grande para pensar a presença da Igreja na sociedade”, comentou dom Justino.

 

Leigos

 

Francisco tem marcado a Igreja com um novo impulso ministerial para os leigos, de forma especial para as mulheres e, com a proposta do Sínodo, propõe uma nova dinâmica nas relações entre as diversas vocações.

Marilza Schuina, membro do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, avalia que o Papa Francisco “nos chama a uma Igreja em saída, uma Igreja-povo de Deus, onde todos e todas sejam sujeitos da evangelização”. Em relação aos cristãos leigos e leigas, Marilza considera que Francisco “vê e espera um laicato maduro, capaz de discernir sobre os sinais dos tempos, em comunhão com a sua comunidade, buscar o melhor caminho, um laicato que assuma a vocação no mundo, na história, um laicato capaz de semear, trazer os sinais do Reino da justiça, do amor e da paz”.  

 

“Francisco, nessa dimensão da Igreja em saída, fala de um laicato em saída, que ofereça à Igreja, um novo modo de ser Igreja, de ser presença em todos os lugares onde ninguém mais chega, onde ninguém mais vá ou aonde o padre, o bispo, até o Papa pode ir, mas, nesses lugares, o leigo e a leiga não vai, ele está lá, ele vive lá, ele mora lá. Ele, portanto, é sinal desta Igreja presente no mundo”, comenta.  

Marilza acredita que permanece um desafio à questão das mulheres, ao qual o Papa Francisco tem se mostrado sensível, “para que cada vez mais sejam reconhecidos os direitos da mulher na Igreja, a estar nos espaços de decisão, a ter seu lugar reconhecido efetivamente”. 

 

Prevenção aos abusos

 

A presidente do Núcleo Lux Mundi, Eliane De Carli, comanda uma das estruturas na criada pela Igreja no Brasil cuja atuação tem sido considerada delicada, mas essencial para combater a chaga dos abusos na Igreja. O escritório é responsável por assessorar as dioceses e entidades religiosas na implementação de serviços de prevenção e proteção, conforme estabelecido pelo Papa Francisco.

“A gente avalia [a criação de iniciativas de prevenção e combate aos abusos] como um momento bastante especial para a Igreja porque ele traz a questão de uma mudança de paradigmas, no sentido de trabalhar com transparência, com cuidado, com a proteção e a prevenção no caso dos abusos”, disse Eliane.

 

Fonte: CNBB

 

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-03/10-anos-pontificado-papa-francisco-reflexos-gestos.html#:~:text=Nesta%20segunda%2Dfeira%2C%2013%20de,que%20se%20manifestam%20no%20mundo.

 

10 ANOS DO PONTIFICADO DO PAPA FRANCISCO: ALGUNS OLHARES

Por: João Vitor Santos

 

Quando do alto da varanda do Palácio Apostólico, o cardeal Jean-Louis Pierre Tauran, decano do Colégio Cardinalício, em 13-03-2013, anunciou que Jorge Mario Bergoglio era o novo papa, muitos indagaram: um argentino?! E não foram só os brasileiros, que têm uma disputa histórica com os “hermanos porteños”. Aliás, o próprio Bergoglio disse, em suas primeiras palavras, que foram “buscar um papa lá do fim do mundo”. Tal surpresa se deu pelo fato de, depois de séculos, a Igreja ter um pontífice não europeu. Mas essa não foi a única surpresa daquela noite, pois o argentino escolheu ser chamado de Francisco, em referência a São Francisco de Assis.

Depois daquele 13 de março, as surpresas não pararam. Todos se surpreendiam com a simplicidade e austeridade de Francisco. Tal postura tem sido um norte para sua gestão que não apenas é uma Igreja mais simples e dessacralizada como também está mais perto do povo. Para o mestre em Ciência Política, Wagner Fernandes de Azevedo, o Papa Francisco “transformou o papado com a história da Igreja libertadora, principalmente na sua vertente argentina, da Teologia do Povo”. “É uma inversão do eixo de poder, é um papado destronado, descentralizado e, portanto, desocidentalizado”, completa, em entrevista via mensagens de WhatsApp concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Wagner destaca que o pontífice foi capaz de auscultar claramente que vivemos uma transição epocal. “Francisco entendeu que o mundo ocidental, outrora sustentado pelo cristianismo, está em crise. E entendeu que deve propor um novo papel à Igreja nesse novo mundo, sem perder a centralidade do Evangelho”, analisa.

Gustavo Predebon, padre na Diocese de Caxias do Sul, vai além. Para ele, o papa revela ter “a percepção do quanto a hierarquia como um todo não dá conta da realidade do mundo de hoje, e o quanto a Igreja precisa caminhar para realmente apresentar o Evangelho para pessoas do nosso tempo, e não de 400 anos atrás. (…) Por outro lado, creio que nós, ministros e povo fiel, às vezes não conseguimos botar em prática tudo o que o papa traz como novidade. Não estamos aproveitando o momento”, adverte.

Para o antropólogo Antonio Madalena Genz, a transformação que vivemos é tão brutal que lá em 13-03-2013 jamais supúnhamos o tempo que viveríamos hoje. “Há 10 anos seria tomado como insensato alguém que dissesse (…) que daqui a 10 anos existiriam grupos defendendo a ideia de que a terra é plana”, diz. Por isso, considera que “o maior avanço do pontificado de Francisco é ele próprio”. E acrescenta: “o Papa Francisco se dirige ao mundo quando combate um dos traços piores da contemporaneidade, que é essa cultura da indiferença”.

O diplomata Rubens Ricupero observa que “o comportamento do papa é quase como se fosse um pároco, como se sentiu durante a pandemia quando rezava diariamente a missa em Santa Marta, com simplicidade”. Mas nem por isso Francisco se senta na Cátedra de Pedro e se move a partir dela com cheiro de sacristia. Sua liderança e lucidez acerca das crises globais o colocam na ponta de movimentos geopolíticos, um lugar de poucos. E isso, na sua opinião, se mede de diversas formas, inclusive pelos documentos pontifícios: “Sua encíclica Laudato si’ é a mais alta expressão teológica e filosófica da ecologia radical. Não ficam atrás na profundidade e beleza a encíclica Fratelli tutti e a exortação apostólica Evangelii gaudium”, avalia.

O teólogo Luiz Carlos Susin também destaca que todas essas mudanças, os ares novos que Francisco traz para Igreja, têm estreitíssima relação com o Concílio Vaticano II. E é justamente isso que provoca reação, pois há muitos que ainda não conseguem assimilar as luzes acesas pelo concílio. “É sua postura de atualização do Concílio que iria esbarrar na resistência de acomodados, de tradicionalistas, o que inevitavelmente levanta tensões e antipatia. A burocracia da Igreja, o carreirismo ou clericalismo, tem sido um limite imposto como um verdadeiro peso para um papa que deseja leveza”, avalia. Mas nem por isso Francisco titubeia. “É um legítimo filho da Igreja na América Latina e, antes ainda, um portenho filho de migrantes, com um humor próprio de Buenos Aires, mas que mantém a disciplina jesuítica e absorveu a leveza franciscana”, conclui.

“Penso que o maior avanço, em termos de reflexão sobre o catolicismo, sugerido pelo Papa Francisco, consiste em abrir uma profunda discussão sobre o caráter histórico do catolicismo”. É assim que avalia o historiador Eduardo Hoornaert. “O papa sugere considerar o catolicismo tal qual se pratica hoje, em sua qualidade de fenômeno histórico, ou seja, como movimento marcado pela fragilidade, imperfeição e provisoriedade que caracteriza tudo que é histórico”, detalha. Por isso, considera que “entender do atual papa pressupõe compreender que a história é uma ciência que se baseia na convicção que tudo que se constrói na história da humanidade pode eventualmente ser descontruído, reconstruído, adaptado ou reformulado. Eis um pressuposto básico, e penso que o Papa Francisco trabalha com ele”.

Por sua vez, o jesuíta Clóvis de Melo Cavalheiro comenta essa construção que, para ele e para o entrevistado a seguir, materializa-se no pensar a Igreja não apartada do mundo em que está inserida. “A principal transformação por que passou o pontificado foi a incorporação à sua estratégica de beneficiar não somente a Igreja, mas pensar no mundo como um todo, com as suas diferenças culturais, crenças e origens”. Trata-se de um princípio bem claro aos jesuítas que defendem a ideia de ver Deus em todas as coisas. Para Clóvis, é esse o “estilo do Papa Francisco, um homem de profunda espiritualidade inaciana e com grande capacidade de estabelecer as relações entre a ciência e a fé”.

Por fim, o sociólogo José de Souza Martins é categórico e direto: “os avanços de Francisco são um só. Uma síntese. O do reencontro da Igreja com a igreja, da instituição com a comunidade de fé. (…) Francisco tem se empenhado na missão profética de negar a alienação crescente da sociedade contemporânea, que se expressa no desencontro entre fé e vida, na transformação do homem em objeto e coisa e em sua anulação como ser social e sujeito de sua própria história. Seus cinco antecessores fizeram o mesmo”, pontua.

 

https://www.ihu.unisinos.br/626893-10-anos-de-pontificado-de-francisco-alguns-olhares

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