REFLEXÃO DOMINICAL III
1ª
Leitura - Is 5,1-7
Salmo - Sl
79,9.12.13-14.15-16.19-20 (R. Is 5,7a)
2ª Leitura - Fl 4,6-9
Evangelho - Mt 21,33-43
Maria de Lourdes Zavarez(*)
Na celebração do 27º. Domingo do Tempo Comum,
o Senhor nos oferece uma mesa farta e comprometedora de sua Palavra. Celebramos
também hoje, a Festa de São Francisco de Assis, patrono da Criação, nossa Casa
Comum. Dia também em que o Papa Francisco nos presenteia com a carta encíclica
sobre a Fraternidade. Domingo, portanto, muito especial!
O evangelho deste domingo nos
apresenta a segunda das três parábolas contra o farisaísmo, iniciadas domingo
passado.
A parábola de hoje encontramos também
em Marcos e
em Lucas. Mateus, porém, dá um
colorido muito próprio e pessoal. É uma perícope relacionada com a 1ª. Leitura,
o Cântico da Vinha,
uma das poesias mais belas do AT, uma canção de amor, muito usada na literatura
bíblica e popular, pelos profetas (Jr 2,21; Ez 1,1-8; 17,3-10; 19,10-14) e nos
salmos, como o Sl 79(80),9-17. Este salmo entra também na liturgia de hoje como
súplica ao Pai, verdadeiro dono da vinha, para cuidar dos ramos que somos nós,
seu povo.
Israel é comparado a uma vinha muito
querida e bem cuidada, mas não produziu o esperado fruto da justiça... é
também, considerado uma pessoa muito amada, uma esposa acariciada, mas depois
rejeitada, porque implantou a desordem social e o desprezo pelo direito,
institucionalizou o derramamento de sangue e a opressão; manifestou-se ingrata
e infiel à Aliança. (Ez 16; Os 2,4-15; Mt 22, 2-14; 25, 1-13).
Neste cântico de Isaías, as duas
imagens: vinha e esposa, misturam-se perfeitamente. Parece que o autor faz uma
releitura da criação e do pecado da humanidade (Gn1-3). Deus plantou com
cuidado uma vinha para
que ela pudesse dar frutos. Mas, o fruto não foi o esperado, o desejado.
Deixaram-se seduzir pelo mal, pela injustiça. É comovente a pergunta de Deus:
“O que mais eu devia ter feito por minha vinha que eu não tenha feito?”
O amor de Deus por nós mostra-se
intenso e profundo, terno e até dramático, mas é sempre amor que triunfa sobre
nossa recusa, nossa ingratidão e infidelidade.
Entre a primeira leitura e o evangelho
há percebida diferença. Enquanto no texto de Isaías, Deus abandona
a vinha que não
produz frutos, no evangelho, ela é confiada a outros
trabalhadores que lhe darão, a seu tempo, os frutos desejados.
Jesus propõe uma exegese atualizada do
belo Cântico da
Vinha. Ele está no Templo
de Jerusalém, centro do poder político, econômico e religioso
da época. Entra em confronto com o mestre da justiça e chefes dos sacerdotes,
poder religioso, promotor da sociedade injusta e desigual e, com o poder
econômico que eram os anciãos, desrespeitadores dos direitos humanos e sociais.
Eles são os vinhateiros, os cuidadores
da vinha.
Mas, não produzem frutos de justiça e de direito e ainda impedem que os
profetas, os mensageiros do dono, despertem no povo a produção destes frutos
Jesus não acusa ou condena a vinha,
mas culpa os agricultores. Se ela não produzia frutos é por causa dos
responsáveis que os desviavam. Inclusive maltratavam os mensageiros que o dono
enviava... e mais, mataram o filho, o herdeiro, pois cobiçavam a herança da
vinha... A morte de Jesus foi premeditada e é fruto da ganância, da maldade
deliberada dos chefes do povo.
A parábola é um forte apelo para
reconhecermos Jesus, o Filho amado como a videira verdadeira (Jo, 1-8) que veio
para retomar os frutos saborosos da justiça. Ele foi
‘jogado fora da cidade, fora dos muros de Jerusalém foi crucificado e morto
como bandido. Esta lógica presente na Escritura que encerra a parábola, é
citada por Jesus com o salmo 118,22s, “a pedra que os construtores rejeitaram,
tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso a nossos
olhos”. Esta pedra angular, fundamental é Cristo Jesus que se torna a
sustetação estável e firme sobre a qual deverá apoiar-se toda construção do
Reino, hoje e no futuro.
Guardamos desta parábola, duas lições
importantes: 1) Deus esperava de sua vinha escolhida, frutos de justiça, ou
seja, a construção de uma humanidade de irmãos, livres, com amor sem
fingimento, união fraterna, doação mútua, sem exclusão, sem ódio, sem opressão
conforme sua vontade. 2) A grandeza da ação amorosa de Deus transforma o mal em
bem. A rejeição do Filho Jesus foi prova da injustiça dos vinhateiros homicidas
que perderam seus privilégios e abriram a escolha dos gentios, dos pecadores,
dos cobradores de impostos, das prostitutas, dos pobres, dos doentes, das
mulheres, das crianças...pessoas escolhidas que se converteram e produziram com
sua ressurreição, um povo novo, o seu Reino.
Com sua Páscoa surge a nossa tarefa,
como comunidade cristã. Mas, a graça de sermos cristã/os não nos garante o
Reino.
Hoje, em nosso tempo, a história se
repete. Não podemos ouvir esta parábola com triunfalismo, considerando-nos
“pessoas justas e perfeitas”. Como novos vinhateiros, escolhidos por Cristo,
podemos agir como “fariseus”, injustos, cobiçadores e omissos ao sofrimento dos
pequenos, desempregados, e excluídos que aumentam entre nós a cada dia. E mais,
somos destruidores da criação que sofre e grita, beirando seus limites. A
humanidade é devastadora dos bens destinados à vida e a vida para todo/as:
humanos, animais, plantas, águas, terra... Nosso país, toda a América Latina e outros
países hoje empobrecidos, sofrem as consequências desastrosas desta injustiça
institucionalizada pela selvageria do sistema capitalista e fascista de países
ricos que injustamente nos dominam e não respeitam nossa dignidade e nossos
direitos. O grito do/as injustiçado/as clama por misericórdia e respeito.
Lembramos de tanto/as pessoas,
santos/as e mártires, que lutaram e lutam, deram e continuam doando a vida pela
causa da justiça,
pela causa do evangelho e do Reino e foram sustentados pela força do Cristo
Crucificado e Ressuscitado.
A primeira leitura e o evangelho
sustentam a Palavra de Deus, hoje. A segunda leitura os complementa,
continuando a Carta
aos Filipenses, escrita por Paulo na prisão.
Anima a comunidade cristã a não se angustiar ou afligir por qualquer situação
difícil, mas apresentar a Deus suas necessidades por meio da oração
comunitária, com súplicas e gratidão por tudo o que Deus tem feito. A
celebração comunitária é um espaço de serenidade, lugar de se conseguir unir
luta e ternura, militância e paz numa sociedade conflituosa, abrutalhada e
violenta.
Segue uma relação de boas ações, que
são os frutos da
justiça: tudo que for verdadeiro, nobre, reto, puro, amável,
honrado, tudo o que for virtuoso e digno de louvor... Enfim, nos confirma que a
celebração comunitária ou em família é um lugar onde são reavivadas em nós as
atitudes e sentimentos do Cristo, videira verdadeira em que somos enxertado/as
para produzir os frutos de justiça, de retidão, de bondade, de perdão e de amor
fraterno e universal.
A criação de uma comunidade cristã
nova, de uma sociedade nova, só será possível se os valores do lucro, do poder,
da competição e domínio forem substituídos pelos valores da solidariedade, da
fraternidade e do serviço humilde e compassivo. O Reino de Deus é universal não
é propriedade de uma religião ou Igreja. Não podemos cair na tentação de sermos
possuidores da verdade.
O Reino pertence ao Pai, é regado pelo
sangue de Cristo, manifesta-se onde a fidelidade ao evangelho acontece na
comunhão pascal com o Senhor Jesus e na ação terna e vigorosa de seu Espírito.
A reflexão é de Maria
de Lourdes Zavarez, leiga consagrada ao povo de Deus. Ela
é Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica de Goiânia (1990) e
Mestre em Liturgia pela Faculdade de Teologia N. Senhora Assunção (1999). Ela é
membro da Rede Celebra, rede de animação litúrgica e atua como assessora de
comunidades, teóloga com mestrado em liturgia. Além disso, coordena e leciona
no Curso de Pós graduação em Liturgia, pela Rede Celebra e FAJE/ BH.
Reside em Nova Veneza/GO.
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