XIV- REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA( * )
"ESCUTA ATIVA: CIÊNCIA E ARTE A SERVIÇO DA
COMPREENSÃO E NÃO APENAS DA RAZÃO E DA PERSUASÃO"[Parte I]
"A maioria dos problemas de
comunicação poderia ser
resolvida se escutássemos para compreender,
e não para respon-der"[Thomas Gordon]
"Escuta ativa": muito provavelmente você já
ouviu essa expressão uma ou mais vezes. Também deve ter se perguntado o que
exatamente significa e caracteriza tal tipo de escuta. Quem sabe, terá
interagido com vídeos nos quais especialistas de áreas diversas do conhecimento
explicavam seu significado, citavam exemplos práticos do cotidiano, e chamavam
a atenção para o alto potencial catalisador e conciliatório que tal tipo de
escuta porta consigo. Sem escuta ativa diálogos, debates e discussões se tornam
estéreis. Pior: podem se tornar cada vez mais acirrados, agravando vínculos e
relacionamentos ao invés de melhorá-los e fortalecê-los. Isso contrasta com o
fato de que possuímos dois ouvidos e apenas uma boca, portanto
instrumentalmente mais capacitados para ouvir do que para falar. Ainda assim,
de modo geral falamos muito, mais que o necessário. Contrariamente, ouvimos
pouco; e, o que é ainda pior, ouvimos mal.
Antes de discorrer sobre alguns pontos que julgo poder
contribuir para sua melhor compreensão do que seja escuta ativa, comecemos com
um exemplo - público e notório - do que ela não é. Refiro-me ao tipo de
"escuta" praticada pela maioria dos políticos, notadamente aquela que
costuma invadir a cena em tempos de eleição. Trata-se de um tipo de escuta cujo
principal objetivo é rebater, refutar, e, rarissimamente - existem sim, bons
políticos - compreender. Ouve-se apenas o suficiente para o registro de pontos
a serem contestados "à altura"; uma altura tão elevada, a ponto de
incluir alguns adjetivos e palavrões pouco ou nada recomendáveis. A fala do
interlocutor não reverbera, não repercute e não desperta interesse
"ativo" em quem ouve. O tempo necessário para exercício da empatia e
da compreensão cede lugar à elaboração estratégica do contraditório. Algo semelhante
a uma partida de xadrez, em que cada jogador mal tem tempo suficiente para
analisar a jogada do adversário, constrangido em exigir que a mente elabore em
segundos a resposta a ser executada. Ao lado o relógio adverte freneticamente:
"Tempus fugit..." - "o tempo é breve", seja rápido!
Mexa-se! O xadrez é um autêntico simulacro de diálogo, levado a cabo por via de
um monólogo a dois; nada mais que isso. As peças, sim, podem
"dialogar" entre si; os jogadores, porém, não. Costumam passar o
tempo todo sem trocar uma única palavra, um único olhar. Quando muito, início e
fim, um frio, leve e breve aperto de mão. O xadrez é uma metáfora para vínculos
e relações humanas, em que muito se fala sem dizer absolutamente nada, e pouco
se ouve sem compreender menos ainda. A diferença entre a escuta dos políticos e
a dos enxadristas é que, no primeiro caso, sequer costuma haver aperto de mão.
Em casos mais acirrados, esse nobre gesto pode ceder lugar ao lançamento de
cadeiras, celulares, e quaisquer objetos ao alcance da mão. Câmaras e Senados
costumam ser especialistas nesse tipo de "lançamento", um exercício
que nada tem a ver com olimpíada, diga-se de passagem.
Agora que com o exemplo da prática política você já sabe
o que não é escuta ativa, com certeza reúne melhores condições para compreender
o que ela seja. Definições e características podem variar de acordo com
diferentes especialistas e diversificadas áreas do conhecimento. Via de regra,
porém, esses pontos são convergentes e raramente divergem no essencial. Com base
nesse pressuposto, propomos a seguir alguns pontos de reflexão sobre a escuta
ativa, também chamada de escuta empática, profunda, compreensiva e outras
denominações mais.
Qualquer que seja o prisma pelo qual se deseje refletir
sobre o que seja escuta ativa, acreditamos que se deva partir sempre da
seguinte pergunta ou indagação: para que ouvimos? Ou seja, com que finalidade
ou com que intenção ouvimos? Alguns dirão que existe uma escuta direcionada à
correção, outros, ao perdão, outros ainda, ao aprendizado, e assim por diante.
Por fim alguns dirão que ouvimos pelo simples deleite proporcionado por uma boa
prosa ou uma descontraída conversação. Poderíamos elencar uma série de outras
finalidades que pressupõem a escuta intencional, prazerosa ou não, para que
possam ser alcançadas. Um olhar mais atento, todavia, revelará que todas essas
diferentes finalidades convergem - ou ao menos deveriam convergir - para uma
única, que serve de fundamento para todas as demais: ouvimos para compreender.
"Das ações humanas não se deve rir, lamentar ou condenar, e sim
compreender". Essa clássica afirmação de Spinoza revela que a compreensão
é a base de praticamente tudo na vida do ser humano. Tomemos um exemplo
prático. A maioria dos casais declaram estar dispostos a perdoar quase tudo,
menos... traição. Por traição, entenda-se aqui a infidelidade de natureza
sexual. "Deus perdoa sempre, o ser
humano algumas vezes, a natureza nunca": já ouviu essa máxima alguma vez?
Apesar do mandato divino relacionado ao perdão ser claro e taxativo, isto é,
perdoar não apenas uma, nem sete, mas setenta vezes sete, expressão que no
jargão bíblico significa "sempre", para muitos, traição nem pensar.
Fica fora de cogitação. "Corro risco do inferno, mas não perdoo!", "não
sou Deus para perdoar tudo": são expressões que você já deverá ter ouvido
ou dito em algum momento ou situação. Se você faz parte desse grupo que ousa
desafiar um mandato divino, sob pena de condenação eterna, encontrará boas
razões para interagir com os parágrafos seguintes.
Por que Deus perdoa sempre e nós humanos não? Comecemos
com Deus; acredite, mas é bem menos complicado. Deus perdoa sempre, e por essa
razão a existência de um inferno é absolutamente contraditória - os defensores
do castigo eterno com certeza já estarão elaborando pronta refutação - por duas
razões principais: primeiro, mas não necessariamente nessa ordem, porque sua
compreensão dos atos e das razões humanas é plena e absoluta, e segundo, porque
seu amor é, por natureza, infinito e incondicional. Perceba que essas duas
características - ou esses dois atributos, se preferir - são incompatíveis e
inconciliáveis com a limitação e a imperfeição humana. Ser perfeito como Deus é
uma meta inatingível, e quem quer que tenha inserido tal meta como parte do
ensinamento de Jesus, com certeza terá prestado um grande desserviço à
humanidade. Por sopro e inspiração do Espírito, com certeza não terá sido.
Metas e objetivos reconhecidamente inalcançáveis tendem a produzir mais danos e
prejuízos que benefícios e ganhos; o resto é racionalização. Conclui-se, daí,
que nossa "indisposição" em perdoar certos danos e ofensas - um ato
de traição, por exemplo - encontra-se plenamente justificada em virtude de
nossa humana "inaptidão" em perdoar infinita e incondicionalmente? A
resposta é: sim, e não. O próximo parágrafo busca esclarecer por que sim, por
um lado, e por que não, por outro. O problema é que, caso essa primeira parte
se alongue por demais, você certamente acabará desistindo de interagir com o
restante da reflexão. Faço, portanto, uma pausa para o "coffee
break", e a gente se reencontra na segunda parte, a ser compartilhada em
breve. De acordo? Então, tudo bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário