sexta-feira, 22 de março de 2024

REFLEXÃO DOMINICAL III INICIANDO A SEMANA DAS DORES

 

REFLEXÃO DOMINICAL III

 

INICIANDO A SEMANA DAS DORES

Meus irmãos e minhas irmãs,

O último domingo da Quaresma, chamado Domingo da Paixão, nos introduz no mistério grandioso da chamada Semana das Dores de Nossa Senhora. A liturgia resumia bem o que deveríamos retirar como síntese do grande retiro quaresmal: CONHECER, SOFRER E VIVER JESUS CRISTO. Conhecer e aderir a nossa fé em Jesus Cristo. Sofrer como Jesus sofreu por nós, um sofrimento incruento, que foi até o grande final de ter que morrer na cruz pela Salvação de todo o gênero humano. E, mais do que tudo isso, conhecendo e sofrendo, todos somos convidados a viver em Jesus Cristo com a vitória do pecado, com a vitória da morte, anunciando a ressurreição com a vida eterna em Deus Trindade.

Meus irmãos,

A leitura da entrada de Jesus em Jerusalém e da Paixão segundo o evangelista Marcos, neste ano, enseja-nos a meditação da cristologia deste Evangelista. Jesus é mais do que o Filho de Davi. Ele é o filho querido de Deus, o “servo” que, em obediência ao incansável amor do Pai para com os homens, dá sua vida, realizando em plenitude o que prefigurou o servo fiel em Isaías 52-53, no tempo do exílio. Mas, como Filho de Deus, Ele é também o Filho do Homem, portador de plenos poderes escatológicos.

A condenação de Jesus sob falsas alegações religiosas e políticas significa o primeiro passo para a sua vinda gloriosa e o juízo sobre o mundo, anunciando imediatamente antes da sua paixão. É a dispersão, prelúdio da reunião do rebanho pelo pastor de todos os tempos, depois da ressurreição, início do tempo final, prelúdio da vinda definitiva.

O domingo de hoje abre solenemente as festividades da Semana Santa ou, aqui em Minas, chamada de Semana Maior dos Mistérios do Senhor Jesus. Uma semana em que a sagrada liturgia católica vive na maior profundidade possível à paixão, morte e ressurreição do nosso Salvador.

A semana culmina com a Páscoa, que quer dizer passagem. Passagem da morte para a vida eterna. Embora celebrando a paixão e morte, nossos olhos estão fixos na ressurreição do Autor da Vida, como Pedro chamou a Jesus.

A missa de hoje tem dois momentos. Um inicial em que são bentos os ramos, compondo a bênção e a procissão solene com os ramos. A leitura desse primeiro momento (Mc 11,1-10) conta sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Nesse ano se lê o Evangelho de Marcos. A procissão nos recorda a vitória de Jesus sobre a morte e a nossa vitória sobre a maldade e a destruição eterna. As palmas lembram que renasceram sobre a maldade e a destruição eterna. As palmas lembram que renasceram acordadas pelo sangue derramado pelo Senhor Jesus. A mesma lembrança nos devem trazer as palmas bentas, quando colocadas na cabeceira de nossa cama ou na sala de estar, ou sob o madeiro de nossos crucifixos.

Irmãos e irmãs,

A Primeira Leitura(cf. Is 50,4-7) dá a palavra a um personagem anônimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação. Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os homens. Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no sofrimento e na dor. É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento. Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição. Por isso, o profeta “não será confundido”.

Jesus: ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens. A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova. Jesus, o “servo” sofredor que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido.

Prezados irmãos,

A Segunda Leitura(Cf. Fl 2,6-11) Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos – quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados – têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão, responde com a humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.

O hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Jesus aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida. No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o Senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história. É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida, que Paulo aqui faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos. Esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glória, à vida plena.

Meus irmãos e Minhas irmãs,

O texto da Paixão narrado por Marcos (Mc 14,1-15,47), no segundo momento desta celebração, é o mais antigo relato deste episódio. O evangelista coloca que Jesus está plenamente consciente de sua morte, entretanto, não comentando detalhes e pormenores. Marcos quer narrar o desfecho final: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus”. Na frase do centurião romano está todo o dogma de nossa fé católica e apostólica: “Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1).

As duas naturezas de Jesus não se separam no agir, a ponto de devermos dizer que o Cristo-Deus-Homem padeceu a morte na cruz; o Cristo-Homem-Deus nos salvou. Por isso, “ver-me-eis assentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). Assentar-se à direita e vir sobre as nuvens são expressões bíblicas que afirmam que Jesus tem poderes divinos, permanece como Deus, presente e ativo no mundo, único juiz de todas as criaturas.

Meus irmãos,

Marcos coloca em relevo todos os passos de Jesus e a manifestação da glória de Deus. Cristo agonizante luta com vontade lúcida, abandonado por todos os amigos. É a convergência de todos os corações, anunciando a liberdade plena, julgado pelos romanos e judeus, é o juiz supremo. Pura contradição aos olhos humanos, o que nos leva a refletir: “apresentando-se como simples homem, humilhou-se, fez-se obediente até a morte e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou e deu-lhe um nome acima de todo nome… e diante dele dobrem-se todos os joelhos” (Fl 2,6-11).

Hoje nós devemos refletir sobre o protagonismo de Judas Iscariotes e de Simão Pedro. O primeiro porque entregou Jesus e o segundo, constituído Pedra angular de nossa Igreja, o renegou por três vezes. Judas e Pedro representam as atitudes dos homens e mulheres de dois mil anos atrás e de hoje. Ambos eram apóstolos, tomavam refeição na mesma mesa com Jesus, companheiros de três anos de profícua caminhada. Tudo igualzinho a nós outros. Ambos experimentaram do poder milagroso de Jesus. Na verdade, traímos como Judas e renegamos como Pedro e muitas vezes não conseguimos explicar para nós mesmos as nossas traições. Como não conseguimos explicar o comportamento de Judas e a fraqueza de Pedro.

Não saberia dizer qual dos dois traiu o divino Mestre de maneira mais infame. Judas traiu por decepção e ganância; Pedro, por medo e por orgulho. Cada um de nós traz dentro de nosso coração essas quatro más qualidades: decepção, ganância, medo e orgulho. A diferença está nas lágrimas de arrependimento e na conversão sincera.

Outro protagonista da Paixão de Nosso Senhor é Pôncio Pilatos. Homem frio, calculista, que odiava os judeus, muito dado à violência e à tortura, porém reconhece a inocência de Jesus, mas lava as suas mãos, mandando açoitar Jesus e soltar Barrabás. Político, agiu como os políticos, da pior política.

Quantas e quantas vezes acontecem gestos semelhantes! Para defender a própria carreira, a própria posição, sacrificamos a justiça. A mesma injustiça de Pilatos é repetida a todos os momentos pelos políticos e pelos homens simples. Assim, todos estamos ativos na crucificação do Senhor. Como Pilatos ou como os Apóstolos: ausentes.

Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.

Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-Se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor. Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.

Meus irmãos,

Hoje é um domingo em que poderíamos chamá-lo de domingo de Jesus pobre e sofredor. Este domingo é o dia especial da fraternidade, dentro da Campanha da CNBB, sobretudo porque hoje fazemos a Coleta da Fraternidade. Esse é o gesto mais simples que podemos fazer hoje, como um ato de solidariedade para com os milhares de vítimas da violência atendidas pelos mais diversos serviços da Igreja, principalmente os trabalhos assistenciais desenvolvidos pelas nossas comunidades, paróquias, Dioceses, a fim de resgatar a dignidade e promover os que vivem a realidade da violência e da insegurança, em todos os níveis, sendo chamados pelo Cristo: “Eu vim para servir!” (Mc 10,45).

Buscando viver a partir do Evangelho, os cristãos, as comunidades cristãs, propõem modos de conviver, para não excluir ninguém. Por isso, estão sempre atentos para que nenhuma pessoa seja excluída da sociedade. As comunidades católicas, os cristãos católicos serão sempre ativos quando se trata da justiça, da participação política, da convivência, do cuidado, da solidariedade, da caridade, da autonomia, do acolhimento. Os católicos, as comunidades católicas profundamente ativas na sociedade não se deixarão tomar pela globalização da indiferença. Saberão chorar com os que choram e rir com aqueles que riem.

O dinheiro arrecadado nessa coleta nacional ampliará e deverá melhorar muito o atendimento a esses nossos irmãos, injustamente condenados à exclusão da violência, do ódio, do medo, da insegurança, do fechamento em vistas da violência reinante, enfim, a uma cruz pesada que lhes roubam a alegria de chegar ao termo da vida com um mínimo de dignidade. A eles Cristo também se faz solidário e nos apela, hoje, a sairmos do comodismo e nos convertermos a uma nova prática, baseada no serviço, no despojamento de nós mesmos, no dom do amor sem reservas.

Está aberta, pois, a semana da conversão e da mudança de vida. O Código de Direito Canônico determina que a forma ordinária de confissão é a confissão auricular, ou seja, a confissão pessoal. Por isso, cada um faça o máximo de procurar a reconciliação com Deus e com a comunidade com um bom exame de consciência e uma perfeita confissão. Enfim, vivamos a paixão para cantar as alegrias da ressurreição. Amém!

Pe Wagner Augusto Portugal

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