REFLEXÃO DOMINICAL II
4º
DOMINGO DA QUARESMA – ANO B
A
Cruz e a Alegria
Hoje é o domingo da alegria! O motivo de nossa alegria é: Deus
nos ama! Diz São Paulo: “Por causa do grande amor com que nos amou, quando
estávamos mortos por causa de nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo.”
(Ef 2,5).
No nosso itinerário rumo à Páscoa, chegamos ao quarto domingo da
Quaresma. É um caminho com Jesus através do “deserto”, ou seja, um tempo
durante o qual ouvir em maior medida a voz de Deus e também desmascarar as
tentações que falam dentro de nós. No horizonte deste deserto, perfila-se a
Cruz. Jesus sabe que ela é o ápice da sua missão: com efeito, a Cruz de Cristo
é o auge do amor, que nos concede a salvação. É Ele mesmo que nos diz no
Evangelho: “Como Moisés elevou a serpente no deserto, assim também é necessário
que o Filho do Homem seja elevado, a fim de que todo o que nele crer tenha a
vida eterna” (Jo 3, 14-15). A referência é ao episódio em que, durante o êxodo
do Egito, os judeus foram atacados por serpentes venenosas, e muitos morreram;
então, Deus ordenou que Moisés fizesse uma serpente de bronze e que a pusesse
sobre um poste: se alguém fosse mordido pelas serpentes, olhando para a
serpente de bronze, ficava curado (cf. Nm 21, 4-9). Também Jesus será elevado
sobre a Cruz, para que quem quer que esteja em perigo de morte por causa do
pecado, dirigindo-se com fé a Ele, que morreu por nós, seja salvo.
E no Evangelho (Jo 3, 14-21), João nos apresenta a conclusão do
diálogo de Jesus com Nicodemos: “ Como Moisés levantou a serpente no deserto,
assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que
nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo que entregou o
seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida
eterna” (Jo 3, 17). A Palavra de Deus é uma Palavra de esperança sem limites.
Deus nunca nos considera um caso perdido. Continua a convidar – nos para
erguermos os olhos para um futuro de esperança, e promete – nos a força para o
realizar.
Santo Agostinho comenta: “O médico, na medida das suas
possibilidades, vem para curar o doente. Se alguém não seguir as prescrições do
médico, arruína – se sozinho. O Salvador veio ao mundo… Se tu não quiseres ser
salvo por Ele, julgar – te – ás sozinho”. Portanto, se é infinito o amor
misericordioso de Deus, que chegou a ponto de dar o seu único Filho em resgate
pela nossa vida, grande é inclusive a nossa responsabilidade: com efeito, cada
um deve reconhecer que está enfermo, para poder ser curado; cada um deve
confessar o próprio pecado, para que o perdão de Deus, já conferido na Cruz,
possa ter efeito no seu coração e na sua vida. Santo Agostinho escreve ainda:
“Deus condena os teus pecados; e se também tu os condenares, unir – te- ás a
Deus… Quando começa a desagradar – te aquilo que fizeste, então tem início as
tuas boas obras, porque condenas as tuas obras más. As obras boas têm início
com o reconhecimento das obras más”. Às vezes o homem gosta mais das trevas do
que da luz, porque está apegado aos seus pecados. Mas só abrindo – se à luz, só
confessando sinceramente as suas culpas a Deus, encontrará a paz verdadeira, a
alegria autêntica. Então, é importante aproximar – se com regularidade do
Sacramento da Penitência (Confissão), em particular na Quaresma, para
receber o perdão do Senhor e intensificar o nosso caminho de conversão. Na
Confissão, o Senhor devolve-nos o que tínhamos perdido por culpa própria: a
graça e a dignidade de filhos de Deus. Ele estabeleceu este Sacramento da sua
misericórdia para que pudéssemos voltar sempre ao lar paterno. E o retorno
acaba sempre numa festa cheia de alegria. “Digo-vos que haverá alegria entre os
anjos de Deus por um só pecador que se arrepende” (Lc 15, 10)
O amor de Deus é uma realidade única. É um amor eterno,
indefectível ( Jr 31, 3): Amo – te com eterno amor. Em Jesus, o amor de Deus se
adequou à nossa condição humana, que tem necessidade de ver, de sentir, de
tocar, de dialogar. O amor de Jesus pelos homens é forte, viril, terno,
constante, até a prova suprema da vida. Porque ninguém tem amor maior do que
aquele que dá a própria vida por seus amigos ( Cf. Jo 15, 13 ). E ele deu a
vida!
No deserto, os hebreus olhavam a serpente levantada por Moisés
como sinal de cura e libertação. Faz lembrar a cruz onde foi levantado o Filho
do Homem. Da Cruz de Jesus brota a vida e a salvação para todos. Ao olhar com
fé para esse sinal, ficamos curados…
Nesse tempo de conversão, que é a Quaresma, meditemos na Cruz,
na alegria da Cruz! É sempre o mesmo júbilo de estar com Cristo: “Somente d’Ele
é que cada um de nós pode dizer com plena verdade, juntamente com S. Paulo:
“Ele me amou e se entregou por mim” (Gal 2,20). Daí deve partir a vossa alegria
mais profunda, daí deve advir também a vossa força e o vosso ponto de apoio.
Se, por desgraça, deveis encontrar amarguras, padecer sofrimentos, experimentar
incompreensões e até cair em pecado, que o vosso pensamento se dirija
rapidamente para Aquele que vos ama sempre e que, com o seu amor ilimitado, faz
vencer todas as provas, preenche todos os nossos vazios, perdoa todos os nossos
pecados e nos impele com entusiasmo para um caminho novamente seguro e alegre”
(São João Paulo II).
A Igreja quer recordar-nos que a alegria é perfeitamente
compatível com a mortificação e a dor. O que se opõe à alegria é a tristeza,
não a penitência! Vivendo com profundidade o tempo da Quaresma que conduz à
Paixão – e, portanto, à dor -, compreendemos que aproximar-se da Cruz significa
também aproximar-se do momento da Redenção, e por isso a Igreja e cada um dos
seus filhos se enchem de alegria. A mortificação que procuramos viver nestes
dias não deve ofuscar a nossa alegria interior, mas, pelo contrário, deve
fazê-la crescer, porque está prestes a realizar-se essa prova máxima de amor
pelos homens que é a Paixão, e é iminente o júbilo da Páscoa. Por isso queremos
estar muito unidos ao Senhor, para que também na nossa vida se repita o mesmo
processo da sua: chegarmos, pela sua Paixão e Cruz, à glória e à alegria da sua
Ressurreição.
Os sofrimentos e as tribulações acompanham todos os homens na
terra, mas o sofrimento, por si só, não transforma nem purifica; pode até
causar revolta e ódio. Alguns cristãos separam-se do Mestre quando chegam até a
Cruz, porque esperavam uma felicidade puramente humana, que estivesse isenta de
dor e acompanhada de bens naturais.
Para O amarmos com obras, o Senhor pede-nos que percamos o medo
à dor, às tribulações, e o procuremos onde Ele nos espera: na Cruz. A nossa
alma ficará então mais purificada e o nosso amor mais forte. Então
compreenderemos que a alegria está muito perto da Cruz. Mais ainda: que nunca
seremos felizes se não amarmos o sacrifício.
Essas tribulações que, à luz exclusiva da razão, nos parecem
injustas e sem sentido, são necessárias para a nossa santidade pessoal e para a
salvação de muitas almas. No mistério da corredenção, a nossa dor, unida aos
sofrimentos de Cristo, adquire um valor incomparável para toda a Igreja e para
toda a Humanidade. A dor, quando lhe damos o seu verdadeiro sentido, quando
serve para amar mais, produz uma paz íntima e uma profunda alegria. Por isso,
em muitas ocasiões, o Senhor abençoa-nos com a Cruz.
Assim temos que percorrer “o caminho da entrega: a Cruz às
costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma” (São Josemaria Escrivá,
Via Sacra, II º est.).
Sigamos Jesus com alegria, até Jerusalém, até o Calvário, até a
Cruz. Além disso, “não é verdade que, mal deixas de ter medo à Cruz, a isso que
a gente chama de cruz, quando pões a tua vontade em aceitar a Vontade divina,
és feliz, e passam todas as preocupações, os sofrimentos físicos ou morais?”
(São Josemaria Escrivá, Via Sacra, IIº est.).
Dirigindo o olhar para Maria, “Mãe da santa alegria”, pedimos –
lhe que nos ajude a aprofundar as razões da nossa fé, para que, como nos exorta
a Liturgia, renovados no Espírito e com o coração exultante, possamos correr ao
encontro das festas que se aproximam, cheios de fervor e exultando de
fé.
Mons. José Maria Pereira
https://presbiteros.org.br/homilia-do-mons-jose-maria-iv-domingo-da-quaresma-ano-b/
Nenhum comentário:
Postar um comentário