Quem são
os anglicanos e o que os separa dos católicos?
Nos últimos anos, tem havido uma "onda de
conversões" de sacerdotes e bispos anglicanos ao catolicismo
Afinal, quem são os anglicanos? O que os separa dos católicos?
Essas perguntas retornaram às conversas nos últimos dias devido ao falecimento
da rainha Elizabeth II e às diversas cerimônias envolvidas no seu funeral.
Em 2 de dezembro de 1960, o Papa São João XXIII encontrou o
arcebispo de Canterbury, Geoffrey Francis Fisher. Foi o primeiro encontro entre
um Papa e o primaz da comunhão anglicana desde 1559 – ou seja, em 401 anos de
estrita separação. Desde então, as relações entre o anglicanismo e a Santa Sé
foram se tornando mais cordiais, a ponto de ter havido, nos últimos anos, uma
“onda de conversões” de sacerdotes e bispos anglicanos ao catolicismo.
Mas quem são os anglicanos e o que os separa até hoje da
comunhão com Roma?
As origens históricas: um
divórcio
O que separou os anglicanos de Roma foi, literalmente, uma…
separação: a do rei Henrique VIII de sua esposa. Depois que o arcebispo Cranmer
aprovou a anulação do casamento do rei com Catarina de Aragão, uma série de
medidas aprovadas pelo Parlamento (em 1533) rompeu as relações entre a
Inglaterra e a Santa Sé, submetendo o clero inglês inteiramente à Coroa
britânica.
Naquele primeiro momento, não houve alterações doutrinárias
particulares, de modo que a nova igreja cismática permaneceu de fato
católico-apostólica. Com o passar do tempo, no entanto, os impulsos
protestantes rapidamente transformaram a Igreja da Inglaterra em uma confissão
muito diferente da católica em termos de doutrina.
De católica a
“católico-protestante”
Apesar das mudanças impostas por Cranmer, a Igreja Anglicana
conservou, sobretudo no seu começo, inúmeras características católicas. Após a
morte de Henrique VIII (1547), uma nova liturgia em inglês (“Prayer Book”, ou
seja, “Livro de Oração”) foi aprovada em 1549 por Cranmer – que viria a morrer
no decorrer da efêmera reação católica de Maria Tudor (1516-1558). A nova
liturgia anglicana se tornou mais “protestante” em uma segunda edição lançada
já em 1552.
Sob o reinado de Elizabeth I (1533-1603, rainha desde 1558), o
“Livro de Oração” foi revisto (1559) num sentido menos anticatólico, mas os
“Quarenta e dois artigos de fé”, que datavam de 1553, se tornaram em 1571 os
“Trinta e nove artigos”, de orientação mais protestante, ainda que moderada.
Desde a época de Elizabeth I, a religião anglicana, que alguns consideram um
“terceiro gênero” entre catolicismo e protestantismo, se apresenta como uma
combinação de elementos de origem católica (temperados por uma aversão a Roma e
ao papado) e de origem protestante. Aos poucos, as duas tendências se organizam
em correntes ou partidos chamados de “Alta Igreja” (mais conservadora e menos
afastada do catolicismo) e “Baixa Igreja” (mais alinhada ao protestantismo).
Entre os séculos XVIII e XIX, surgem no contexto das duas
correntes um movimento “evangélico”, ligado a posteriores transformações das
primeiras comunidades protestantes espalhadas pelo mundo, e, mais tarde, um
movimento mais pró-católico denominado “movimento de Oxford”, impulsionado por
uma série de panfletos chamados “Tracts for the time”, publicada a partir de
1833. Entre os líderes do “movimento de Oxford” destacou-se John Henry Newman
(1801-1890), que, em 1845, se converteu à Igreja Católica e chegou a tornar-se
cardeal; além dele, destacou-se também Edward Bouverie Pusey (1800-1882), que,
permanecendo na Igreja Anglicana, organizou dentro dela uma influente tendência
“anglo-católica”.
Atualmente, as distinções entre “Alta Igreja” e “Baixa Igreja”
são menos relevantes, e, como um todo, a Igreja Anglicana está bastante
dividida em questões como a ordenação sacerdotal de mulheres e a equiparação da
união civil homossexual ao sacramento do matrimônio.
A Igreja Anglicana de hoje
Hoje em dia, a Comunhão Anglicana é a federação de igrejas
derivadas do anglicanismo nos países em que o antigo Império Britânico fundou
igrejas. Além, é claro, da “igreja-mãe” na Inglaterra e no País de Gales,
existem as da Irlanda, África Central, América Central, América do Sul ,
Austrália, Bangladesh, Burundi, Canadá, Coreia, Japão, Hong Kong, Quênia,
Índia, Índias Ocidentais, Ilhas Malvinas, Melanésia, México, Mianmar, Nigéria,
Nova Zelândia e Polinésia, Paquistão, Papua-Nova Guiné, Províncias do Sul da
África, Províncias da África Ocidental, Províncias do Sudeste Asiático,
Províncias do Oceano Índico, Sri Lanka, Tanzânia, Uganda; Igrejas Episcopais da
Escócia, Brasil, Cuba, Filipinas, Jerusalém e Oriente Médio, Ruanda e Sudão;
Igreja Evangélica Lusitana; Igreja protestante episcopal americana (na qual se
organizaram as paróquias anglicanas após a independência dos Estados Unidos);
e, finalmente, a Igreja reformada episcopal da Espanha.
Trata-se, de fato, de uma “fellowship”, espécie de associação,
das dioceses, províncias e igrejas regionais anglicanas devidamente
constituídas, cujo conselho comum dos bispos se reúne a cada 10 anos na
conferência de Lambeth, presidida pelo arcebispo da Cantuária (Canterbury), que
é reconhecido como uma espécie de primaz de honra do anglicanismo.
O ecumenismo e a relação com a
Igreja de Roma
Desde a década de 1960, as tendências ecumênicas se fortaleceram
dentro da Comunhão Anglicana. O diálogo é particularmente vivo com a Igreja
Católica Apostólica Romana. De significado histórico foram as visitas dos
arcebispos de Canterbury aos Papas: G.F. Fisher em 1960 a São João XXIII; M.
Ramsey em 1966 e D. Coggan em 1977 a São Paulo VI; R. Runcie em 1989 e G.L.
Carey em 1992 e 1996 a São João Paulo II; e R. Williams em 2006 ao Papa Bento
XVI. Particularmente histórica foi também a visita de São João Paulo II a
Canterbury em 1982. Desde 2012, o atual primaz anglicano Justin Welby já se
encontrou duas vezes com o Papa Francisco.
Um problema muito complexo para o diálogo ecumênico é o da
ordenação sacerdotal de mulheres, que não é aceita nem pela Igreja Católica nem
pela Ortodoxa, mas foi aprovada pelo Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra em
1994. Esta situação se complicou ainda mais com a decisão de ordenar mulheres
também como “bispas”, em 2014. No entanto, também houve avanços significativos,
como o reconhecimento anglicano do papel de Maria na história da Salvação, em
2005, e a declaração católico-luterana sobre a “justificação pela fé” em 1999.
A problemática da ordenação é central nas relações entre Roma e
os anglicanos. O Papa Leão XIII, com a bula Apostolicae Curae, de setembro de
1896, declarou nulas as ordenações anglicanas devido a interpretação diferente
do sacrifício da Santa Missa e do papel dos bispos entre as duas Igrejas. Com a
decisão anglicana de ordenar mulheres em todos os graus do sacerdócio, surgiu
um novo obstáculo entre as duas comunidades eclesiais, mas também se abriu um
verdadeiro êxodo de fiéis e clérigos anglicanos para o catolicismo.
Os ordinariatos anglo-católicos
Em 4 de novembro de 2009, o Papa Bento XVI promulgou a
constituição apostólica Anglicanorum Coetibus, para acolher os grupos de
cristãos de tradição anglicana que queriam entrar em plena comunhão com a
Igreja Católica, ainda que mantendo elementos da herança cultural e litúrgica
anglicana. Esta foi a origem dos ordinariatos anglo-católicos, aos quais, só
nos primeiros cinco anos, ingressaram mais de 3.000 ex-anglicanos em quase 90
comunidades espalhadas pela Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá e Austrália.
Uma Igreja à mercê da opinião?
Ao longo da história, a maioria das igrejas se mostrou cautelosa
quanto às idas e vindas das tendências sociais e culturais, o que valeu também
para a Igreja da Inglaterra ao longo da maior parte da sua história.
Entretanto, nas décadas recentes, a comunhão anglicana passou a
ceder rapidamente a supostas “demandas” que julgava relacionadas com a
sociedade em geral, como a relativização dos conceitos de família e matrimônio
e até de sacerdócio. Pode-se dizer que a Igreja da Inglaterra se curvou a
expectativas ideológicas de uma parcela de cidadãos britânicos: em vez de
proclamar a Verdade, decidiu adaptar-se às opiniões.
Aumento das conversões ao
catolicismo
O resultado foi a intensificação das conversões de anglicanos ao
catolicismo, especialmente entre o episcopado. Confira alguns artigos
sobre conversões de bispos anglicanos à Igreja Católica ao longo dos últimos
anos.
https://pt.aleteia.org/2022/09/19/quem-sao-os-anglicanos-e-o-que-os-separa-dos-catolicos/
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