SANTO AGOSTINHO E A
MISERICÓRDIA
Frei
Enrique Eguiarte
A teologia, o pensamento e a vida cotidiana de santo Agostinho estiveram
marcados pela misericórdia. Deste modo o mesmo Bispo de Hipona nos diz o que é
a misericórdia, assinalando com isso não só o sentido etimológico da palavra,
mas também a profunda ressonância bíblica e teológica que tal palavra deve ter
na vida de todo aquele que tem fé:
A misericórdia traz em seu nome outras duas palavras: ‘miseria’ e ‘cor’
(‘miséria’ e ‘coração’). Fala-se de misericórdia quando a miseria alheia toca e
sacode teu coração. Todas as obras boas que realizamos nesta vida caem dentro
da misericórdia. (s. 358, 1).p
O Pai, o Filho e o Espírito Santo
Deus é o primeiro que exercita a misericórdia. Uma misericórdia que se
manifesta, em primeiro lugar, no ato da encarnação do Filho, no qual o Cristo,
o Bom Samaritano (en. Ps. 125, 15), baixa dos céus para resgatar ao homem que
havia perdido todos seus dons ao ter sido despojado por Satanás. Cristo é,
pois, o primeiro exemplo de misericórdia e é quem revela como é a misericórdia
do Pai (s. 192, 3).
Trata-se de uma misericórdia infinita e abundante (s. 47, 5), sempre a
disposição do homem, que sempre será miserável e estará absolutamente
necessitado dessa misericórdia divina. Por isso santo Agostinho repete em sua
obra que “a misericórdia de Deus se adianta a nós (s. 112A, 6), ou que só nela
está posta a esperança humana, dado que o homem por seus próprios méritos não
pode fazer nada: “Nossa esperança está, pois, na misericórdia de Deus” (s.
179A, 1). De fato esta esperança o leva a fazer sua própria “profissão de fé”
na manifestação desta misericórdia de Deus por meio de sua graça: “Toda minha
esperança está em tua grande misericórdia. Dá o que mandas e manda o que
queiras” (Conf. 10. 40).
A misericórdia de Deus nos é transmitida através do Espírito Santo, pelo
qual o amor de Deus é derramado em nossos corações (Rom 5, 5): Ele é a
misericórdia de Deus, “o dom de Deus, a graça de Deus, a abundancia de sua
misericórdia para conosco” (s. 270, 1).
A misericórdia praticada pelo homem
Esta mesma misericórdia de Deus, ao ser a esperança dos pecadores, deve
ser acima de tudo um chamado à conversão, e não uma desculpa para pecar. Por
isso santo Agostinho acentua de maneira paralela a misericórdia de Deus, junto
com sua justiça, dizendo que o tempo presente é tempo de misericórdia, mas que
depois virá o momento do juízo: “Cantaremos ao Senhor a misericórdia e o juízo;
primeiro se envia a misericórdia, depois se faz o julgamento. A separação
ocorrerá no julgamento. Agora, escute-me o que é bom, e faça-se melhor;
escute-me também o mal, e converta-se em bom enquanto é tempo de arrependimento
e antes que seja proferida a sentença”. (s. 250, 2) .
Neste juízo final haverá misericórdia para quem foi misericordioso, mas
não para quem a negou, como no caso do rico néscio da parábola do pobre Lázaro,
caso que é comentado por santo Agostinho como uma exortação a pratica da
misericórdia neste tempo de peregrinação, antes de chegar o dia do julgamento:
Deu-se conta de que lhe era negada a misericórdia que ele havia negado. Deu-se
conta de que é certo que haverá um juízo sem misericórdia para quem não a
teve (s. 41, 4).
As obras de misericórdia
E precisamente a misericórdia de Deus deve ser um modelo e paradigma
para o ser humano, para que ele por sua vez seja misericordioso com aqueles que
o rodeiam. Neste sentido santo Agostinho exorta às diversas obras de
misericórdia, acentuando que a primeira obra de misericórdia que uma pessoa
deve realizar é para com sua própria alma; deve considerar o destino eterno de
seu próprio ser e evitar o pecado para poder alcançar o reino dos céus.
“Praticai a esmola autêntica. Que é a esmola? A misericórdia. Escuta a
Escritura: Compadece-te de tua alma agradando a Deus. Pratica a esmola:
compadece-te de tua alma agradando a Deus. Tua alma mendiga ante tuas
portas; regressa a tuas consciências” (s. 106, 4).
E com todas as demais obras de misericórdia, santo Agostinho antes de
tudo indica a esmola e a ajuda aos pobres, pois esta encerra uma dupla obra de
misericórdia, já que quem dá esmola pessoalmente, por um lado se compadece do
pobre, por outro lado é misericordioso consigo mesmo ao saber-se limitado e
necessitado: “Outra advertência quero vos fazer: sabei que quem dá pessoalmente
algo aos pobres realiza uma dupla obra de misericórdia” (s. 259, 5).
Santo Agostinho nos exorta a realizar obras de misericórdia a toda
pessoa que nos pede. Não obstante, em situações particulares ou em doações de
certo valor, santo Agostinho é o único Padre da Igreja que se faz eco,
curiosamente, de uma frase da Didaché (1.6): “e a Escritura diz em outro
lugar: Que esmola transpire em tuas mãos até que encontres o justo a quem
deves entregá-la (en. Ps. 146, 17). Embora seja certo que santo Agostinho crê
que esta frase é da Escritura, o fundamental é que nos exorta a fazer bem o
bem, ou seja, a praticar a misericórdia com sapiência e prudência.
O Agostinho misericordioso
O mesmo santo Agostinho será uma pessoa que em sua prática pastoral
manifestará a misericórdia, tanto pessoalmente, dando aos pobres o que pode e
tem, como por meio de duas instituições episcopais em sua diocese de Hipona,
como foram a matricula pauperum (ep. 20*, 2) e o xenodochium (s. 356, 10). A
primeira era uma lista das pessoas ou famílias mais pobres, às quais socorria
periodicamente com os alimentos e elementos necessários. O xenodochium era um
albergue onde se ajudava os estrangeiros, peregrinos, pobres e necessitados da
diocese de Hipona.
E este exemplo de misericórdia de seu pastor levou o povo fiel de Hipona
a imitar seu comportamento, de modo que em uma ocasião em que santo Agostinho
estava ausente, os leigos reuniram uma boa quantia de dinheiro para resgatar a mais
de 200 pessoas que haviam sido sequestradas e eram levados para ser vendidos
como escravos. O exemplo da misericórdia de Deus e de Cristo havia levado
Agostinho a ser misericordioso, e seu próprio exemplo levou seus fieis a imitar
suas ações. Obviamente, quando teve conhecimento do fato, o santo não pode
senão louvar a fé e a misericórdia de seus fieis (ep. 10*, 7).
Em um mundo
sem misericórdia como o nosso, poder resgatar a misericórdia em seu sentido
mais evangélico e agostiniano será, sem dúvida, uma alternativa e a solução a
muitos dos problemas que afligem a humanidade, particularmente o da falta de
valores e de coração no mundo.
Jornal
Online “A Voz de Lourdes” – Abril de 2016
Compilação
e Edição: Sérgio Bonadiman - Revisão e Publicação: Dermeval Neves
Responsabilidade:
PASCOM Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Vila Hamburguesa - SP
Site da
Paróquia: http://www.pnslourdes.com.br
https://avozdelourdes.blogspot.com/2016/04/a-misericordia-rosto-de-deus-para-santo.html
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