sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Graça e livre-arbítrio: aproximações e distinções entre Santo Agostinho e Lutero

 

 

Graça e livre-arbítrio: aproximações e distinções entre Santo Agostinho e Lutero

Introdução

O conceito da graça, à época de Santo Agostinho, recebeu diferentes acepções, sendo popularmente concebido de forma pejorativa e se associando a determinadas recomendações que não tinham por finalidade a justiça (GROSSI et al., 2002).

É na controvérsia com Pelágio, asceta e religioso latino, que Santo Agostinho sistematizou o conceito teológico da graça, contrapondo-se à ideia pelagiana de uma vontade humana potente e autossuficiente capaz de por si própria resistir ao pecado. A posição agostiniana sobre esse tema será anexada à ortodoxia eclesiástica católica, sendo evocada para refutar controvérsias posteriores, que ora negavam o livre-arbítrio e a liberdade humana, ora exacerbavam a autossuficiência da natureza humana não corrompida pelo pecado.

A asserção agostiniana do livre-arbítrio e da graça na experiência humana de liberdade e salvação está presente no contexto da Reforma, em que se observa, segundo alguns autores (GROSSI et al., 2002), um novo direcionamento da devoção moderna, privilegiando a experiência relacional entre Deus e os homens na configuração da vivência cristã.

Contudo, no bojo do contexto da Reforma, a instauração de uma nova pietas pela fé reformada traz discussões sobre o entendimento da graça, com posições que se distanciam da concepção agostiniana, sobretudo dos reformadores que radicalizaram a posição luterana.

Neste artigo apresenta-se a concepção agostiniana da graça, a partir da controvérsia pelagiana, necessária para a compreensão do tema; em seguida, após sucinta contextualização biográfica de Lutero e das questões luteranas presentes na Reforma, enfocam-se as aproximações e distanciamentos entre os entendimentos luterano e agostiniano acerca da graça e livre- arbítrio, e da graça e justificação.

A concepção agostiniana da graça

A sistematização do conceito teológico da graça no pensamento agostiniano tem como cenário o desenvolvimento da “Polêmica Pelagiana”. Nela, Santo Agostinho contrapõe o entendimento de Pelágio – de uma natureza humana não maculada pelo pecado original, do livre-arbítrio potente da vontade para realizar o bem, se assim o homem desejar – à concepção da natureza humana “adoecida” pelo pecado das origens e, por conseguinte, da necessidade do “remédio” divino para auxiliar na inclinação da vontade para o bem.

Se a antropologia pelagiana apontava para a criação do homem dotado de livre-arbítrio por Deus como uma graça, a agostiniana mostrará os limites de tal concepção, pois, segundo o grande Doutor da Igreja, tratava-se não de procurar os dons do Criador na criatura, mas os dons que Ele oferta às criaturas para a salvação. Expunha, assim, a necessidade humana da graça para a correção dos pecados, tendo em vista uma natureza humana concreta e real, sujeita aos vícios e vicissitudes inerentes ao tempo (GROSSI et al., 2002).

A ênfase agostiniana recai sobre o advento do Cristo para a salvação humana, pois, diferentemente de Pelágio, para quem cada homem é um novo Adão no tocante ao pecado original, isto é, cada homem depende de si mesmo para resistir ao pecado, para o bispo hiponense é somente a partir da graça salvífica cristã que o homem pode perseverar no caminho do bem, assim, a graça cristã é o auxílio pelo qual os homens se libertam da tendência ao pecado, resistindo às más inclinações.

Como caridade divina, a graça não se resume à existência das leis vetero e neotestamentárias, tal como advogava Pelágio, pois o auxílio que estas podem proporcionar aos homens depende antes do entendimento estimulado pela graça. A posição agostiniana quanto a esse ponto será referendada pela Igreja nos sínodos de Diospólis (415 d.C.) e Cartago (418 d.C.), além da Tractoria do papa Zózimo (GROSSI et al., 2002).

A “auctoritas” agostiniana nos séculos XV e XVI encontra na Escola de Tübingen, Alemanha, um dos pontos principais de difusão das ideias defendidas por Santo Agostinho, sobretudo das interpretações dadas por ele aos textos paulinos. Relacionando-se ao ideal de uma nova piedade cristã, os teólogos daquela escola evocavam os escritos do bispo hiponense, sublinhando a autoridade deste como “intérprete fiel de São Paulo” (GROSSI et al., 2002).

A influência da Escola de Tübingen se estende à teologia de Wittenberg, tendo Lutero como participante.

Lutero e Santo Agostinho: Reforma, aproximações e distanciamentos entre graça e livre-arbítrio

Martinho Lutero nasceu no dia 10 de novembro de 1483, na cidade de Eisleben, Alemanha. Vivia em inquietude e tormento constantes, experimentando estados de incerteza, denominados “Anfechtugen” (OLSON, 2001), ansiedade espiritual aguda sobre o estado de sua alma com a ideia da obtenção da salvação – ideia essa que permeava quase todos os ambientes cristãos de sua época. Ele se despede de seu curso Jurídico e de seus colegas em 16 de julho de 1505, em uma vila universitária da cidade de Erfurt, Alemanha.

No dia seguinte entra para o Convento Negro dos Agostinianos Eremitas, sendo influenciado pelo grande doutor africano Agostinho de Hipona, pelo neoplatonismo, pela teologia do pecado e da graça, pela escolástica nominalista e, também, pela mística de Bernard de Clairvaux. Baseando-se em “De spiritu et littera”, no debate de Heidelberg e na luta contra o pelagianismo, Johan Von Staupitz (1469-1524), vigário geral da Ordem de Santo Agostinho, na Alemanha, acompanha e orienta o jovem monge na continuação dos seus estudos de Teologia.

Assim, em 1508 Lutero assume a cátedra “Lectura in Bíblia” na nova universidade de Wittenberg (VILLARES, 2002). Von Staupitz percebe a força, obstinação e a fé de Lutero, tornando-se então seu confessor e, por meio desse trabalho pastoral e fraterno, a sua influência é fundamental para a formação da intelectualidade, da disciplina da piedade e da personalidade de Lutero.

A pergunta que sempre acompanha Lutero em seus estudos é: “como posso conseguir o amor e o perdão de Deus?” No término de um ano de noviciado recebe as regras, momento em que repete a fórmula:

Eu, irmão Augustin Luder, faço profissão e voto ao Deus todo poderoso, a Santa Maria, sempre virgem, e ao Padre Prior Winand, representando o nome e os poderes do Superior Geral dos Frades Eremitas de Santo Agostinho e de seus sucessores: de obediência e também de vida sem nenhuma posse pessoal e na caridade, de acordo com a regra de Santo Agostinho até sua morte

(CRISTIANI, 1954, p.1029).

Lutero é ordenado padre e celebra sua primeira missa em 2 de maio de 1507. Na continuidade de seus estudos, descobre que para obter o perdão de Deus os homens não necessitavam de castigos contínuos ou de praticar boas obras, mas sim e unicamente de terem fé em Deus, baseando-se em razões bíblicas fundamentais.

Em 1511, retorna angustiado de sua visita a Roma, ao descobrir um ambiente de imoralidade, obscenidade, blasfêmia, heresia e apatia espiritual. No ano seguinte, obtém o seu doutoramento em teologia, em Wittenberg, passando a lecionar disciplinas bíblicas naquela universidade.

Os estudos das “Cartas aos Romanos” influenciam a sua forma de interpretar o Evangelho, e juntamente às críticas ao ambiente eclesiástico da época, Lutero decide tornar públicas suas ideias, elaborando as 95 teses, expondo suas descobertas teológicas e criticando, também, o sistema das indulgências. Consta que as teses foram fixadas na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517.

Influenciado, ainda, pelo sentido da piedade de Santo Agostinho, as indulgências eram vistas por Lutero como intoleráveis, provocando o debate sobre a legitimidade do ato em si e do valor cobrado sobre elas.

É, também, do grande Doutor da Igreja que sofre ascendência, ao enfatizar na Tese 38 a importância da fé, que ele entende como superior aos próprios sacramentos:

Essa fé em sua palavra faz com que sejas verdadeiramente batizado, seja lá qual for o estado de tua contrição. Por isso, a fé é necessária em toda a parte. Tens na exata medida em que crês. É assim que entendo que dizem nossos mestres: os sacramentos são sinais eficazes da graça, não porque acontecem [...] mas porque se crê, como dissemos acima. Assim aqui: a absolvição é eficaz não porque acontece, seja lá quem afinal a faz, quer erre, quer não erre, mas porque se crê

(LUTERO, 1987, p.146).

Recorre à interpretação agostiniana para incitar à compreensão da misericórdia divina necessária a todo cristão, até mesmo aos santos: Nesta vida, nenhum santo está sem pecado, segundo 1Jo 1,8: “Se dissermos que não temos pecado”, etc. Ele diz a mesma coisa também em Da natureza e da graça (De natura et gratia)2.

Lutero acreditava que a Igreja precisava ser renovada e queria iniciar um debate. Em um curto espaço de tempo, o conhecimento do conteúdo dessas teses tomou toda a Alemanha e se espalhou por várias regiões da Europa. As ideias defendidas por ele surgiram num período em que o papado ainda não havia se refeito completamente do Cisma de Pisa (1511-1512). Roma saía do V Concílio de Latrão (1512-1517) pensando ter solucionado as questões doutrinais vigentes, e o poder imperial de Carlos V exercia influência nas decisões da Cúria, gerando um clima de animosidade e insegurança eclesiástica (WOLFF, 2015).

Apesar de ter sido extremamente pressionado a renegar o seu entendimento teológico e os seus escritos, tanto pela Igreja (excomunhão) como pelas autoridades seculares (banimento), Lutero não alterou suas convicções.

O Movimento da Reforma propagou-se por toda a Europa. No início de 1530, os vários líderes protestantes escreveram a Confissão de Augsburg (Confessio Augustana) sintetizando os componentes doutrinários basilares do luteranismo, lido perante o Imperador Carlos V e o Sacro Império Romano Germânico na data de 25 de julho. Lutero faleceu na data de 18 de fevereiro de 1546, aos 62 anos. Por fim, em 1555 o imperador reconhece e faz saber que existiam duas diferentes confissões de fé cristãs nos territórios sob o seu poder: a católica e a luterana.

É conhecido De Servo Arbítrio, escrito de Lutero que se contrapõe diretamente às concepções do humanista Erasmo de Roterdã. As críticas luteranas se voltam às proposições do humanista, sobretudo àquelas que relativizavam as consequências do pecado das origens para a natureza humana, e consequentemente, para o livre-arbítrio da vontade.

Lutero via nessa relativização contornos semipelagianos, evocando o caráter absoluto da graça cristã para a correção da vontade humana corrompida e prisioneira do pecado original. A graça revela-se na fé em Cristo, como expõe:

Visto, porém, que acusa o mundo inteiro deste pecado e, como é notório, a partir da experiência, que esse pecado foi desconhecido do mundo, como também Cristo, fato que é revelado pelo Espírito acusador, fica evidente que o livre-arbítrio com sua vontade e razão é considerado cativo e condenado perante Deus por esse pecado. Por isso, enquanto ignora a Cristo e não crê nele, nada pode querer ou intentar de bom, mas serve obrigatoriamente aquele pecado ignorado (LUTERO, 1993, p.210).

A obrigatoriedade em pecar, tal como apontado por Lutero, choca-se com a ideia do livre-arbítrio da vontade, pois coloca as ações humanas no reino das necessidades.

De forma diversa, Santo Agostinho não nega o adoecimento da vontade pelo pecado; todavia, a existência do livre-arbítrio é ressaltada, visto que sem ele não é possível a graça. A mesma graça que coopera com o livre-arbítrio para direcionar a vontade humana para o bem é aquela que justifica o homem perante Deus. Santo Agostinho enfatiza essa colaboração entre graça e vontade para que os homens se tornem justos e se justifiquem:

Sem tua vontade não estará em ti a justiça de Deus. Certamente a vontade não é senão tua, a justiça não é senão de Deus. Pode existir justiça de Deus sem tua vontade, todavia à margem de tua vontade [a justiça] não pode dar-se em ti. Serás obra de Deus, não somente por ser homem, mas por ser justo. Melhor é para ti ser justo que ser homem. Se o ser homem é obra de Deus e o ser justo é obra tua, ao menos essa obra tua é maior que a de Deus. Mas, Deus te fez a ti sem ti. Quem te fez sem ti não te justificará sem ti

(SANTO AGOSTINHO, 1981, p.13).

Se a noção do livre-arbítrio da vontade de Lutero se afasta do entendimento agostiniano, sua concepção da graça que justifica se aproxima das ideias do bispo hiponense. A justificação independe das obras humanas, e a graça se expressa nas leis eternas, isto é, divinas, da fé e do amor, cujo exemplo é o Cristo:

A perfeição e a imperfeição não são inerentes às obras e não estabelecem qualquer distinção de condição exterior ou de status entre cristãos; pelo contrário, são inerentes ao coração, à fé, ao amor, de tal modo que todo aquele que acredita mais e tem mais amor, tal pessoa é perfeita, independentemente de ser um homem ou uma mulher, um príncipe ou um camponês, um monge ou um leigo, pois o amor e a fé não criam dissensões e distinções exteriores. Aqui devemos dividir os filhos de Adão em duas partes: a primeira pertence ao reino de Deus; a segunda ao reino do mundo. Todos aqueles que acreditam verdadeiramente em Cristo pertencem ao reino de Deus [...] Ora, tais pessoas não têm necessidade nem da lei nem da espada [...] fazem muito mais do que quaisquer leis ou ensinamentos poderiam exigir

(LUTERO, 1995, p.87, grifo do autor).

Justificado pela fé, instaura-se uma vida nova ao cristão, pautada pela observação das leis divinas, não o sujeitando estritamente às leis temporais, pois as transcendem. Eis um dos aspectos principais da piedade, tal como desenvolvido por Lutero, demarcadora da via moderna de devoção, sintetizada no desejo inato de Deus e na relação íntima entre Criador e criatura (GROSSI et al., 2002).

Destacando a importância e liberdade da fé, Lutero afirmava, no contexto da Reforma: “A fé é algo que Deus elabora no espírito. Daí a afirmação comum, que também está presente em Agostinho: ninguém pode ou deve ser forçado a acreditar em alguma coisa contra a sua vontade” (LUTERO, 1995, p.62).

É sabido que a concepção da justificação de Lutero é tributária da interpretação que fazia de São Paulo, sobretudo da Carta aos Romanos, e de Santo Agostinho, principalmente do tratado “De spiritu et littera” (GROSSI et al., 2002). Santo Agostinho frisava, no referido tratado, a importância das leis da fé e do amor para a justificação, pois são leis contrárias ao pecado, e a justiça cristã como expressão da lei da graça, isto é, da graça como gratuidade da salvação: Deus, soberanamente justo, salvará aqueles que Nele creem.

A obediência do cristão às leis seculares e divinas, a ação da graça sobre a vontade, resultando na liberdade do homem, a fé que o faz perseverar no caminho reto e na observação das leis por amor, encontram-se sintetizadas na passagem seguinte, estabelecendo os princípios da justiça cristã e o caminhar humano para a justificação:

O cumprimento da lei depende da liberdade, mas pela lei se verifica o conhecimento do pecado e, pela fé, a súplica da graça contra o pecado. Pela graça, a cura da alma dos males da concupiscência; pela cura da alma, a liberdade; pela liberdade, o amor da justiça; pelo amor da justiça, o cumprimento da lei. Desse modo, assim como a lei não é abolida, mas é fortalecida pela fé, visto que a fé implora a graça, pela qual se cumpre a lei, assim a liberdade não é anulada pela graça, mas consolidada, já que a graça cura a vontade, pela qual se ama livremente a justiça

(SANTO AGOSTINHO, 1998, p.52).

A graça é, tal como apresentado por Santo Agostinho, a experiência relacional entre o homem e o divino, ou seja, a relação humana com Deus e Cristo redentor, e se inscreve na relação entre livre-arbítrio e liberdade, não sendo estes termos sinônimos.

Nessa acepção, enquanto a liberdade é resultante do influxo da graça sobre a vontade, para que esta penda para o bem, o livre-arbítrio é o meio pelo qual ela atua. Nesses termos, os homens, ao exercerem o seu livre-arbítrio, tanto podem se aproximar quanto se afastar de Deus. Ressalta-se que se tornam mais livres à medida que seus atos os aproximam do Eterno, pois se encontram menos sujeitos aos vícios e vicissitudes do livre-arbítrio.

De forma relacional, portanto, graça e liberdade marcam indelevelmente a trajetória humana, pois dessa relação brota o início da fé, geradora da esperança. Por sua vez, a esperança possibilita ao cristão perseverar até a justificação estar completa, na Jerusalém celestial, onde gozará da justiça e graça eternas, nas palavras de Santo Agostinho:

Estais certos, portanto, de que não trabalhais em vão, se perseverardes até o fim do bom propósito. Deus, que agora aos libertados não retribui conforme suas obras, então retribuirá de acordo com suas obras. Deus retribuirá o mal com o mal, porque é justo; e o bem pelo mal, porque é bom. E retribuirá o bem com o bem, porque é bom e justo, e não retribuirá o mal com o bem, somente pelo fato de que não é injusto. Resumindo: dará o bem pelo mal, a graça pela injustiça, o bem pelo bem, graça sobre graça

(SANTO AGOSTINHO, 2002, p.45).

Considerações Finais

As ideias de Lutero, como apontado, embasou uma nova pietas, e sem elas não se podem entender os caminhos percorridos pela ortodoxia católica nos Seiscentos, na reformulação e contestação havidas a partir do advento do movimento da fé reformada.

Em parte, como também discorrem os autores citados, a radicalização do movimento reformista não deve ser atribuída, stricto sensu, às ideias luteranas.

De um lado, no tocante à doutrina agostiniana da graça contra o pelagianismo, Lutero foi defensor das ideias do bispo hiponense. De outro, não se deve negar que Lutero promoveu certo enrijecimento da teoria da graça agostiniana, limitando, por conseguinte, o conceito de livre-arbítrio, tal qual defendido por Santo Agostinho.

Se tomada como inexorável a tendência do arbítrio humano ao pecado, perde-se o meio pelo qual atua a graça, já que esta, segundo o pensamento agostiniano, age sobre o livre-arbítrio e com a colaboração dele. Aponta-se que o livre-arbítrio, entendido como irremediavelmente pendente ao mal e ao pecado, coloca as ações humanas como determinadas pelo reino das necessidades, e como tal, já não haveria razões para se atribuir responsabilidade pelos atos realizados pelos homens, pondo fim, portanto, ao campo ético no qual se desenvolve a vida humana.

A diferenciação entre livre-arbítrio e liberdade, como exposto no texto, traz luzes ao entendimento do pensamento agostiniano, sendo esta última um valor a se conquistar, diferentemente do livre-arbítrio, bem médio, inerente a todos os humanos.

Não se nega com tal asserção a presença da graça, pois a liberdade, em sentido cristão, tal como entende Santo Agostinho, só é possível pela graça. Graça e livre-arbítrio constituem o binômio dos atos humanos voltados para o bem.

Partindo das concepções agostinianas partilhadas por Lutero, a análise mais profícua busca, para a comunhão dos princípios verdadeiramente cristãos, apontar a convergência de alguns pontos dos ideais luteranos com as proposições da Igreja Católica, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, instauradoras de um diálogo ecumênico cristão. Nesse sentido, destaca-se que esse Concílio reconhece as preocupações manifestadas por Lutero, ressaltando a fidelidade ao evangelho como forma de renovação contínua da Igreja por meio da palavra divina, bem como a fidelidade à história humana como motriz das mudanças necessárias para se levar a cabo a missão evangelizadora.

Trata-se, portanto, de compartilhar de um ideal comum a católicos e cristãos da fé reformada – entendendo a Igreja como o Povo de Deus, Cristo como mediador único, e os ministérios como serviços sacerdotais –, bem como de assegurar a liberdade religiosa das pessoas como um direito.

Referências

CRISTIANI, L. Luther et saint Augustin. In: AUGUSTINUS magister. Congrés International Augustinien. Paris, 1954. v.2.

GROSSI, V. et al. O homem e sua salvação. São Paulo: Loyola, 2002. t.2

LUTERO, M. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal, 1987.

LUTERO, M. Obras selecionadas. São Leopoldo: Sinodal, 1993. (Debates e Controvérsias, v.4, n.2).

LUTERO, M. Sermão sobre a autoridade secular. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

OLSON, R. História da teologia cristã: 200 anos de tradições e reforma. São Paulo: Vida, 2001.

SANTO AGOSTINHO. A Graça. São Paulo: Paulus, 1998. (O Espírito e a Letra, v.1).

SANTO AGOSTINHO. A Graça. São Paulo: Paulus, 2002. (A Graça e a Liberdade, v.2).

SANTO AGOSTINHO. Obras de San Augustín. Sermones. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), 1981.

VILLARES, A. A recepção de Santo Agostinho em Lutero e nos escritos confessionais luteranos. In: CONGRESSO INTERNACIONAL AS CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO 1600 ANOS DEPOIS: PRESENÇA E ACTUALIDADE, 2000, Lisboa. Actas do Congresso Internacional... Lisboa: Universidade Católica, 2002.

WOLFF, E. Divisões na Igreja: desafios para o ecumenismo hoje. Theologica Xaveriana, n.180, p.381- 407, 2015.

Notas

2 CfLutero (1987, p.162).

MATTOS, J.R.A. Graça e livre-arbítrio: aproximações e distinções entre Santo Agostinho e Lutero. Reflexão, v.42, n.2, p.263-269,

2017. https://doi.org/10.24220/2447-6803v42n2a3997

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