XV-SANTO AGOSTINHO, LEITOR DA PALAVRA
Sabemos
que Santo Agostinho fez da Bíblia o livro da sua vida. Mimou o tesouro das
sagradas Escrituras, atingindo com elas uma cumplicidade que raramente foi
conseguida depois dele. Como outros Padres da Igreja, respirava a Escritura.
Vivia dela. Pensava a partir dela. Ensinava e pregava por ela. Pôs a Escritura
no centro da sua existência e da sua relação com a Igreja. E isso já lhe
reserva um lugar de honra na arca do admirável e do imperecedouro. Leu-a – como
deve ser – à procura de iluminação para a vida, para problemas teológicos e
interrogações morais, para a educação e edificação pastoral da fé e para
alimentar a comunhão com Deus com unção de místico: «Sejam as tuas Escrituras
as minhas castas delícias» (Confissões,
XI, 2, 3). Tinha «as minhas ânsias veementemente inflamadas nas tuas
Escrituras» (Confissões,
XI, 22, 28). Isso aparece especialmente no livro das Confissões, em que
Agostinho manifesta a grande devoção com que «venera e coloca..., no vértice da
autoridade que deve ser seguida, a tua santa Escritura» (Confissões, XII, 16, 23).
«Cheio de gozo, ouvia muitas vezes a Ambrósio... recomendar [sobre os antigos
escritos da Lei e dos Profetas]: "a letra mata, mas o espírito
vivifica". Removido assim o místico véu, desvendou-me espiritualmente
passagens que, tomadas à letra [ad
litteram], pareciam ensinar a perversidade» (Confissões, VI, 4, 6).
Com
o conhecimento dos textos da Bíblia, esmaltou o seu estilo literário de
tonalidades, imagens, metáforas, adaptações, citações retiradas dela por
associação de ideias. Nesta associação, às vezes o seu texto assemelha-se a um
mosaico composto com pedrinhas extraídas da canteira da Bíblia (como em Confissões, XIII, 13, 14).
As numerosas citações eram atraídas com o fim de se exprimir e até de rezar
mediante uma linguagem sagrada, com o corpo linguístico bíblico (exemplo sumo
para a prática da lectio
divina hoje). Procurava na Bíblia a linguagem para desafogar o
tropel de sentimentos humanos e espirituais que inquietavam o seu coração, para
fazer graduais aproximações ao ser de Deus e para obter a harmonia interior. A
linguagem bíblica surgia-lhe ao fio da pena: «Eu peregrinava longe de Ti,
excluído até das bolotas dos porcos que eu apascentava com bolotas» (citando
Lucas 15,16). Era uma forma de se interpretar a si próprio e de se deixar
ensinar e restaurar pela Bíblia.
https://www.snpcultura.org/santo_agostinho_leitor_da_palavra.
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