sábado, 28 de setembro de 2024

XV-SANTO AGOSTINHO, LEITOR DA PALAVRA

 

 

XV-SANTO AGOSTINHO, LEITOR DA PALAVRA

Sabemos que Santo Agostinho fez da Bíblia o livro da sua vida. Mimou o tesouro das sagradas Escrituras, atingindo com elas uma cumplicidade que raramente foi conseguida depois dele. Como outros Padres da Igreja, respirava a Escritura. Vivia dela. Pensava a partir dela. Ensinava e pregava por ela. Pôs a Escritura no centro da sua existência e da sua relação com a Igreja. E isso já lhe reserva um lugar de honra na arca do admirável e do imperecedouro. Leu-a – como deve ser – à procura de iluminação para a vida, para problemas teológicos e interrogações morais, para a educação e edificação pastoral da fé e para alimentar a comunhão com Deus com unção de místico: «Sejam as tuas Escrituras as minhas castas delícias» (Confissões, XI, 2, 3). Tinha «as minhas ânsias veementemente inflamadas nas tuas Escrituras» (Confissões, XI, 22, 28). Isso aparece especialmente no livro das Confissões, em que Agostinho manifesta a grande devoção com que «venera e coloca..., no vértice da autoridade que deve ser seguida, a tua santa Escritura» (Confissões, XII, 16, 23). «Cheio de gozo, ouvia muitas vezes a Ambrósio... recomendar [sobre os antigos escritos da Lei e dos Profetas]: "a letra mata, mas o espírito vivifica". Removido assim o místico véu, desvendou-me espiritualmente passagens que, tomadas à letra [ad litteram], pareciam ensinar a perversidade» (Confissões, VI, 4, 6).

Com o conhecimento dos textos da Bíblia, esmaltou o seu estilo literário de tonalidades, imagens, metáforas, adaptações, citações retiradas dela por associação de ideias. Nesta associação, às vezes o seu texto assemelha-se a um mosaico composto com pedrinhas extraídas da canteira da Bíblia (como em Confissões, XIII, 13, 14). As numerosas citações eram atraídas com o fim de se exprimir e até de rezar mediante uma linguagem sagrada, com o corpo linguístico bíblico (exemplo sumo para a prática da lectio divina hoje). Procurava na Bíblia a linguagem para desafogar o tropel de sentimentos humanos e espirituais que inquietavam o seu coração, para fazer graduais aproximações ao ser de Deus e para obter a harmonia interior. A linguagem bíblica surgia-lhe ao fio da pena: «Eu peregrinava longe de Ti, excluído até das bolotas dos porcos que eu apascentava com bolotas» (citando Lucas 15,16). Era uma forma de se interpretar a si próprio e de se deixar ensinar e restaurar pela Bíblia.

https://www.snpcultura.org/santo_agostinho_leitor_da_palavra.

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