VI-REFLEXÃO DOMINICAL I:
26º DOMINGO DO TEMPO COMUM –
Seguir
Jesus de forma radical e sem exclusivismo
Por Francisco Cornélio Freire Rodrigues*
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Celebramos neste domingo o Dia da Bíblia, a Palavra de Deus
expressa em palavras humanas que, antes de tornar-se livro, foi experimentada e
vivida por inúmeros indivíduos e comunidades, ao longo de vários séculos. Por
meio dela, conhecemos o projeto de amor de Deus para a humanidade e os traços
essenciais da sua identidade, e aprendemos a viver como seu povo. Com efeito,
os textos desta liturgia mostram isso muito bem. A primeira leitura e o
Evangelho recordam a liberdade do agir de Deus: ele concede seus dons como quer
e a quem lhe apraz. É um Deus que não permite ser monopolizado por ninguém.
Logo, nenhum grupo ou instituição pode determinar seu agir. Isso indica que a
fé no Deus bíblico é incompatível com qualquer tipo de exclusivismo. A denúncia
aos ricos gananciosos e exploradores, na segunda leitura, também recorda outra
característica de Deus: a opção preferencial pelos pobres e a intolerância com
a injustiça. É nessa perspectiva que deve orientar-se o discipulado de Jesus.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS
BÍBLICOS 1. I leitura (Nm 11,25-29)
A primeira leitura é
tirada do livro dos Números, obra composta de textos narrativos e legislativos,
provenientes de tradições e épocas diversas. O fio condutor do livro é a
estadia de Israel no deserto, desde o Sinai até a chegada às planícies de Moab,
a última etapa antes da entrada na terra. Apesar da dificuldade de estabelecer
uma estrutura da obra, devido à complexidade literária e teológica, atualmente
é consensual sua divisão em três partes (1,1-10,10; 10,11-20,13; 20,14-36,13).
O trecho lido neste dia pertence à segunda parte. Para compreendê-lo, é
necessário recordar o contexto, como faremos a seguir.
O povo tinha murmurado contra
Deus por causa do maná, com saudade da comida boa e farta do Egito (Nm 11,4-9).
Moisés ouviu tudo e lamentou-se diante do Deus, alegando já não ter forças para
continuar a liderar um povo tão ingrato e difícil de lidar (Nm 11,10-15). Em
resposta, Deus ordenou-lhe que escolhesse 70 anciãos e os reunisse na tenda do
encontro, prometendo habilitá-los com seu Espírito para ajudar Moisés na condução
do povo (Nm 11,16-17). O texto lido neste domingo é a continuação desses
eventos.
Moisés fez tudo como lhe fora
ordenado (Nm 11,18-24), e o Senhor desceu sobre a assembleia reunida, conforme
prometera, e repartiu o Espírito (v. 25). Para participar da liderança do povo,
ou seja, para profetizar, é necessário ser portador do Espírito de Deus. Até
então, o Espírito estava concentrado todo em Moisés; a retirada de uma porção
dele significava a descentralização das responsabilidades e da liderança.
Surpreendentemente, dois homens que estavam na lista não compareceram à
reunião, mas também receberam o Espírito e começaram a profetizar no
acampamento; aliás, com maior perseverança do que os outros que tinham
participado da reunião (v. 26). Aqui se encontra a mensagem central da leitura:
o Espírito de Deus é livre no seu agir, sua atuação transcende os espaços e as
prescrições deter- minadas por qualquer grupo ou instituição.
A reação negativa de Josué,
ajudante de Moisés, adverte sobre o perigo de querer monopolizar o agir de Deus
(v. 27-28). Por seu turno, a correção de Moisés revela a qualidade da sua
autoridade, digna de quem, de fato, se deixa conduzir pelo Espírito de Deus (v.
29): melhor seria se todo o povo tivesse o dom da profecia.
II-
II
leitura (Tg 5,1-6)
Neste domingo, concluímos a sequência de leituras da carta de
Tiago, que nos acompanhou por cinco domingos. Como afirmamos em ocasiões
anteriores, apesar de classificado como carta, esse escrito não possui
características epistolares, à exceção da saudação inicial (1,1),
aproximando-se mais do estilo sapiencial e profético. Enquanto o trecho lido no
domingo passado era sapiencial, o desta liturgia é tipicamente profético.
Trata-se precisamente de um lamento profético contra os ricos, um texto que se
aproxima da pregação de Amós e do próprio Jesus.
Na primeira parte do texto, o autor denuncia duramente os ricos pelo
acúmulo de riquezas e pela confiança nelas depositadas (v. 1-3). O tom
ameaçador da denúncia reflete a gravidade da situação e a mentalidade disseminada
entre os pregadores do século I d.C., que acreditavam no retorno imediato do
Senhor para o julgamento. A ameaça funciona como apelo à conversão, o que,
neste caso, seria a condivisão dos bens. A segunda parte traz a acusação: as
riquezas acumuladas são fruto de injustiça, provêm da exploração dos pobres (v.
4-6). Por seu turno, Deus é intolerante com todo tipo de injustiça, ainda mais
quando é a negação de um direito dos pobres, que trabalharam, mas não receberam
o salário para a sobrevivência (v. 4). Quem comete esse tipo de injustiça não
ficará impune (v. 5), pois é uma forma de assassinato (v. 6).
Deus, que é livre para conceder
seus dons à sua maneira, preocupa-se também com a distribuição dos bens
materiais. Por isso, condena a ganância e o acúmulo, sobretudo quando é fruto
de exploração. E quase sempre é.
III-
Evangelho (Mc
9,38-43.45.47-48)
O Evangelho desta
liturgia, continuação imediata daquele do domingo passado, apresenta mais uma
atitude incoerente dos discípulos, a correção de Jesus e o ensinamento. A
incoerência denunciada desta vez é a mentalidade fechada e exclusivista: a
tentação deles de monopolizar os dons do Espírito e o Evangelho, proibindo um
homem de agir em nome de Jesus somente por não os seguir, como revela a fala de
João (v. 38). Ora, a atividade de expulsar demônios significa a promoção da
liberdade e da dignidade das pessoas. É o rompimento com as estruturas de morte
e opressão vigentes em qualquer sistema. Quem faz isso está em sintonia e
comunhão com Jesus, mesmo que não pertença a determinado grupo ou comunidade
eclesial. Por isso, a reação do Mestre é de total reprovação à mesquinhez dos
discípulos (v. 39-40). Ninguém deve ser impedido de fazer o bem nem de
identificar-se com Jesus apenas por não pertencer a um grupo. Dos discípulos
exige-se abertura, tolerância e consciência de que a mensagem do Evangelho não
é propriedade de ninguém. Jesus fecha a questão com um simples e profundo
provérbio (v. 40). Ser contra é optar pelo mal e fechar-se aos valores do
Reino; quem não faz isso já está, consequentemente, a favor e, portanto, apto a
agir em nome de Jesus, independentemente de pertença a algum grupo ou
instituição religiosa.
Jesus aprofunda a catequese com
exemplos simples e concretos. Dar um copo de água é gesto que significa
acolhida, criação de vínculos (v. 41). Quem faz isso é recompensado; a
recompensa, porém, não é um prêmio, mas a comunhão com Jesus. Em seguida, ele
apresenta exigências cada vez mais radicais para o discipulado, como o cuidado
em não escandalizar os pequeninos que creem nele (v. 42a). Escandalizar
significa criar obstáculo, fazer o outro tropeçar, tornando a vida mais
difícil. Os pequeninos são todas as categorias de pessoas vulneráveis e
historicamente excluídas. Jesus reprova e adverte severamente quem dificulta a
vida dessas pessoas, prevendo um destino trágico (v. 42b): a morte por
afogamento era a mais temida pelos judeus, pelo risco de não encontrar o corpo
para o sepultamento. Daí a ênfase de Jesus em mostrar que o ser humano se
autocondena quando se torna obstáculo na vida dos pequeninos.
Na sequência, Jesus menciona
alguns membros do corpo humano para ilustrar ainda mais a atitude radical que
seu seguimento exige. Não é um convite para amputá-los, mas advertência para
conduzir a vida sempre em favor do bem. As mãos, os pés e os olhos (v. 43-47)
eram considerados os membros do corpo responsáveis pelo bom ou mau
comportamento das pessoas, segundo a mentalidade semita. As mãos representam o
agir humano, e os pés a conduta, podendo levar a pessoa por caminhos retos ou
tortuosos. Os olhos, por sua vez, são a porta de entrada dos sentimentos e
desejos; tudo o que é processado no coração, sentimentos bons e maus, passa
antes pelo olho. Diante disso, se esses membros são usados para o mal, é
preferível privar-se deles.
Com uma linguagem tão severa, Jesus ensina que a vida não tem
sentido quando não é pautada pelo bem ao próximo. Afogamento e fogo são imagens
de uma vida sem sentido, fora do Reino. Esse Reino não é um paraíso
para o futuro, mas o projeto de Deus para ser vivido desde agora; é o mundo
justo e fraterno, incompatível com todas as formas de dominação, exclusivismo,
autoritarismo e ausência de amor e justiça.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Apresentar a relação entre as
leituras, evidenciando a atualidade de cada uma. Recordar o significado do dia
da Bíblia, reforçando a importância da Palavra de Deus na vida da comunidade e
de cada pessoa. Chamar a atenção para os frutos que a Palavra de Deus deve
gerar na comunidade: a tolerância e o respeito às diferenças, a acolhida a
todos, com preferência pelos mais necessitados, os pequeninos. Mostrar a
importância de reconhecer a liberdade de Deus e sua presença nas outras
experiências de fé.
Francisco Cornélio Freire Rodrigues*
*é presbítero da diocese
de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università
San Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo
Instituto Salesiano de Filosofia (Insaf), no Recife, e bacharel em Teologia pelo
Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo
Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).
E-mail: francornelio@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/26o-domingo-do-tempo-comum-26-de-setembro/
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