VIII-REFLEXÃO DOMINICAL III: 26.º
DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B
Por
Tea Frigerio mmx(*)
1ª Leitura - Nm 11,25-29
Salmo - Sl
18,8.10.12-13.14 (R.8a 9b)
2ª Leitura - Tg 5,1-6
Evangelho - Mc
9,38-43.45.47-48
A divisão
clássica do Evangelho de Marcos coloca no seu centro
o ”segredo
messiânico”. Na Galileia os sinais do Reino que Jesus realiza
são anuncio e provocação: a Vida tem que estar no centro (Mc 3,3). Ao mesmo
tempo o comando de Jesus ao silencio, é um calar e um falar ao mesmo tempo (Mc
1,34; 3,12; 5,42).
É no caminho da Galileia para Jerusalém que Jesus rompe o silencio.
Nos anúncios da morte na cruz e ressurreição se revela como Messias, Servo
Sofredor. No caminho para Jerusalém quebra o silêncio e faz do seu caminho o
caminho do discipulado.
O esquema
a seguir nos provoca a contemplar, refletir, nosso caminho como discípulas, como discípulos.
O caminho inicia em Betsaída, ‘Casa da misericórdia’.
Levam a Jesus um cego. Sua
cura é um ver progressivo. Quando o
cego recupera a vista Jesus o convida a não entrar na
cidade, pois lá residem as autoridades políticas e religiosa; se encontra o
fermento dos fariseus. O convite de Jesus é uma alerta: o centro do poder cega,
precisa tomar distância.
O
caminho conclui-se em Jericó com a cura de outro cego. Conhecemos o nome,
Bartimeo o ‘filho de Timeo’. Ele, com sua insistência e radicalidade: abandona
tudo e alcança a cura. Abandona a beira da estrada, suas seguranças, para ver
Jesus e segui-lo no caminho para Jerusalém, o caminho da cruz.
A comunidade
de Marcos nos deixou como herança a memória de Jesus que no caminho e na casa ensina
a ser discípula, a ser discípulo, um caminho que se abre e fecha com duas narrações de
cura da cegueira. A comunidade compreendeu que o caminho do discipulado é um processo
lento que exige radicalidade para se libertar da lógica do
poder que rege a sociedade e a religião e imbuia os discípulos, como vimos nos
domingos passados.
O primeiro
anuncio tem como abertura a pergunta de Jesus: “O que dizem de mim? ... E
para vocês quem eu sou? ” (Mc 8,27-29). Jesus pede uma adesão pessoal, pede
coragem em declarar em alta voz o que acredita: declarar é aderir, é orientar a
própria vida, as escolhas, o estilo de vida, é pisar nas pegadas de quem
caminha a nossa frente.
O terceiro
anuncio é provocado pelo pedido de Tiago e João: “Nos dá na tua glória de sentar a tua
direita e a tua esquerda” (Mc 10,37). Percebemos que ainda não
compreenderam ... ainda são cegos!
O debate sobre quem é o maior provoca
o segundo
anuncio da cruz
e ressurreição acompanhado de acontecimentos que se tornam
para Jesus motivo de ensino e transformação.
O caminho
para Jerusalém é
em subida, pede
de deixar para trás uma lógica para se abrir a outra, lógica outra
mentalidade: compreender é aderir. Quem se apresta a subir a montanha sabe
que, se quiser chegar ao topo, precisa se
desfazer da bagagem pesada que torna o caminhar lento,
pesado, deixa sem respiro ... Subindo, Jesus penetra no profundo das pessoas e
ao mesmo tempo não obriga “se
alguém quer me seguir ...” (Mc 8,34). É um convite, é uma opção livre.
É na subida, nos acontecimentos que se entrevê o caminho do discipulado. E
Jesus provoca, pergunta, convida a discernir, a escolher em liberdade as
mudanças que precisa operar. Se quiser ...
E, mais uma vez os discípulos, na pessoa de
João dão topada feia: “Mestre,
vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque
ele não nos segue.” Ecoa na lamentação de João a mesma
lamentação que saiu da boca de Josué: “ Moisés,
meu senhor, proíba-os de fazer isso”. A resposta de Moisés: “Você está com ciúme por mim? Oxalá
todo o povo de Javé fosse profeta e recebesse o espírito de Javé!
”, é como uma deixa para resposta de Jesus: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome
e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor.”
Moisés fala de ciúme. O
mesmo sentimento que
parece albergar o
coração de João representante dos discípulos. Sentimento e
atitude que alberga em nós, em muitas das nossas comunidades e paroquias. A
‘minha’ pastoral, paroquia, diocese, igreja ... O olhar desconfiado ... O preconceito a
respeito de outras expressões religiosas ... As iniciativas e convites que
outros grupos nos fazem ... A diversidade que nos assusta ... incomoda ...
O medo de
perder o protagonismo, a caridade que é apropriada e se torna propriedade
privada ...
Moisés exclamou: "Oxalá todo o povo de Javé fosse
profeta e recebesse o espírito de Javé! ..." Jesus proclamou:
"Quem não está contra
nós, está a nosso favor. ”
O Espírito de Javé,
Divina Ruah, é vento livre, forte e generoso, rompe barreiras,
inova e renova, cria e recria, inventa e reinventa, conectando e interligando,
espalha seu sopro vital curando, libertando, convidando à solidariedade, á
compaixão, à ternura, fazendo dos diversos e diversas um
povo novo.
Caminho em subida, processo que
exige radicalidade: cortar
a mão, cortar o pé, arrancar o olho, colocar uma pedra no pescoço e se jogar no
mar para não ser de escândalo. Não ser de escândalo a estes pequeninos.
Escândalo da pedra no calçado, que
atropela o caminhar, que fere até que não é mais possível caminhar. A atitude
de Pedro que ao ouvir que Jesus é Servo Sofredor, sua morte na cruz se coloca a
sua frente e quer barrar o caminho: se torna o Tentador!
Não ser de escândalo aos pequeninos... E ,
mais uma vez, a carta
de Tiago (Tg 5,1-6) nos vem em socorro e nos ajuda a
compreender as exigências do caminho do discipulado. A mão a ser cortada é que
reteve o salário dos trabalhadores. É o pé que pisou com arrogância no campo do
agricultor; que ferio e sangrou a Mãe terra. O olho que cobiçou e que moveu os
pés, as mãos, o coração. Melhor cortar .... Vocês condenaram e mataram o justo,
e ele não conseguiu defender-se.
Jesus não está
falando para os de fora, está
se dirigindo aos discípulos. Tiago não está
falando a povo da cidade, está
falando para comunidade.
É palavra que chega até nós, as nossas
comunidades e nos interroga: estamos
escandalizando os pequeninos, apoiando o agronegócio, a
destruição da Amazônia, ameaçando as terras indígenas e quilombolas, arrochando
o salário, os alugueis, a cesta básica ... de que lado estamos? Com quem nos
articulamos? Reconhecemos os aliados? Nos consideramos os ‘puros’, ‘eleitos’,
fechados em nossos grupos ‘espirituais’ ... o acolhemos o chamado da vida que
nos convida a conectar, articular, estar interligado viver o canto ‘ninguém
solta a mão de ninguém’.
Eu garanto a vocês: quem der para
vocês um copo de água porque vocês são de Cristo, não ficará sem receber sua
recompensa. Ser
reconhecidos como ‘ser de Cristo’.
(*)A reflexão é de Tea Frigerio, mmx, religiosa da Congregação Missionárias de
Maria-Xaverianas. Ela possui graduação em Ciências da Religião pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma - PUG e pós-graduação em
assessoria bíblica pela Escola
Superior de Teologia - EST e pelo Centro de Estudos Bíblicos - CEBI, São
Leopoldo/RS. Atualmente atua em assessoria bíblica pelo CEBI e
é assessora nacional das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
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