VI-
REFLETINDO COM LINDOLIVO
SOARES MOURA(*)
"UMA VISITA INESPERADA: COMO SERIA O NATAL SE A HISTÓRIA QUE
NOS FOI CONTADA TIVESSE SIDO UM POUCO DIFERENTE"
"Então Herodes, ao ver
que tinha sido enganado
pelos magos, irritou-se
e mandou matar
todos os meninos que
havia em Belém e em
seus arredores, de dois anos para baixo" [Mt. 2,16]
A voz de um dos três visitantes soara clara e firme à
entrada da gruta escura ao cair daquela noite: - "onde está o Rei dos
judeus!?". José pouco ou nada compreendeu. Mas tendo em sonhos ouvido
falar que certo rei, temendo pela perda de seu reinado, iria mandar procurar
por certo menino com intenções de matá-lo, estremeceu! Sendo um homem reto e
justo não era comum vê-lo mentir; temendo que o tal menino pudesse ser o seu,
foi tão evasivo quanto pode: - "o futuro Rei deve estar pelas
redondezas", foram as poucas palavras que saíram temerosas de sua
boca.
A criança, que mal acabara de nascer, permanecia a uma
certa distância, mas já no raio de ação e à vista dos visitantes. O do meio
dentre eles então perguntou: - "o que fazem vocês nesse lugar escuro e
sombrio? Aquela criança vai acabar morrendo de frio!". José congelou! Até
aquele momento pensara que seu infante de nome Jesus - fora esse o nome que
certo mensageiro lhe havia indicado - não havia sido notado pelos estranhos.
"Não somos do lugar - respondeu - e essa pequena gruta, que mais parece
uma estrebaria, foi onde restou para ficar. Essa tal de Belém parece mesmo
cheia!".
De repente Maria, a mãe do menino, ignorando o eventual
perigo e entrando numa espécie de êxtase incontido, pôs-se a proclamar em alta
voz: - "minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em meu
Deus! Pois Ele olhou para a humildade de sua serva, e por isso de ora em diante
todas as gerações hão de chamar-me de Bendita!". "Queiram perdoar -
retrucou José, tentando se desculpar - ela só pode estar delirando! Já está há
quase um inteiro dia sem se alimentar!".
O terceiro visitante apontou para alguma coisa se mexendo
ao lado do recém-nascido. José afastou-se e foi olhar. Voltou em seguida.
"Nada perigoso - esclareceu - um pequenino cão que mais parece querer
brincar. Não gostariam de entrar?". Fez a pergunta esperando um
"não" como resposta, quem sabe conseguindo assim apressar a partida
daquela visita inesperada, tão temida quanto indesejada.
O que porém ele ouviria, mais apreensivo ainda o
deixaria: "o lugar parece pequeno - respondeu um dos visitantes - mas tampouco
nós temos onde ficar. Por isso agradecemos e vamos aceitar". Já se
preparavam para entrar quando alguém já muito idoso, sem com ninguém nada
falar, tomou-lhes a frente e foi apressadamente diante do menino se postar.
Caiu literalmente de joelhos, pondo-se então a sorrir e ao mesmo tempo a
chorar. Depois, como se numa espécie de transe estivesse, bem alto se pôs a
proclamar: "agora, Senhor, podeis deixar o vosso servo ir em paz! Porque
meus olhos puderam contemplar a Salvação que para todos preparastes! Luz para
iluminar as nações e glória de Israel, vosso povo! Seja louvado nosso Deus, e
Deus de todos os filhos seus".
José temeu ainda mais pelo menino! Sabia, por uma espécie
de inspiração, que aquelas eram palavras perturbadoras mas também denunciadoras,
e não palavras quaisquer nascidas da boca de um pobre velho, que sequer direito
parecia conseguir falar. Uma voz em seu interior lhe sugeriu permanecer em
silêncio. "É Simeão! - foi entretanto,
o que lhe escapou pela boca - um antigo conhecido e velho amigo nosso.
Alguém deve ter lhe falado do nascimento do menino. Há muito, tanto ele quanto
nós aguardávamos pela chegada dessa criança. Disse que não gostaria de morrer
sem presenciar esse momento. Não admira que suas palavras estejam um tanto
atravessadas!". "A idade faz a gente dizer bobagens" - retrucou
o aparentemente mais velho dos visitantes - "não se preocupe! É
compreensível! Também eu e meus companheiros já vamos em idade avançada!".
José sugeriu então um pequeno canto onde talvez pudessem
se alojar e passar aquela noite. Dizia isso mas seu coração continuava cada vez
mais inquieto, ansioso e temeroso com tudo aquilo que seu olhar presenciava.
Esperava que ao amanhecer do dia seguinte aquelas três criaturas, calmas é bem
verdade, mas totalmente desconhecidas, resolvessem partir; de preferência,
suplicava baixinho, para nunca mais voltar. Só então quem sabe conseguiria se
acalmar. As intenções macabras de um monarca em desespero não lhe saíam da
cabeça; muito menos lhe permitiam relaxar.
Curiosamente Maria parecia não demonstrar temor algum com
tudo que à sua volta acontecia. Pelo contrário, a presença e a companhia
daqueles três viajantes parecia lhe trazer um estranho conforto e um
inexplicável bem-estar. José também percebera isso em sua companheira, mas por
via das dúvidas decidira ficar calado e nada perguntar. "Mulheres
recém-paridas - disse sussurrando de si para si mesmo - parecem ficar 'passadas' e ignorar o perigo.
Melhor aguardar e ver como tudo isso vai terminar".
Antes porém que os três estranhos visitantes depusessem
no chão suas tralhas, alguém se aproximara da entrada da gruta, batendo palmas
e acusando sua chegada. "Com licença! Volto já" - disse José, temendo
só em imaginar que mais estranhos pudessem estar chegando, colocando ainda mais
em risco tanto a vida de sua Maria quanto a de seu pequeno Jesus.
"Mal posso acreditar!", foi o que dele
entretanto se ouviu, quando se deparou
com quem havia chegado. Abraçou por repetidas vezes o casal de idosos - a
mulher com seu pequeno filho nos braços - que de pronto foi convidado a entrar.
"Estes são Izabel e Zacarias - e esse com certeza é João" - falou
isso olhando para a criança nos braços da mãe. "São parentes de minha
Senhora! Quanta alegria vocês nos trazem, Deus meu!" - repetia como um tolo,
sem conseguir se calar, enquanto Maria feito criança dava saltos sem parar. Na
manjedoura o recém-nascido, por alguma razão até então desconhecida, também
parecia querer saltar!
"Soubemos do nascimento" - disse Isabel -
enquanto Zacarias insistia em tomar nos braços o filho de Maria.
"Zacarias, cuidado!" - disse-lhe Isabel - "É frágil feito um
vaso de argila que acaba de ser plasmado!".
Mal
Isabel acabara de pronunciar aquelas palavras um solene coro de milhares de
vozes, impossível de se saber de onde haviam surgido, preencheu o lugar onde
estavam. Uma branca pomba passou voando razante sobre eles. Em uníssono,
ouviu-se então uma solene sinfonia que dizia: "GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS,
E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS!" - coro que mais e mais se
repetia, como se jamais fosse findar!
Estranhamente José não sentira paz alguma naquele
momento, como seria de se esperar. Alguém ou alguma coisa lhe dizia que não
havia mais como seu bambino poder ocultar. Aquilo que mais ele temia acabara
por fim acontecendo: "então é 'esse' o Rei dos Judeus!" - disse um
dos visitantes, aproximando-se do recém-nascido, que continuava festivo sem
pressentir ameaça alguma! "Sim! -
disse um outro - o menino por quem tanto procurávamos acaba de ser encontrado!".
O Terceiro ao falar fez com que todos os demais se calassem: "nossa longa
procura acabou sendo por fim recompensada! Nossa missão e nossa tarefa estão
prestes a serem consumadas".
Pressentindo o pior José caiu de joelhos como se
preparasse para suplicar por algo mais precioso que sua própria vida. Antes
porém que sua boca pronunciasse qualquer palavra, o que se seguiu foi algo
simplesmente inexplicável! Os três estranhos se aproximaram ainda mais da
manjedoura, curvaram-se lentamente, e então se ajoelharam. Ao ver aquilo José
pôs-se a chorar copiosamente; por um momento era como se as palavras se lhe
escapassem dos lábios, sem conseguir silenciá-las. Em seguida os três estranhos
depositaram aos pés do menino ouro, incenso e mirra. - "Esse ouro - disse
o primeiro deles - representa a realeza dessa criança! Esse menino será um
Grande Rei! Rei diferente, é bem verdade, mas de cujo reinado ser humano algum
jamais se esquecerá!". - "O
incenso que aqui está, representa sua divindade - disse o segundo. Esse menino
é de fato, não dá mais para se duvidar, Filho de Deus!".
Tomando por fim a palavra, assim falou o terceiro deles:
"e aqui tendes mirra! Jamais vos esqueçais do que agora vos será revelado!
Representa sua humanidade! Dói-me muitíssimo dizer-lhe isso" - falava
enquanto para Maria dirigia seu olhar. "Uma espada de dor lhe transpassará
a alma e atingirá em cheio o coração! Tamanha a dor será, que dificilmente
outra mãe a conseguiria suportar. Porém eu lhe asseguro: nada há para temer!
Exatamente ao terceiro dia - nem um a mais nem um a menos - Ele ressuscitará! A
vós todos, porém, eu vos digo: apesar de toda dor, sofrimento e provação que a
vida há de vos impor, ela é e será sempre um verdadeiro show, um maravilhoso
espetáculo!".
Dito isso todos, incluindo José e Maria, se prostraram em
reverência diante do menino. Por um breve momento as duas crianças trocaram
olhares! O ar parecia haver se tornado mais respirável naquele lugar, sobretudo
para o ansioso e temeroso José. Lá fora um brisa fresca insistia em penetrar
gruta adentro. Nem a paisagem nem tampouco pessoa alguma pareciam mais hostil.
O vento, com um leve assovio, feito uma cotovia parecia também querer falar. Na
manjedoura uma criança não mais dormia; simplesmente sorria como se estivesse a
brincar! Seus dois pequeninos olhos mais pareciam duas pequenas estrelas
reluzindo no firmamento, naquela noite agora clara e reverenciada pelo luar.
De repente alguém alertou para o fato de que aquele lugar
parecia muito pequeno para tanta gente.
- "O que faremos?" - perguntou Maria, voltando-se para José. Como se
houvesse retornado de um sono profundo, meio sonâmbulo José respondeu sem
pensar: - "a pequena Belém parece tão apinhada de pessoas, que mais
parecem formigas em um formigueiro. Sugiro que a metade de nós durma até a meia
noite, e a outra metade da meia noite até o dia raiar". Maria não
conseguiu conter o riso: - "perdoem, por favor, o que disse meu amado
José. É um bom homem! Mas desde que nosso filho nasceu anda por demais nas
alturas, e por vezes não fala coisa com coisa! Quieto, José, e trate de se
acalmar! Com um pouco de jeito haverá lugar para todos. Cada um se ajeite como
puder e melhor lhe aprouver. Logo,logo um novo dia nascerá!". E assim transcorreu aquela primeira noite, que tempos
e tempos depois muitos passariam a chamar de "Natal do Senhor"!
L.S.M.
Natal de 2025
"Tudo
seria bem melhor, se o Natal não fosse um dia, se as mães fossem 'Marias' e se
os pais fossem 'Josés', e se a gente parecesse com Jesus de Nazaré!".
Que
o Natal nos faça melhores, um pouco mais santos, Quem sabe! Por que não!?
Afinal é Santo dos Santos, o Filho de Deus que nesse dia nasceu! E cada um de
nós - todos, sem exceção - somos e seremos chamados, também nós, "filhos e
filhas desse mesmo Deus"!
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