quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

VI- REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA(*) "UMA VISITA INESPERADA: COMO SERIA O NATAL SE A HISTÓRIA QUE NOS FOI CONTADA TIVESSE SIDO UM POUCO DIFERENTE"

 

 

VI-            REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA(*)

"UMA VISITA INESPERADA: COMO SERIA O NATAL SE A HISTÓRIA QUE NOS FOI CONTADA TIVESSE SIDO UM POUCO DIFERENTE"

          "Então Herodes, ao  ver  que   tinha  sido enganado  pelos  magos,  irritou-se  e  mandou  matar  todos  os meninos  que  havia em Belém  e  em  seus arredores,  de  dois anos para baixo" [Mt. 2,16]

A voz de um dos três visitantes soara clara e firme à entrada da gruta escura ao cair daquela noite: - "onde está o Rei dos judeus!?". José pouco ou nada compreendeu. Mas tendo em sonhos ouvido falar que certo rei, temendo pela perda de seu reinado, iria mandar procurar por certo menino com intenções de matá-lo, estremeceu! Sendo um homem reto e justo não era comum vê-lo mentir; temendo que o tal menino pudesse ser o seu, foi tão evasivo quanto pode: - "o futuro Rei deve estar pelas redondezas", foram as poucas palavras que saíram temerosas de sua boca.           

A criança, que mal acabara de nascer, permanecia a uma certa distância, mas já no raio de ação e à vista dos visitantes. O do meio dentre eles então perguntou: - "o que fazem vocês nesse lugar escuro e sombrio? Aquela criança vai acabar morrendo de frio!". José congelou! Até aquele momento pensara que seu infante de nome Jesus - fora esse o nome que certo mensageiro lhe havia indicado - não havia sido notado pelos estranhos. "Não somos do lugar - respondeu - e essa pequena gruta, que mais parece uma estrebaria, foi onde restou para ficar. Essa tal de Belém parece mesmo cheia!".

De repente Maria, a mãe do menino, ignorando o eventual perigo e entrando numa espécie de êxtase incontido, pôs-se a proclamar em alta voz: - "minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito se alegra em meu Deus! Pois Ele olhou para a humildade de sua serva, e por isso de ora em diante todas as gerações hão de chamar-me de Bendita!". "Queiram perdoar - retrucou José, tentando se desculpar - ela só pode estar delirando! Já está há quase um inteiro dia sem se alimentar!".

O terceiro visitante apontou para alguma coisa se mexendo ao lado do recém-nascido. José afastou-se e foi olhar. Voltou em seguida. "Nada perigoso - esclareceu - um pequenino cão que mais parece querer brincar. Não gostariam de entrar?". Fez a pergunta esperando um "não" como resposta, quem sabe conseguindo assim apressar a partida daquela visita inesperada, tão temida quanto indesejada.

O que porém ele ouviria, mais apreensivo ainda o deixaria: "o lugar parece pequeno - respondeu um dos visitantes - mas tampouco nós temos onde ficar. Por isso agradecemos e vamos aceitar". Já se preparavam para entrar quando alguém já muito idoso, sem com ninguém nada falar, tomou-lhes a frente e foi apressadamente diante do menino se postar. Caiu literalmente de joelhos, pondo-se então a sorrir e ao mesmo tempo a chorar. Depois, como se numa espécie de transe estivesse, bem alto se pôs a proclamar: "agora, Senhor, podeis deixar o vosso servo ir em paz! Porque meus olhos puderam contemplar a Salvação que para todos preparastes! Luz para iluminar as nações e glória de Israel, vosso povo! Seja louvado nosso Deus, e Deus de todos os filhos seus".

José temeu ainda mais pelo menino! Sabia, por uma espécie de inspiração, que aquelas eram palavras perturbadoras mas também denunciadoras, e não palavras quaisquer nascidas da boca de um pobre velho, que sequer direito parecia conseguir falar. Uma voz em seu interior lhe sugeriu permanecer em silêncio. "É Simeão! - foi entretanto,  o que lhe escapou pela boca - um antigo conhecido e velho amigo nosso. Alguém deve ter lhe falado do nascimento do menino. Há muito, tanto ele quanto nós aguardávamos pela chegada dessa criança. Disse que não gostaria de morrer sem presenciar esse momento. Não admira que suas palavras estejam um tanto atravessadas!". "A idade faz a gente dizer bobagens" - retrucou o aparentemente mais velho dos visitantes - "não se preocupe! É compreensível! Também eu e meus companheiros já vamos em idade avançada!".

José sugeriu então um pequeno canto onde talvez pudessem se alojar e passar aquela noite. Dizia isso mas seu coração continuava cada vez mais inquieto, ansioso e temeroso com tudo aquilo que seu olhar presenciava. Esperava que ao amanhecer do dia seguinte aquelas três criaturas, calmas é bem verdade, mas totalmente desconhecidas, resolvessem partir; de preferência, suplicava baixinho, para nunca mais voltar. Só então quem sabe conseguiria se acalmar. As intenções macabras de um monarca em desespero não lhe saíam da cabeça; muito menos lhe permitiam relaxar.

Curiosamente Maria parecia não demonstrar temor algum com tudo que à sua volta acontecia. Pelo contrário, a presença e a companhia daqueles três viajantes parecia lhe trazer um estranho conforto e um inexplicável bem-estar. José também percebera isso em sua companheira, mas por via das dúvidas decidira ficar calado e nada perguntar. "Mulheres recém-paridas - disse sussurrando de si para si mesmo -  parecem ficar 'passadas' e ignorar o perigo. Melhor aguardar e ver como tudo isso vai terminar".

Antes porém que os três estranhos visitantes depusessem no chão suas tralhas, alguém se aproximara da entrada da gruta, batendo palmas e acusando sua chegada. "Com licença! Volto já" - disse José, temendo só em imaginar que mais estranhos pudessem estar chegando, colocando ainda mais em risco tanto a vida de sua Maria quanto a de seu pequeno Jesus.

"Mal posso acreditar!", foi o que dele entretanto  se ouviu, quando se deparou com quem havia chegado. Abraçou por repetidas vezes o casal de idosos - a mulher com seu pequeno filho nos braços - que de pronto foi convidado a entrar. "Estes são Izabel e Zacarias - e esse com certeza é João" - falou isso olhando para a criança nos braços da mãe. "São parentes de minha Senhora! Quanta alegria vocês nos trazem, Deus meu!" - repetia como um tolo, sem conseguir se calar, enquanto Maria feito criança dava saltos sem parar. Na manjedoura o recém-nascido, por alguma razão até então desconhecida, também parecia querer saltar!

"Soubemos do nascimento" - disse Isabel - enquanto Zacarias insistia em tomar nos braços o filho de Maria. "Zacarias, cuidado!" - disse-lhe Isabel - "É frágil feito um vaso de argila que acaba de ser plasmado!".

            Mal Isabel acabara de pronunciar aquelas palavras um solene coro de milhares de vozes, impossível de se saber de onde haviam surgido, preencheu o lugar onde estavam. Uma branca pomba passou voando razante sobre eles. Em uníssono, ouviu-se então uma solene sinfonia que dizia: "GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS POR ELE AMADOS!" - coro que mais e mais se repetia, como se jamais fosse findar!        

Estranhamente José não sentira paz alguma naquele momento, como seria de se esperar. Alguém ou alguma coisa lhe dizia que não havia mais como seu bambino poder ocultar. Aquilo que mais ele temia acabara por fim acontecendo: "então é 'esse' o Rei dos Judeus!" - disse um dos visitantes, aproximando-se do recém-nascido, que continuava festivo sem pressentir ameaça alguma!  "Sim! - disse um outro - o menino por quem tanto procurávamos acaba de ser encontrado!". O Terceiro ao falar fez com que todos os demais se calassem: "nossa longa procura acabou sendo por fim recompensada! Nossa missão e nossa tarefa estão prestes a serem consumadas".

Pressentindo o pior José caiu de joelhos como se preparasse para suplicar por algo mais precioso que sua própria vida. Antes porém que sua boca pronunciasse qualquer palavra, o que se seguiu foi algo simplesmente inexplicável! Os três estranhos se aproximaram ainda mais da manjedoura, curvaram-se lentamente, e então se ajoelharam. Ao ver aquilo José pôs-se a chorar copiosamente; por um momento era como se as palavras se lhe escapassem dos lábios, sem conseguir silenciá-las. Em seguida os três estranhos depositaram aos pés do menino ouro, incenso e mirra. - "Esse ouro - disse o primeiro deles - representa a realeza dessa criança! Esse menino será um Grande Rei! Rei diferente, é bem verdade, mas de cujo reinado ser humano algum jamais se esquecerá!".  - "O incenso que aqui está, representa sua divindade - disse o segundo. Esse menino é de fato, não dá mais para se duvidar, Filho de Deus!".                     

Tomando por fim a palavra, assim falou o terceiro deles: "e aqui tendes mirra! Jamais vos esqueçais do que agora vos será revelado! Representa sua humanidade! Dói-me muitíssimo dizer-lhe isso" - falava enquanto para Maria dirigia seu olhar. "Uma espada de dor lhe transpassará a alma e atingirá em cheio o coração! Tamanha a dor será, que dificilmente outra mãe a conseguiria suportar. Porém eu lhe asseguro: nada há para temer! Exatamente ao terceiro dia - nem um a mais nem um a menos - Ele ressuscitará! A vós todos, porém, eu vos digo: apesar de toda dor, sofrimento e provação que a vida há de vos impor, ela é e será sempre um verdadeiro show, um maravilhoso espetáculo!".

Dito isso todos, incluindo José e Maria, se prostraram em reverência diante do menino. Por um breve momento as duas crianças trocaram olhares! O ar parecia haver se tornado mais respirável naquele lugar, sobretudo para o ansioso e temeroso José. Lá fora um brisa fresca insistia em penetrar gruta adentro. Nem a paisagem nem tampouco pessoa alguma pareciam mais hostil. O vento, com um leve assovio, feito uma cotovia parecia também querer falar. Na manjedoura uma criança não mais dormia; simplesmente sorria como se estivesse a brincar! Seus dois pequeninos olhos mais pareciam duas pequenas estrelas reluzindo no firmamento, naquela noite agora clara e reverenciada pelo luar.

De repente alguém alertou para o fato de que aquele lugar parecia muito  pequeno para tanta gente. - "O que faremos?" - perguntou Maria, voltando-se para José. Como se houvesse retornado de um sono profundo, meio sonâmbulo José respondeu sem pensar: - "a pequena Belém parece tão apinhada de pessoas, que mais parecem formigas em um formigueiro. Sugiro que a metade de nós durma até a meia noite, e a outra metade da meia noite até o dia raiar". Maria não conseguiu conter o riso: - "perdoem, por favor, o que disse meu amado José. É um bom homem! Mas desde que nosso filho nasceu anda por demais nas alturas, e por vezes não fala coisa com coisa! Quieto, José, e trate de se acalmar! Com um pouco de jeito haverá lugar para todos. Cada um se ajeite como puder e melhor lhe aprouver. Logo,logo  um novo dia nascerá!". E assim  transcorreu aquela primeira noite, que tempos e tempos depois muitos passariam a chamar de "Natal do Senhor"!

L.S.M. Natal de 2025

"Tudo seria bem melhor, se o Natal não fosse um dia, se as mães fossem 'Marias' e se os pais fossem 'Josés', e se a gente parecesse com Jesus de Nazaré!".

Que o Natal nos faça melhores, um pouco mais santos, Quem sabe! Por que não!? Afinal é Santo dos Santos, o Filho de Deus que nesse dia nasceu! E cada um de nós - todos, sem exceção - somos e seremos chamados, também nós, "filhos e filhas desse mesmo Deus"!    

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