09- A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO CRISTÃ NA CARTA APOSTÓLICA DESENHANDO NOVOS MAPAS DE ESPERANÇA, DO PAPA LEÃO XIV
O Papa Leão XIV mostra a carta apostólica
Eliseu Wisniewski*
* Presbítero
da Congregação da Missão (padres vicentinos), Provincia do Sul. Mestre em
Teologia pela Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Eis o artigo:
Na Carta Apostólica Desenhando
Novos Mapas de Esperança1, publicada por ocasião do sexagésimo aniversário da Gravissimum educationis,
o Papa Leão XIV oferece uma reflexão teológica, antropológica e pastoral sobre
o papel da educação cristã no mundo atual. O documento reafirma a centralidade
da educação na missão evangelizadora da Igreja e propõe uma atualização de seus
fundamentos diante das transformações culturais, tecnológicas e sociais do
século XXI. A carta apresenta a educação cristã não apenas como transmissão de
conhecimento, mas como um ato de esperança, expressão da caridade e via
concreta de evangelização e humanização.
Desde o
início do texto, Leão XIV retoma a intuição conciliar de que a educação é parte
essencial da vida e da missão da Igreja. A educação, segundo o Papa, constitui
o próprio “tecido da evangelização”, isto é, o modo concreto pelo qual o
Evangelho se torna cultura, relação e gesto educativo. O Pontífice destaca que,
em um mundo caracterizado pela fragmentação e pela aceleração tecnológica, a
educação cristã permanece como um campo privilegiado de testemunho e renovação.
O Evangelho, afirma o Papa, “não envelhece, mas faz novas todas as coisas” (Ap
21,5), e cada geração é chamada a descobrir novamente sua força regeneradora.
O
documento situa a educação cristã dentro de uma tradição viva, marcada pela
ação contínua do Espírito Santo na história. Ao revisitar figuras e
experiências significativas: dos Padres do Deserto e de Santo Agostinho às
iniciativas educativas de São José Calasanz, São João Bosco, Maria Montessori e
outros, o Papa mostra que a pedagogia cristã sempre uniu contemplação e ação,
sabedoria e compromisso social. Assim, a educação cristã é apresentada como um
itinerário histórico dinâmico, no qual fé e razão, cultura e espiritualidade,
teoria e prática se entrelaçam em benefício da formação integral da pessoa
humana.
Um dos
eixos centrais da Carta é a antropologia cristã da educação. Para Leão XIV,
educar é reconhecer a dignidade inalienável da pessoa humana criada à imagem de
Deus (Gn 1,26) e chamada à verdade, ao bem e à comunhão. A formação cristã
abrange todas as dimensões do ser humano: espiritual, intelectual, afetiva, social
e física e deve evitar tanto o reducionismo tecnicista quanto o moralismo
abstrato. A educação não se mede pela eficiência, mas pela capacidade de
promover a dignidade, a justiça e o bem comum. A pessoa educada cristãmente é,
ao mesmo tempo, cidadã responsável e crente testemunhal, capaz de servir e
transformar a sociedade à luz do Evangelho.
A carta
dedica atenção especial à dimensão comunitária e eclesial da educação.
Inspirado no princípio da corresponsabilidade, o Papa recorda que “ninguém
educa sozinho”: a educação é um processo coletivo que envolve professores,
alunos, famílias, comunidades eclesiais e a sociedade civil. Nesse contexto, a
família é reafirmada como a “primeira escola da humanidade” e como núcleo
insubstituível da formação moral e espiritual. A escola católica, por sua vez,
é descrita não apenas como instituição de ensino, mas como ambiente de vida e
de fé, no qual o testemunho dos educadores é tão essencial quanto a qualidade
das aulas.
A
educação integral, característica distintiva da tradição católica, é retomada
como antídoto contra as tendências contemporâneas de mercantilização e
fragmentação do saber. O Papa critica as visões que reduzem o processo
educativo a um treinamento funcional ou a um instrumento de produtividade
econômica. Em contraposição, defende uma pedagogia que una ciência e ética,
tecnologia e consciência, competência e compaixão. Essa abordagem se insere no
horizonte de um humanismo integral, inspirado em São João Henrique Newman e São
Tomás de Aquino, que articula fé e razão sem reduzi-las a polos opostos.
Outro aspecto inovador do documento é a integração entre
educação e cuidado da criação. Leão XIV retoma a tradição franciscana e
bonaventuriana para sustentar que o mundo criado é “vestígio de Deus” (vestigium Dei) e,
portanto, objeto de contemplação e responsabilidade. A educação cristã deve
promover a justiça ambiental e social, a sobriedade de vida e o discernimento
ecológico. Nessa perspectiva, o Papa propõe uma pedagogia da paz “desarmada e
desarmante”, capaz de superar a violência verbal, social e ambiental mediante a
linguagem da misericórdia e da reconciliação.
A carta
também aborda de forma inédita os desafios da era digital. Leão XIV reconhece o
potencial educativo das tecnologias, mas adverte contra a sua absolutização. As
ferramentas digitais devem servir à pessoa e à comunidade, e não as substituir.
Nenhum algoritmo, afirma o Papa, pode reproduzir a dimensão propriamente humana
da educação, que envolve poesia, imaginação, amor e capacidade de aprender com
os erros. O documento defende, portanto, uma ética do discernimento digital, em
que a inteligência técnica seja harmonizada com as inteligências emocional,
espiritual e social.
No
campo da cooperação internacional, o Papa reafirma e amplia o Pacto Global para
a Educação, lançado por Francisco, identificando-o como “estrela guia” da
missão educativa da Igreja. Ele propõe três prioridades para o futuro: o
cultivo da vida interior e do discernimento espiritual; a humanização do
domínio digital; e a promoção da paz mediante uma cultura de não violência.
Tais eixos expressam a convicção de que a educação cristã deve ser, antes de
tudo, uma “profissão de promessas”, isto é, um compromisso intergeracional com
o florescimento do ser humano e da criação.
A Carta Apostólica Desenhando
Novos Mapas de Esperança apresenta a educação cristã como um
processo de formação integral, comunitário, esperançoso e transformador,
enraizado na tradição viva da Igreja e aberto aos desafios atuais. A metáfora
central da “constelação educativa” expressa bem essa visão: cada escola,
universidade ou movimento é uma estrela que, com luz própria, contribui para
iluminar o caminho da humanidade rumo à verdade, à fraternidade e à esperança.
Ao convidar educadores e instituições a serem “coreógrafos da esperança”, Leão
XIV redefine a missão educativa cristã como um serviço profético à cultura da
vida e da comunhão, no qual a fé se traduz em diálogo, criatividade e caridade
intelectual.
1 LEÃO XIV. Carta
Apostólica Desenhando Novos Mapas de
Esperança: por ocasião do LX Aniversário da Declaração
Conciliar Gravissimum Educationis.
Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiv/es/apost_letters/documents/20251027-disegnare-nuove-mappe.html.
Acesso em 29/10/2025.
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