sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

VI-Santo Agostinho e a paternidade de São José (Sermão 51)

 

VI-Santo Agostinho e a paternidade de São José (Sermão 51)

Maria e José, os dois justos, a quem Deus uniu pelo Espírito Santo e concedeu um filho

Quando o Menino Jesus, com doze anos, se perdeu no Templo entre os doutores da Lei, o mesmo Menino Jesus, que é o Verbo de Deus, agora entre os doutores não fica em silêncio, apesar de muitas vezes nem ser escutado. Ao encontrar o Menino, foquemos a nossa atenção nas palavras de Maria, que concebeu pela graça de Deus, chamando José de Pai de Cristo ao interpelar o Menino Jesus: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» (Lc 2, 48). Jesus é desde todo o sempre o Filho de Deus, que estava na casa do seu Pai, mas desde algum tempo, após a encarnação, é também o Filho do homem, tendo agora dois pais terrenos: José e Maria. 

O Menino Jesus responde aos seus pais: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49). Nesta resposta, Jesus não diz que Maria e José não são os seus pais, mas que os seus pais terrenos são somente desde algum tempo, enquanto o Pai (Deus) o era desde a eternidade. Maria e José eram os pais do Filho do Homem, e o outro Pai era do Verbo por quem o Pai fez todas as coisas. A paternidade divina não exclui de forma alguma a paternidade de José, como é visível na continuidade do texto, onde Jesus «desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso» (Lc 2, 51). Jesus digna-se submeter aos seus pais, revelando a sua natureza de Filho do Homem.  

A paternidade espiritual de José é apresentada nestes termos: «Quando nasceu o Rei de todas as nações, a virgindade começou a ser honrada, iniciando-se com a Mãe do Senhor, merecedora de ter um filho sem perda da sua integridade. Da mesma forma, que o seu vínculo com José era um verdadeiro matrimónio sem ambos perderem a sua integridade. Então, porque é que a castidade do marido não havia de participar da castidade da sua esposa? Pois se ela era uma esposa íntegra, ele também era um marido íntegro; e se ela vinculava a maternidade à integridade, por que motivo ele não deveria ser o pai e permanecer intacto? Quem diz que: “Não deve ser chamado pai, porque não o teve como os outros pais”, coloca a essência da paternidade na união sexual e não no afeto da caridade. Melhor ainda José cumpriu a paternidade de coração mais do que qualquer outro da carne. Com efeito, quem adota filhos gera no coração (e mais castamente) os adotados, embora não seja possível dar-lhes a paternidade material. Então vede, irmãos, os direitos de adoção e como um homem se torna filho daquele de quem não nasceu, justificado sobre o filho adotado com direitos superiores aos do pai natural. Assim sendo, José deve ter o título de pai, que é devido mais do que qualquer outra pessoa. Não os separemos porque faltou-lhe a concupiscência carnal, pois quanto maior é a pureza, mais genuína é a paternidade. A própria Santa Maria nos censuraria. Porque ela não quer antepor o seu nome ao seu esposo, antes diz: “O teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura”. Portanto, não deixe os murmuradores perversos fazerem o que a esposa virginal não fez». 

São José não pode ser esquecido na vida de Jesus ou simplesmente ser reduzido a uma figura secundária na História da salvação: «Vamos incluir José, porque ele é um pai casto e um esposo casto. Pela ordem natural e pela lei divina, precedemos o homem à mulher. Se, prescindirmos de José e entregarmos o seu lugar a Virgem Maria, então ela nos dirá e com razão: Por que o eliminaste de mim? Por acaso as gerações sobem por mim ou baixam a partir de mim? Então, vamos dizer-lhe: Porque não o geraste por obra da carne? Ele nos responderá: Ela deu-o à luz por obra da carne? E certamente o Espírito Santo agiu e age em ambos, pois ambos eramos justos. Justo homem, justa a mulher. O Espírito Santo, firmando a justiça de ambos, deu a ambos um filho, na medida em que a ela permitiu o parto e ao marido a paternidade daquilo que a sua esposa deu à luz. Assim, pois, o anjo diz a ambos para colocarem um nome na criança, confirmando deste modo que ambos têm a autoridade de pai e de mãeQuando o anjo afirma “Te dará luz um filho” atesta irrefutavelmente a sua paternidade não carnal, mas afetiva. Assim sendo, como um verdadeiro pai. Portanto, os evangelistas foram extremamente ponderados em calcular as gerações com referência a ele: Mateus, descendo de Abraão até Cristo; Lucas, subindo de Cristo, por Abraão, até Deus. Num cálculo é ascendente e noutro é descendente, mas em ambos os cálculos são feitos por meio de José. Por que razão? Porque era o pai. Era Pai? Sim, com toda a razão, quanto mais casta era a sua paternidade. Na verdade, Nosso Senhor Jesus Cristo sempre o teve por seu pai, mas de outro modo, isto é, não um pai como os demais, que geram o filho do seu próprio sangue, mas o tem do seu afeto espiritual. Lucas diz: “Jesus o tinha como seu pai”. Porque o tinha como pai? Porque a opinião e o juízo dos homens desejavam acreditar no que sucede entre os homens. Mas o Senhor não é do gérmen de José, mesmo quando tal se creia; com toda a piedade e caridade de José foi-lhe dado um filho, nascido da Virgem Maria, e ao mesmo tempo um Filho de Deus».

Fontes das citações: San Agustín, Obras completas de San Agustín X, Sermon 51, 20 (BAC, Madrid 1983) 342–345

Pensamentos do texto para meditar

·     Jesus partilha de duas naturezas distintas, mas unidas numa única pessoa, isto é, desde sempre Jesus é o Filho de Deus, que estava na casa do seu Pai, mas desde algum tempo é também o Filho do homem, tendo agora dois pais terrenos.

·     Maria e José eram os pais do Filho do Homem enquanto Deus era Pai do Verbo por meio do qual fez todas as coisas, porém a paternidade divina não exclui a paternidade de José.

·     A paternidade espiritual de José não é de acordo com a natureza humana, mas de acordo com a natureza da graça. José foi um esposo casto e integro e cumpre a paternidade de coração mais do que outros homens que geram um filho pela carne.

·     A descendência de Jesus, fruto da promessa de Deus ao seu povo, só encontra o seu fundamento na paternidade de José.

 

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