VI-Santo Agostinho e a paternidade de São José
(Sermão 51)
Maria e José, os dois justos, a quem Deus uniu pelo Espírito Santo e
concedeu um filho
Quando o Menino Jesus, com doze anos, se perdeu no Templo entre
os doutores da Lei, o mesmo Menino Jesus, que é o Verbo de Deus, agora entre os
doutores não fica em silêncio, apesar de muitas vezes nem ser escutado. Ao
encontrar o Menino, foquemos a nossa atenção nas palavras de Maria, que concebeu
pela graça de Deus, chamando José de Pai de Cristo ao interpelar o Menino
Jesus: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos
aflitos à tua procura!» (Lc 2, 48). Jesus é desde todo o sempre o Filho de
Deus, que estava na casa do seu Pai, mas desde algum tempo, após a encarnação,
é também o Filho do homem, tendo agora dois pais terrenos: José e Maria.
O Menino Jesus responde aos seus pais: «Porque me
procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49).
Nesta resposta, Jesus não diz que Maria e José não são os seus pais, mas que os
seus pais terrenos são somente desde algum tempo, enquanto o Pai (Deus) o era
desde a eternidade. Maria e José eram os pais do Filho do Homem, e o outro Pai
era do Verbo por quem o Pai fez todas as coisas. A paternidade divina não
exclui de forma alguma a paternidade de José, como é visível na continuidade do
texto, onde Jesus «desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso»
(Lc 2, 51). Jesus digna-se submeter aos seus pais, revelando a sua natureza de
Filho do Homem.
A paternidade espiritual de José é apresentada nestes termos: «Quando
nasceu o Rei de todas as nações, a virgindade começou a ser honrada,
iniciando-se com a Mãe do Senhor, merecedora de ter um filho sem perda da sua
integridade. Da mesma forma, que o seu vínculo com José era um verdadeiro
matrimónio sem ambos perderem a sua integridade. Então, porque é que a
castidade do marido não havia de participar da castidade da sua esposa? Pois se
ela era uma esposa íntegra, ele também era um marido íntegro; e se ela
vinculava a maternidade à integridade, por que motivo ele não deveria ser o pai
e permanecer intacto? Quem diz que: “Não deve ser chamado pai, porque não o
teve como os outros pais”, coloca a essência da paternidade na união sexual e
não no afeto da caridade. Melhor ainda José cumpriu a paternidade de coração
mais do que qualquer outro da carne. Com efeito, quem adota filhos gera no
coração (e mais castamente) os adotados, embora não seja possível dar-lhes a
paternidade material. Então vede, irmãos, os direitos de adoção e como um homem
se torna filho daquele de quem não nasceu, justificado sobre o filho adotado
com direitos superiores aos do pai natural. Assim sendo, José deve ter o título
de pai, que é devido mais do que qualquer outra pessoa. Não os
separemos porque faltou-lhe a concupiscência carnal, pois quanto maior é a
pureza, mais genuína é a paternidade. A própria Santa Maria nos censuraria.
Porque ela não quer antepor o seu nome ao seu esposo, antes diz: “O teu pai e
eu andávamos aflitos à tua procura”. Portanto, não deixe os murmuradores
perversos fazerem o que a esposa virginal não fez».
São José não pode ser esquecido na vida de Jesus ou simplesmente
ser reduzido a uma figura secundária na História da salvação: «Vamos incluir
José, porque ele é um pai casto e um esposo casto. Pela ordem natural e pela
lei divina, precedemos o homem à mulher. Se, prescindirmos de José e
entregarmos o seu lugar a Virgem Maria, então ela nos dirá e com razão: Por que
o eliminaste de mim? Por acaso as gerações sobem por mim ou baixam a partir de
mim? Então, vamos dizer-lhe: Porque não o geraste por obra da carne? Ele nos
responderá: Ela deu-o à luz por obra da carne? E certamente o Espírito Santo
agiu e age em ambos, pois ambos eramos justos. Justo homem, justa a mulher. O
Espírito Santo, firmando a justiça de ambos, deu a ambos um filho, na medida em
que a ela permitiu o parto e ao marido a paternidade daquilo que a sua esposa
deu à luz. Assim, pois, o anjo diz a ambos para colocarem um nome na criança,
confirmando deste modo que ambos têm a autoridade de pai e de mãe. Quando
o anjo afirma “Te dará luz um filho” atesta irrefutavelmente a sua paternidade
não carnal, mas afetiva. Assim sendo, como um verdadeiro pai. Portanto, os
evangelistas foram extremamente ponderados em calcular as gerações com
referência a ele: Mateus, descendo de Abraão até Cristo; Lucas, subindo de
Cristo, por Abraão, até Deus. Num cálculo é ascendente e noutro é descendente,
mas em ambos os cálculos são feitos por meio de José. Por que razão? Porque era
o pai. Era Pai? Sim, com toda a razão, quanto mais casta era a sua paternidade.
Na verdade, Nosso Senhor Jesus Cristo sempre o teve por seu pai, mas de outro
modo, isto é, não um pai como os demais, que geram o filho do seu próprio
sangue, mas o tem do seu afeto espiritual. Lucas diz: “Jesus o tinha como seu
pai”. Porque o tinha como pai? Porque a opinião e o juízo dos homens desejavam
acreditar no que sucede entre os homens. Mas o Senhor não é do gérmen de José,
mesmo quando tal se creia; com toda a piedade e caridade de José foi-lhe dado
um filho, nascido da Virgem Maria, e ao mesmo tempo um Filho de Deus».
Fontes das citações: San Agustín, Obras completas de San Agustín X,
Sermon 51, 20 (BAC, Madrid 1983) 342–345
Pensamentos
do texto para meditar
·
Jesus partilha de duas naturezas distintas, mas unidas numa
única pessoa, isto é, desde sempre Jesus é o Filho de Deus, que estava na casa
do seu Pai, mas desde algum tempo é também o Filho do homem, tendo agora dois
pais terrenos.
·
Maria e José eram os pais do Filho do Homem enquanto Deus era
Pai do Verbo por meio do qual fez todas as coisas, porém a paternidade divina
não exclui a paternidade de José.
·
A paternidade espiritual de José não é de acordo com a natureza
humana, mas de acordo com a natureza da graça. José foi um esposo casto e
integro e cumpre a paternidade de coração mais do que outros homens que geram
um filho pela carne.
·
A descendência de Jesus, fruto da promessa de Deus ao seu povo, só
encontra o seu fundamento na paternidade de José.
https://www.jornaldamadeira.com/2021/03/10/santo-agostinho-e-a-paternidade-de-sao-jose-sermao-51/
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