XIII-REFLEXÃO DOMINICAL III:
27º
DOMINGO DO TEMPO COMUM – CRIADOS PARA FAZER COMUNHÃO
Por
Francisco Cornélio Freire Rodrigues*
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Este é o primeiro
domingo do mês das missões, tempo rico de reflexão e conscientização sobre a
condição de discípulo(a) e missionário(a) de Jesus Cristo que o sacramento do
batismo confere a toda pessoa que o recebe. Providencialmente, a liturgia deste
dia recorda a missão primordial do ser humano: criar laços, viver em comunhão.
E uma das expressões mais privilegiadas dessa missão é a vida matrimonial, pois
permite o máximo de comunhão entre dois humanos, a ponto de tornarem-se uma só
carne. É essa a temática que une a primeira leitura e o Evangelho. O texto do
Gênesis mostra a incompletude do ser humano sozinho: mesmo envolto dos demais
seres da criação, ele permanece na solidão, enquanto não encontra “carne da sua
carne” para fazer comunhão. No Evangelho, Jesus, provocado pelos fariseus sobre
a licitude do divórcio, remete-se ao projeto originário do Criador – homem e
mulher unidos para sempre como uma só carne –, reconhecendo as concessões da
Lei como consequência da dureza de coração do povo. O texto da carta aos
Hebreus recorda o amor solidário e incondicional de Jesus pela humanidade:
assumindo a condição humana em plenitude, experimentou o que é inerente a ela,
como o sofrimento e a morte.
II.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I leitura (Gn 2,18-24)
A primeira
leitura faz parte do segundo relato da criação do livro do Gênesis (Gn
2,4b-3,24), um texto atribuído à tradição javista, cuja origem remonta,
provavelmente, à época de Salomão (século X a.C.). Com efeito, os aspectos
sapienciais do texto convergem para essa origem. Como é sabido, trata-se de um
relato catequético e teológico, sem nenhuma pretensão histórica ou científica.
O objetivo é ensinar que é Deus a fonte originária da vida e mostrar sua
preocupação com a felicidade do ser humano e com toda a criação. Enquanto, no
primeiro relato (Gn 1,1-2,4a), pertencente à tradição sacerdotal, o ser humano
– criado homem e mulher – é a conclusão da criação, no relato javista ele é
também o princípio. Primeiro, Deus criou o homem (Gn 3,7); em seguida, colocou-o
num rico e fértil jardim, com grande diversidade de árvores e água para
regá-las (Gn 3,8-17). Ao contemplar tudo isso, no entanto, Deus constata a
incompletude da sua obra, devido à solidão do homem. É esse o ponto de partida
do trecho lido neste domingo (v. 18a).
Para suprir a solidão do homem, Deus continua
a criar; pensa numa criatura que seja correspondente, quer dizer, semelhante
(v. 18b). Como possível solução, criou os animais e conferiu ao homem a
capacidade de dar-lhes os nomes (v. 19). Dar o nome a um ser, na Bíblia,
significa ter poder sobre ele. Desse modo, Deus torna o homem também sujeito da
criação. O homem, porém, não encontrou entre os animais nenhum ser com quem
pudesse fazer comunhão, continuando incompleto, solitário e, consequentemente,
infeliz (v. 20). Ao dar-se conta de que os animais não são capazes de suprir a
solidão do homem, Deus providencia a criatura semelhante (v. 21-22). A imagem
da costela tirada do homem significa a igualdade da mulher, em essência e
dignidade; logo, não pode ser usada para justificar inferioridade ou submissão.
Significa também a capacidade e a necessidade de relação para encontrar a
felicidade. Ao ver a mulher, o homem exclama, sentindo-se, finalmente, completo
e realizado (v. 23).
A declaração final do texto (v. 24), além de
fundamentar o modelo de matrimônio monogâmico e indissolúvel, confirma que a
realização plena do ser humano passa pela relação com o outro.
Independentemente do estado de vida, o ser humano – homem e mulher – precisa de
comunhão.
2.
II leitura (Hb 2,9-11)
Iniciamos
uma sequência de sete domingos em que a segunda leitura será tirada da carta
aos Hebreus. Apesar de inserido entre as cartas do Novo Testamento, esse
escrito não pertence ao gênero epistolar. Trata-se de uma homilia exortativa e
expositiva, de rica teologia, dirigida a uma ou mais comunidades cristãs de
origem judaica que passavam por dificuldades, como crise de identidade e
perseguição. O anônimo autor foi um erudito judeu-cristão, profundo conhecedor
das Escrituras e da liturgia judaica. A época mais provável da redação é a
década de 60 d.C., quando os serviços litúrgicos do templo de Jerusalém ainda
funcionavam. A leitura deste dia pertence à primeira parte (1,5-4,13), que
apresenta Jesus Cristo como a revelação definitiva de Deus e, por isso,
superior aos anjos e Moisés, mediadores da Antiga Aliança.
O breve trecho chama a atenção para a
solidariedade de Cristo à humanidade e sua fidelidade ao Pai. Jesus assumiu
plenamente a condição humana, passando pelo sofrimento e morte; contudo, tendo
ressuscitado, está glorificado (v. 9). Isso mostra que a condição humana não é
empecilho para a realização plena do projeto de Deus; pelo contrário, é o meio
privilegiado, pois foi no sofrimento que Jesus provou sua fidelidade ao Pai e o
amor incondicional à humanidade (v. 10). Sua mediação é perfeita, porque ele, o
Santificador, fez-se irmão dos santificados – a humanidade inteira (v. 11). Por
isso, pode nos conduzir ao Pai, sem ignorar nossas limitações.
3.
Evangelho (Mc 10,2-16)
O
Evangelho deste domingo está inserido no contexto do caminho de Jesus com seus
discípulos para Jerusalém, cujo desfecho será a paixão, morte e ressurreição.
Enquanto caminham, Jesus ensina e é constantemente confrontado, tanto pelos
seus discípulos quanto por opositores declarados, como os fariseus,
interlocutores do confronto a que assistimos nesta liturgia e tradicionais
adversários, desde o início do ministério na Galileia (Mc 2,16; 3,6; 7,1). Com
eles, o confronto é sempre no campo doutrinal, sobretudo na maneira de
compreender e interpretar a Lei.
Desta vez, o confronto diz respeito à
legitimidade do divórcio: os fariseus perguntam se é permitido ao homem
divorciar-se da mulher (v. 2). A pergunta deles é maliciosa; o objetivo é pôr
Jesus à prova para posteriormente acusá-lo. Como fiéis observadores da Lei, já
tinham opinião formada e conhecimento a respeito desse tema. Por isso, Jesus,
em sua resposta, remete ao que Moisés ordenou (v. 3), e eles replicam,
confirmando (v. 4): de fato, Moisés permitiu ao homem dar certidão de divórcio
à mulher e despedi-la (Dt 24,1-4). Jesus, todavia, recorda o motivo da
concessão de Moisés: a dureza de coração do povo, ou seja, o pecado (v. 5). A
vida regida pela Lei não corresponde aos propósitos originais da criação. A Lei
foi dada para corrigir. De sua parte, Jesus não veio ao mundo para conformá-lo
à Lei, mas para recuperar o projeto da criação, com a instauração do Reino de
Deus. Por isso, orienta seus interlocutores para o começo da criação (v. 6-9):
Deus criou homem e mulher e os uniu em perfeita comunhão, para se tornarem uma
só carne.
Mais uma vez, o evangelista evidencia o
caminho e a casa como lugares privilegiados da catequese de Jesus. Por isso,
diz que, em casa, os discípulos fizeram perguntas sobre o assunto (v. 10). A
eles Jesus responde com maior profundidade: “Quem se divorciar de sua mulher e
se casar com outra cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se
divorciar de seu marido e se casar com outro, cometerá adultério” (v. 11-12).
Nessa resposta, Jesus reafirma seu compromisso com o projeto da criação –
segundo o qual o divórcio não deveria existir – e traz grande novidade: a
condição de igualdade entre o homem e a mulher, afirmando que também o homem
comete adultério ao divorciar-se da mulher e se casar de novo. Conforme a Lei,
a culpa e as consequências do divórcio recaíam sempre sobre a mulher, que
poderia ser até apedrejada. Ao redirecionar a humanidade ao plano da criação,
Jesus combate todos os preceitos que geram discriminação, exclusão e morte.
Na parte final, o evangelista põe novamente
em cena personagens muito caros na etapa do caminho: as crianças (v. 13). A
ênfase de Jesus e do evangelista nas crianças tem uma função didática muito
específica, sobretudo para a formação dos discípulos. Com efeito, quanto mais
se aproximavam de Jerusalém, mais eles alimentavam projetos de poder e sonhos
de grandeza. Diante disso, o evangelista insiste em apresentar as crianças como
modelo, considerando a insignificância que lhes era atribuída na época. Na controvérsia
sobre o divórcio, Jesus elevou a mulher à condição de igualdade; agora, com as
crianças, eleva todas as categorias de pessoas excluídas à condição de
preferidos e preferidas do Reino (v. 14-15). O gesto de abraçar, abençoar e
impor as mãos sobre as crianças (v. 16) enfatiza o amor acolhedor de Jesus
pelas pessoas mais necessitadas, que a sociedade considera insignificantes.
II.
PISTAS PARA REFLEXÃO
Explicar bem as
leituras, mostrando a relação entre elas, sobretudo entre a primeira e o
Evangelho. Mostrar a beleza do matrimônio e como esse encontra respaldo na
Palavra de Deus, sem, no entanto, condenar outras formas de união. Evite-se o
tom moralista. Recordar que na essência do ser humano está a abertura à
comunhão, à relação. Reforçar a importância do mês missionário.
Francisco
Cornélio Freire Rodrigues*
*é presbítero da diocese de
Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San
Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto
Salesiano de Filosofia (Insaf), no Recife, e bacharel em Teologia pelo Ateneo
Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos
na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).
E-mail: francornelio@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/27o-domingo-do-tempo-comum-3-de-outubro/
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