I- RR REFLEXÃO DOMINICAL II
13 de abril – DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR
Por Junior Vasconcelos do Amaral*
“Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor”
I. INTRODUÇÃO GERAL
O domingo de Ramos da
Paixão do Senhor marca o início da Semana Santa, a semana maior da fé cristã. A
celebração deste domingo sinaliza a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém para
vivenciar os últimos dias de sua vida terrena. Entre o triunfo da entrada messiânica
e a entrada gloriosa nos átrios da casa de Deus, no céu, Jesus passará pela
paixão e morte, mistérios hoje destacados no Evangelho, o qual já antecipa o
que ouviremos novamente na sexta-feira da Paixão, justificando o nome “domingo
de Ramos da Paixão” e seu caráter penitencial. A procissão dos ramos, lembrando
a entrada de Jesus em Jerusalém, já é penitencial, como toda procissão, segundo
a tradição eclesial. Na primeira leitura, o profeta Isaías faz-nos recordar o
cântico do Servo de Adonai, o sofredor, e sua confiança na eficácia do auxílio
de Deus, que fortalece seu povo no exílio, bem como libertará Jesus do
cativeiro da morte iminente. Na segunda leitura, Paulo, falando aos filipenses,
lembra-nos a Kenosis do Filho, seu esvaziamento de si mesmo, daquele que não
fez do seu ser igual a Deus uma usurpação, mas doou-se para a redenção do
mundo. O Evangelho destaca a paixão de Cristo, entremeada às misérias dos
esquemas iníquos e humanos e à bondade de Deus, que ama seu Filho e o livrará
das algemas da morte, ressuscitando-o para uma vida nova.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho de Ramos (Lc 19,28-40)
O domingo de Ramos nos
apresenta dois Evangelhos. O primeiro convoca-nos para vivenciar os passos de
Jesus, que entra na cidade de Jerusalém para encontrar-se com sua paixão na
cruz. Jesus será saudado rei. Ele está completando sua jornada de volta para o
Pai, iniciada em Lc 9,51 (notemos que Lucas é o evangelista que mais antecipa a
decisão de Jesus de subir para Jerusalém). Desde esse versículo, Jesus está
viajando com destino à cidade santa, e a partir dela a missão cristã se
dirigirá aos confins da terra. Em Lucas, Jerusalém é o centro, pois Jesus sai
da Galileia, vai para Jerusalém, e os discípulos seguirão, em Atos, dali para
os confins do mundo. Na opinião de Schweizer, “Jerusalém se torna quase um
símbolo geográfico” da continuidade das ações de Deus. Jesus está no controle
de suas ações, é o que o texto lucano destaca: “Encontrareis um jumentinho que
ainda ninguém montou”. A fala de Jesus, emprestada do Evangelho de Marcos,
refere-se a Zc 9,9, na qual se destaca a figura do rei. O jumentinho é animal
dócil e símbolo da paz, enquanto o cavalo seria símbolo da guerra.
Em vez de palmas, Lucas
enfatiza o uso, por parte do povo, de um bem valioso, as vestes, que foram
colocadas no chão. Como a comunidade lucana sempre se move em meio a essa
dualidade entre ricos e pobres, o Evangelho vem mostrar que todos têm a mesma
predisposição de fazer de suas vestes um tapete para o Messias: tudo o que eles
têm está à disposição do rei que vem. O v. 37 destaca o reconhecimento dos
miraculados de Jesus, ministério realizado junto aos cegos, coxos, aleijados e
pobres, pois ele cumpre as Escrituras (Lc 4,18-19: leitura de Isaías na
sinagoga de Nazaré). Para Lucas, por antonomásia, Jesus é aquele que vem
cumprir a vontade-justiça de Deus. O v. 38 destaca Jesus, que reina sobre os
inimigos da paz – shalom. O Salmo 118,26 está aqui, implícito, usado para
sinalizar o status de Jesus como rei. “Aquele que vem” é tema fundamental sobre
aquele que deve vir para dentro do templo, previsto por Malaquias (Ml 3,1).
Jesus garante paz no céu em sua entrada triunfal em Jerusalém, assim como os
anjos garantem “paz na terra aos homens que ele ama” (Bíblia de Jerusalém, Paulus),
conforme o anúncio de Lc 2,14, no nascimento de Jesus. Então dois momentos
convergem para a mesma especificidade: a paz, tanto no nascimento como na
paixão de Jesus. Os v. 39-40 denotam um desejo de os fariseus calarem os que
seguem Jesus, seus discípulos, e Jesus declara: “Se eles se calarem, as pedras
falarão”. O pano de fundo desse versículo parece ser Hab 2,11, no qual as
pedras parecem ser testemunhas de vindicação das injustiças contra aqueles que
não respondem a Deus.
2. I leitura (Is 50,4-7)
O texto corresponde ao
terceiro dos quatro cânticos do Servo de Adonai. O Servo, eved Adonai, em
hebraico, surge como sábio-profeta, discípulo fiel a Deus (v. 4-5), que tem
como missão ensinar os tementes do Senhor, todos os judeus piedosos (v. 10), e
também os desviados ou infiéis, “que caminham nas trevas”. Ele é corajoso e
conta com o auxílio divino: “meu auxiliador” (v. 7-9). Suporta as perseguições
(v. 5-6), até que Deus lhe conceda um triunfo eterno (v. 9-11, relato que não
está inserido na passagem deste domingo).
Esse relato,
teologicamente dizendo, corresponde ao sofrimento de Judá exilado na Babilônia:
“as palavras se moviam em um forte espírito de esperança” (Is 40,2; 42,7),
afirma Carroll Stuhlmueller (Novo Comentário Bíblico São Jerônimo, AT, Paulus).
Esse relato se situa no Dêutero-Isaías, o segundo bloco do profeta Isaías,
composto de três seções: a primeira equivale ao tempo e contexto pré-exílicos,
o segundo ao contexto exílico e o terceiro, ao pós-exílio.
Os v. 4-5 trazem
problemas textuais e várias traduções possíveis. Propomos: “O Senhor Adonai
deu-me língua de discípulo, para que eu saiba como sustentar o cansado. A
palavra me desperta pela manhã, pela manhã ela me desperta o ouvido para ouvir
como os discípulos”. “Cansado” é palavra-chave do Dêutero-Isaías, pois o servo
é ignorado e maltratado (v. 6). “Conservei o meu rosto como pedra” faz-nos
lembrar o dito de Jesus no Evangelho de Ramos, baseado em Hab 2,11: a face
endurecida frente às injustiças sofridas.
3. II leitura (Fl 2,6-11)
Famoso e belo hino, por
sua composição, o texto reúne traços fundamentais de um hino cristológico, cuja
intenção é evidenciar a quenose (Kenosis) do Filho, ou seja, o rebaixamento de
sua divindade à condição humana e mortal. “Existindo em forma (morphé) de Deus”
denota modo de ser ou aparência-essência, indicando semelhança e não igualdade
estrita. Assim, Cristo, “na forma de Deus”, não “usou” de benefícios, ou seja,
não explorou algo em benefício próprio. Paulo é enfático: Cristo, semelhante a
Deus, não utilizou de seu status exaltado para fins puramente egoístas,
contrapondo-se, assim, ao ser adâmico. Se Adão representa a humanidade decaída
pelo pecado, Cristo simboliza a humanidade reerguida pela graça salvífica. O
termo grego Kenoun (v. 7), “despojou-se”, na voz passiva, significa “ser
tornado impotente, ineficaz” (Rm 4,14). Essa condição agora é de doulos, que,
em grego, se traduz por “servo”, aludindo ao Servo de Adonai em Isaías 53,13
(visto que se entregou a si mesmo à morte).
4. Evangelho (Lc 23,1-49 – mais breve)
O relato é tecido de uma
forma concatenada e com uma evolução em seu enredo, cujo teor fundamental é a
inocência de Jesus, como um refrão que ressoa durante toda a narrativa. Jesus é
o justo de Deus que sofrerá as injustiças da humanidade, daqueles que
governavam a política e a religião em seu tempo, a começar por Pilatos,
governador romano. Ele, após as acusações levantadas contra Jesus, é o único
que parece gozar de certa razoabilidade, pelo menos a priori. Ele não vê em
Jesus crime algum (v. 4). Assim, se não houve crime, por que há, então,
condenação? A resposta mais oportuna se encontra no mistério da iniquidade,
que, ao mesmo tempo, perpassa como vento traiçoeiro o cenário da paixão,
fazendo certas reviravoltas.
Na tradição ou fonte que
sustenta o relato lucano, no v. 5, aparece uma questão: “Eles, porém,
insistiam: ‘Ele agita o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia,
onde começou, até aqui’”. Para Pilatos, um galileu pertencia à jurisdição de
Herodes; assim, o governador transfere o julgamento para uma segunda instância.
Herodes, naqueles dias, encontrava-se em Jerusalém (v. 7).
A narrativa da cena de
Jesus diante de Herodes é exclusivamente lucana, não sendo encontrada em outro
relato evangélico. Esse trecho lucano supostamente foi preparado por Lc
3,1.19-20 e 13,31-32. Por três vezes, Lc 23,8 mostra o uso do verbo “ver” –
idón (uma vez) e idein (duas vezes) – por parte de Herodes, uma visão que lhe
exigia a fé. No encontro com Herodes, Jesus fica calado (v. 9). Trata-se do
silêncio do Servo (justo) do Senhor, que sofre inocentemente (cf. Is 53,7), um
silêncio fecundado na esperança e confiança aprofundadas no Deus fiel. Jesus é
tratado por Herodes com escárnio e desprezo e é vestido com uma roupa brilhante
– veste de gala, usada por príncipes –, como uma espécie de zombaria acerca das
pretensões que ele acreditava que Jesus tivesse. O v. 12 marca a amizade
funesta que surge entre Herodes e Pilatos, como uma ironia. “Mesmo quando
parece estar sem poder algum, Jesus é ainda capaz de realizar uma obra
salvífica: a reconciliação entre dois inimigos” (M. L. Soards, Bíblica, n. 66,
1985).
De novo diante de
Pilatos (v. 13-25), Jesus é entregue ao juízo dos sumos sacerdotes e dos chefes
do povo, que incitam seus séquitos a gritar: “Crucifica-o”. Pilatos declara a
inocência de Jesus, mas se acovarda quando todo Israel exige sua morte. Todo
Israel (v. 13) está presente. A completude do processo jurídico está presente:
prender (v. 14a); acusar (v. 14b); investigar ou cognitio (v. 14c); veredicto de
inocência (v. 14d), confirmando o veredicto de Herodes (v. 15a) e a advertência
judicial (v. 16). Lucas se esforça para evidenciar as sessões de um julgamento
correto. O v. 18 evidencia Pilatos soltando Jesus, e, por mais de duas vezes
(v. 21.23), Israel exige sua morte, não sem antes, no v. 18, exigir a soltura
de Barrabás, preso por motim e homicídio. Pilatos quer soltar Jesus, mas o povo
(laós) quer sua morte. No v. 25, Pilatos entrega Jesus ao arbítrio deles. Jesus
é inocente, não sentenciado por Roma, mas sim por pura perversão dos religiosos
e líderes do povo.
Simão de Cirene é
solidário e carrega atrás de Jesus sua cruz, tornando-se seu discípulo mesmo na
última hora e impositivamente. Mulheres choram pelo caminho que leva ao
Calvário (v. 26-32). Jesus chega ao lugar chamado Caveira (v. 22), onde o
crucificam, entre dois malfeitores. É sujeitado às zombarias e ultrajes (v.
35-37), que Lucas evidencia de maneira progressiva e decrescente: dos líderes
religiosos, dos soldados e, por fim, de um criminoso. Jesus é tentado a salvar
a própria vida, não a entregando, mas apegando-se a ela (cf. Lc 9,24). Quem o
salvará será o Pai (cf. predições da paixão e ressurreição em 9,22 e 18,33).
Sobre o escolhido (v. 35), tal chacota está ligada a Lucas 9,35. Dão-lhe
vinagre, como forma de entorpecimento (v. 36), ações que estão em sintonia com
o Sl 69,21-22, do justo que sofre inocentemente. O letreiro acima dele é
resumido (v. 38): “Este é o rei dos judeus”. Nos v. 39-43 há um contraste
entre zombaria e profissão de fé, esta por parte do criminoso “bom”, que inicia
as reações positivas a Jesus. No v. 39, “Cristo” é palavra irônica nos lábios
de quem zomba dele, e no v. 42 seu nome está agora nos lábios do “bom ladrão”,
que lhe suplica que se lembre dele no seu Reino. A resposta de Jesus (v. 43) é
como uma absolvição pronunciada por ele, que é ordenado por Deus para ser o
juiz dos vivos e dos mortos (At 10,42). O termo “hoje” indica que a morte
salvífica de Jesus tem significado para o presente.
Na hora sexta (v. 44) houve
treva, até a hora nona, e o sol desapareceu: isso nos faz lembrar Jl 2,31 e Am
8,9, o Dia do Senhor, dia de julgamento, acompanhado de trevas. Todo esse
cenário indica que o momento do juízo de Deus, contra toda iniquidade e mal no
mundo, se dá na morte de Jesus. O v. 45 (“o véu do santuário se rasgou no
meio”) leva-nos a entender que, em Jesus, todas as pessoas agora têm acesso a
Deus. Em Lc 23,46, o forte grito de Jesus revela sua bela oração na cruz: “Pai,
em tuas mãos entrego o meu espírito”. Essa oração está baseada no Sl 31,5, do
inocente sofredor. Jesus conclui sua vida de obediência à vontade de Deus;
bebeu o cálice que o Pai lhe ofereceu (cf. Lc 22,42). Nos v. 47-49, Lucas
evidencia as respostas positivas à morte de Jesus, com o testemunho do centurião,
que glorificava a Deus, dizendo: “Realmente, este homem era justo!” O v. 49
conclui o relato da paixão, dizendo que todos os amigos de Jesus, bem como as
mulheres que o acompanhavam desde a Galileia, permaneciam a distância,
observando essas coisas. O relato não deixa claro se esses amigos correspondem
aos discípulos; provavelmente eram aqueles simpáticos a Jesus, à sua pregação e
ao seu testemunho.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Levar a comunidade
cristã a fazer desta celebração o início da Semana Santa, tempo oportuno para
conversão e renovação da esperança. Meditar com os fiéis sobre a importância de
participar destes dias com fé e dedicação. Trata-se de oportunidade de a
comunidade cristã pôr-se no caminho de Jesus em vista de sua paixão e ressurreição.
Conscientizar os fiéis de seu compromisso com a participação na Coleta Nacional
da Campanha da Fraternidade, colaborando com a ação social da Igreja no Brasil
e no mundo. Para além de qualquer preconceito, a Campanha da Fraternidade é
oportunidade de testemunharmos, durante a Quaresma, nossa fé viva, capaz de
iluminar e transformar o mundo à nossa volta.
Junior Vasconcelos do
Amaral*
*é presbítero da
arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal Nossa
Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seu doutorado na modalidade
“sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique de Louvain
(Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor do Departamento de
Teologia e do Programa de Pós-Graduação “Mestrado Profissional em Teologia
Prática” na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisas sobre análise
narrativa, sobre Bíblia e psicanálise e sobre teologia pastoral. E-mail: jvsamaral@yahoo.com.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/13-de-abril-domingo-de-ramos-e-da-paixao-do-senhor/
Nenhum comentário:
Postar um comentário