I-
A
Ressurreição de Cristo e a compreensão da Ressurreição hoje
Por Renold Blank
[
1. Toda a nossa fé se baseia na ressurreição
A fé na
ressurreição é base e fundamento da fé cristã. Sem ela, a fé cristã seria
simplesmente mais uma entre muitas outras crenças. Todas elas, assim se poderia
então argumentar, tentam de maneira mais ou menos bem-sucedida responder aos
anseios existenciais das pessoas; às suas dúvidas a respeito do sentido da vida
e às dúvidas diante da indagação sobre se essa vida simplesmente acaba com
absurda e detestável experiência da morte ou se atrás dela ainda se abre alguma
perspectiva futura.
Já o
apóstolo Paulo se deu conta da importância dessa questão, e a sua resposta é
bem clara: “[…] se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa
fé” (1Cor 15,14).
Nessa
mesma perspectiva, o autor dos Atos dos Apóstolos mostra que a mensagem da
ressurreição provocou troça por parte de uns (cf. At 17,32) e agressividade ou
rejeição por parte de outros (cf. At 4,2). Essa experiência não mudou muito até
os dias atuais. Há, de fato, um contingente considerável de pessoas que não
acreditam na ressurreição. Tal perspectiva lhes parece irrelevante ou sem
grande atratividade.
Há
milhões de pessoas que preferem seguir uma das muitas concepções de doutrinas
reencarnacionistas. Seguindo sua convicção, mantêm a ideia de que, depois da
morte, voltarão a viver outras vivências terrenas em diferentes épocas e
lugares. E, finalmente, há aquelas pessoas para as quais ressurreição e
reencarnação não se distinguem e, no fundo, são o mesmo.
Independentemente, porém, de todas essas reações escépticas ou
críticas, os representantes da Igreja continuam a defender e transmitir a
mensagem da ressurreição, e para milhões de cristãos e cristãs essa mensagem
realmente se tornou o centro da sua fé. Não é por acaso que o último livro do
papa Bento XVI se tornou um best-seller em
escala mundial.
Apesar dos ataques e das dúvidas que vêm de todos os lados, a
nossa fé mantém a convicção de que existem dimensões do ser humano que
ultrapassam aquelas acessíveis às nossas pesquisas científicas e empíricas. A
fé cristã continua confiante que, acima de todos os sinais aparentes de morte,
a vida triunfará pela força de Deus. Paulo diz claramente que esse Deus “[…] faz viver os
mortos e chama à vida as coisas que não existem” (Rm 4,17).
Esse
Deus que gera vida solidariza-se de tal maneira com a humanidade, que se
encarnou ele mesmo na história humana por meio da pessoa de Jesus Cristo. Jesus
viveu todas as alegrias, mas também toda a negatividade e todas as desgraças de
uma vida terrena, incluindo até a aniquilação pela morte. Uma morte vergonhosa,
aliás, a ponto de ser definida pelo sistema da época como vergonha, loucura e
escândalo (cf. 1Cor 1,18; Dt 21,23).
Mas é
exatamente nesse aparente fracasso que se manifesta a vitória sobre tudo aquilo
que é a morte, porque a cruz e a morte de Jesus não foram o fim da sua história
terrena. Foi nesse momento que o próprio Deus demonstrou a todos a sua força.
Ele transformou a aparente aniquilação em nova vida, ressuscitando Jesus da
morte (At 2,32). Essa ressurreição, assim, confirma para todas as pessoas e
para todos os tempos o fato de que a morte, a destruição e o ódio não teriam a
última palavra. Deus é mais forte que tudo isso, e tal convicção recebe a sua
confirmação pelo fato de ele ter ressuscitado o seu Filho.
Essa
ressurreição, além disso, assume o caráter de grande revelação sobre como Deus
é, quais serão os seus planos para o mundo e qual será o destino de todo ser
humano; a sua mensagem central culmina na confirmação de que, apesar de todas
as estruturas de morte que marcam a história do mundo, a vida finalmente
triunfará sobre toda morte e toda negatividade, porque Deus é o Deus da vida.
Disso Deus deu seu testemunho ao ressuscitar seu Filho da morte. Dessa forma, a
ressurreição permanece sendo, até o fim da história, a base e o ponto central
de tudo aquilo em que, por nossa fé, acreditamos.
2. Mas será que temos alguma prova de que a
ressurreição de Jesus realmente aconteceu?
As
pessoas de hoje estão acostumadas a um pensamento científico, que se fundamenta
em provas e confirmações empíricas. Assim sendo, não é de admirar que, também
diante da mensagem da ressurreição, há cada vez mais pessoas que perguntam por
uma prova desse fenômeno. De certa maneira, é até compreensível esse desejo,
uma vez que a mensagem da ressurreição é assunto absolutamente central da nossa
expectativa religiosa. Já mencionamos que Paulo, não sem razão, formula
claramente que, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa
fé” (1Cor 15,14).
Não
obstante essa afirmação, há muitos cristãos que até hoje situam a questão da
ressurreição exclusivamente no campo da fé, dizendo que devemos simplesmente
acreditar nela. Mas a nova geração aceita cada vez menos declarações
apodícticas como essa. Essa nova geração exige provas. Felizmente, é exatamente
perante a questão crucial da ressurreição que de fato temos, pelo menos em
termos indiretos, tal prova. A maioria, porém, não a conhece, o que torna sua
divulgação mais crucial.
Podemos
chamá-la de “prova sociológica da ressurreição”, porque, na sua formulação,
segue a argumentação indireta, muito utilizada pelas ciências sociológicas.
Para compreendê-la, devemos nos lembrar do significado da crucificação na época
de Jesus. Naquela época, a cruz de maneira alguma era sinal de veneração, como
é hoje. Era, pelo contrário, o maior sinal de fracasso, vergonha e exclusão. De
um crucificado ninguém mais podia falar, nem pronunciar o seu nome. Baseado em
Dt 21,23, um crucificado até chegava a ser considerado maldito pelo próprio
Deus. Jesus morreu assim e, consequentemente, caiu sobre ele toda a maldição de
um crucificado.
Se a
história dele tivesse terminado com a cruz, jamais alguém teria continuado a
falar dele, porque, de um maldito por Deus, naquela constelação
sociorreligiosa, já nem se podia falar. Essa consequência certamente era também
entendida e tencionada por aqueles que ordenaram a crucificação de Jesus. O
fato é que, se as pessoas não tivessem voltado a falar dele naquela época,
também nos dias atuais ninguém mais falaria. Todavia, é assunto em pauta nos
dias de hoje. Não só se fala dele, mas sobretudo se fala de sua pessoa, de suas
obras, a ponto de se formar uma religião com bilhões de adeptos.
Como
isso foi possível?
Seria
por causa da cruz?
Impossível!
Já vimos que de um crucificado ninguém mais podia falar.
As pessoas voltaram a falar de Jesus porque, depois da sua
crucificação, depois da sua morte na cruz, aconteceu algo que era tão chocante,
tão novo, tão absolutamente impressionante, que era possível voltar a falar
dele. Não por causa da cruz, mas apesar da
cruz.
O que é
que havia acontecido?
As
testemunhas, em unanimidade, dizem o mesmo:
Ele voltou à vida!
Deus o ressuscitou!
A partir daí, foi possível voltar a falar dele, já que se
tratava de um ressuscitado. De um ressuscitado era possível contar a vida, bem
como falar da sua mensagem. Passo a passo, sob o impacto da ressurreição, até o
sinal vergonhoso da cruz começou a mudar de significado e se tornou o grande
sinal dos seguidores do Ressuscitado. Dessa maneira, o fato de esses seguidores
existirem hoje é a maior prova daquilo em que fundamentam a sua fé: a
ressurreição.[1]
3. Também na ressurreição, Deus age de maneira
discreta
Apesar
de ser elemento central de todo o discurso sobre Deus e do projeto que tem para
os seres humanos e o mundo, a ressurreição não se manifesta de maneira triunfal
e irresistível, a ponto de ninguém jamais duvidar dela. Em vez disso, também
ela permanece dentro da lógica de um Deus cujo agir não subjuga com força e
poder de tal maneira que ninguém lhe possa resistir.
Também
na realização da prova mais significante daquilo que será o último destino da
criação, Deus permanece discreto, suave e até um pouco tímido. Ele não se
manifesta por meio do vento impetuoso, nem por meio do fogo ou de um terremoto,
mas no “murmúrio de uma leve brisa” (cf. 1 Reis 19,11-12). É essa leve brisa
que, com o passar do tempo, modula as rochas mais duras e os corações mais
fechados.
Deus,
de fato, não age como os humanos em geral gostariam que ele agisse: com poder e
glória, por meio de macroestruturas que esmagam. O seu agir, bem pelo
contrário, é marcado por suave ternura, e é ela que possibilita ao ser humano
gozar de sua liberdade.
Assim,
constatamos que também diante do evento mais tremendo de toda a história do
cosmo as pessoas podem permanecer incrédulas, fechadas e até negativas. Com
efeito, até hoje muitos não acreditam na ressurreição de Jesus, assim como não
acreditam na própria ressurreição. Todavia, ela acontecerá!
E,
sendo assim, vale a pena refletir sobre ela.
4. Ressurreição é a transformação inteira e global
do ser humano por dentro de nova maneira de ser
A compreensão da ressurreição como transformação se encontra em
lugar dominante nos escritos de Paulo. Ainda em uma perspectiva apocalíptica,
ele escreve em 1Cor 15,51: “[…] todos seremos transformados”. E no cap. 15 da
mesma carta, recorre à imagem metafórica da semente que parece morrer, mas na
realidade se transforma em planta (cf. 1Cor 35-39). Em 2Cor 3,18, finalmente, o
mesmo Paulo denomina a ressurreição uma transformação em termos de uma “metamorfose”:
“[…] todos nós […] somos transformados [metamorfouetá]
de glória em glória […] pela ação do Espírito do Senhor”.
Todavia,
jamais essas imagens metafóricas sugerem a concepção da ressurreição como
revitalização do cadáver. É exatamente isso que ela não é! Ressurreição é muito
mais e é algo bem diferente.
Ressurreição tampouco significa a volta para nova vivência
terrena. Conforme a religião cristã, esta vida humana, incluindo a sua morte, é
vivida somente uma única vez. Assim já o formula claramente o autor da carta
aos Hebreus: “Para os homens está estabelecido morrerem uma vez […]” (Hb 9,27;
cf. também: Catecismo da Igreja
Católica, n. 1.013).
Ressurreição,
consequentemente, não tem nada que ver com reencarnação. Ela, em vez disso,
deve ser compreendida como transformação plena e total da maneira de ser de uma
pessoa. O autor dessa transformação é Deus. Esse Deus mantém tudo aquilo que o
ser humano é, mas a sua maneira de existir será transformada em analogia com
aquilo que acontece com uma semente que se transforma em planta (cf. 1Cor
15,35-38.42-44).
Essa
mesma concepção vem à tona também quando, na tradição narrativa dos textos
bíblicos, se recorre a descrições das aparições de Jesus ressuscitado. Todos os
evangelhos sustentam bem, por meio do gênero literário da narração, que o
Ressuscitado é de fato aquele mesmo Jesus que os discípulos já conheciam antes.
Mas, ao mesmo tempo, fazem questão de mostrar que a maneira de ser desse Jesus
ressuscitado, agora, é bem diferente. Podemos mostrar isso, pela justaposição
dos versículos respectivos, em alguns dos textos bíblicos que tratam do
assunto:
A maneira de ser do
Ressuscitado é diferente |
Mas ele é o mesmo Jesus
que os discípulos já conheciam |
Jo 20,26:
Ele entra apesar de as portas estarem fechadas. |
Ele pode
ser tocado por Tomé. |
Jo 20,27:
As chagas não doem mais, de tal maneira que Tomé pode tocá-las. |
Ele mantém
as chagas da crucificação. |
Jo 20,14ss:
A sua aparência é diferente, de tal maneira que Maria Madalena inicialmente
pensa que é o jardineiro. |
Ele é
realmente o Mestre e Rabboni. |
Jo 21,4-5:
Os discípulos não o reconhecem quando pergunta se há algum peixe para comer. |
Pedro o
reconhece, quando se repete a pesca milagrosa de Lc 5. |
Lc
24,13-32: Dois discípulos andam horas com ele, pensando que é um forasteiro. |
Eles o
reconhecem quando repete o gesto da última ceia. |
Nos textos acima, os autores bíblicos recorrem ao gênero
literário da tradição narrativa para expressar, por meio de objetivações, uma
das verdades fundamentais daquilo que é ressurreição: ela não é simples volta a
uma vida terrena. Tampouco é “a
ideia de uma devolução do corpo às almas após um prolongado intervalo […]”
(RATZINGER, 2005, p. 305), “à qual, no entanto, reduzimos em nossa concepção”
(Ibid., p. 299-309).
Em vez
de recorrermos a tais objetivações, de longe superadas pela reflexão teológica,
devemos compreender a ressurreição em dimensões muito mais amplas e mais
complexas. Ressurreição significa a transformação estrutural da maneira de ser
de uma pessoa. Essa transformação mantém a essência da pessoa, mas muda
totalmente a sua aparência fenomenológica.
5. Ressurreição ultrapassa a dimensão
individual e inclui a criação inteira
O
evento da ressurreição não se limita ao mundo restrito de um indivíduo. Em vez
disso, implica e inclui também tudo aquilo que esse indivíduo era e fez no
decorrer de toda a sua vida vivida. Essa dimensão histórica e cósmica daquilo
que chamamos de ressurreição foi encoberta por uma restrição dualista, na qual
toda discussão se limitou a falar de uma ressurreição do corpo, enquanto a alma
já em si seria imortal, de tal maneira que no fundo nem precisaria haver a
ressurreição. As novas concepções antropológico-fenomenológicas, junto com as
atuais pesquisas neurobiológicas, felizmente superaram esse modelo limitado do
ser humano. Ele, aliás, nunca correspondeu à concepção antropológica da Sagrada
Escritura.
Baseado
nesta, fica claro que Deus não ressuscita uma alma, desligada de todas as
dimensões terrenas e materiais, mas tampouco ressuscita somente um corpo
material. Deus, em vez disso, ressuscita o ser humano inteiro, global, com
todas as suas dimensões. A todas elas dá imortalidade; em outras palavras, ele
as inclui e integra por dentro de uma maneira de ser da qual a morte e toda a
sua negatividade já não fazem parte e que, em última análise, significa ser
amparado no amor infinito desse Deus.
O que,
porém, está sendo amparado é a pessoa inteira e integral, com toda a sua
realidade de vida vivida; com as suas dimensões individuais, sociais, históricas
e até cósmicas. Todas essas dimensões fazem parte da vida vivida de uma pessoa,
e todas elas serão integradas por dentro da nova realidade de vida que vem de
Deus.
É nesse
Deus que a pessoa humana, e com ela todo o cosmo dentro do qual a pessoa se moveu
e viveu, encontra a sua plenificação, o seu amparo e o seu último destino, que
é a imortalidade.
Em
decorrência disso, a ressurreição ultrapassa em muito a dimensão do indivíduo
como tal. Com efeito, abrange a criação como um todo, de tal maneira que já
Teilhard de Chardin, em contexto similar, podia falar de uma “cristificação do
cosmo”.
Esse cosmo, como Paulo o formula em Rm 8,21-27, “tem gemido e
sofrido as dores de parto”. Com
essa imagem, já o apóstolo interliga a dimensão da transformação individual da
pessoa com a ideia de que essa transformação radical tem uma dimensão que
abrange a criação inteira e global.
O
processo da transformação radical do indivíduo, que chamamos de ressurreição,
de fato não diz respeito somente à pessoa humana individualizada. A sua
vigência inclui também todo o contexto social, histórico e cósmico dentro do
qual essa pessoa viveu, do qual fez parte e com o qual constantemente
interagiu. Por essa interação, todo ser humano é integrado e intimamente
interligado com a criação inteira. Uma parte dela, por assim dizer, está sendo
humanizada pela vida da pessoa e, consequentemente, faz parte também do
processo de transformação radical que chamamos de “ressurreição dessa pessoa”.
Essa
perspectiva cósmica, aliás, outra vez encontra a sua base no grande apóstolo e
pensador da Igreja primitiva, Paulo. Este formula explicitamente em Rm 8,21 a
esperança de que toda criação será “libertada da servidão da corrupção para
participar livremente da glória dos filhos de Deus”.
6. Também a palavra do “túmulo vazio” aponta
para um significado além do individual
Na perspectiva acima desenvolvida, também o topos bíblico
do “túmulo vazio” alcança um significado que ultrapassa em muito o seu sentido
objetivo. Insistindo que “o túmulo de Jesus estava vazio”, a Igreja primitiva
expressou não somente o fato da ressurreição em si, mas também o seu
significado: a superação de toda dimensão de corruptividade, simbolizada pela
putrefação que se verificaria dentro de um túmulo não vazio. Tudo isso é superado
pelo agir de Deus. O seu agir implica o mundo empírico, mas o ultrapassa em
muito, abrindo novas dimensões além de tudo aquilo que podemos imaginar. Por
causa disso, Paulo pôde exclamar que “nem o olho viu nem o ouvido ouviu, nem
jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o
amam” ( 1Cor 2,9).
7. Ressurreição como promessa e antecipação
Tudo
isso e muito mais a mensagem bíblica da ressurreição de Jesus quer transmitir.
Mas a Escritura compreende essa ressurreição não simplesmente no sentido de um
relato histórico, por meio do qual informa sobre um acontecimento do passado
que diz respeito a certa pessoa. Para a Bíblia e para toda a Igreja desde as
suas primícias, a ressurreição de Jesus sempre teve o caráter de promessa e antecipação.
Paulo formula tal convicção de maneira bem clara em 1Cor 6,14 e em Rm
8,11:
[…] Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós
pelo poder. (1Cor 6,14)
[…] quem
ressuscitou Jesus Cristo dos mortos também dará vida a vossos corpos mortais
por virtude do Espírito que habita em vós. (Rm 8,11)
O fato
de Deus ter ressuscitado Jesus se torna assim a prova e a confirmação para a
esperança de que cada um de nós, na sua morte, também será ressuscitado. É essa
a grande promessa, formulada também pelo próprio Jesus Cristo. O Evangelho de
João a põe na boca de Jesus pelas seguintes palavras:
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu
ressuscitá-lo-ei no último dia. (Jo 6,54)
Pela
ressurreição de Jesus, o próprio Deus também confirma essa promessa, de tal
maneira que o fato de Jesus ter sido ressuscitado se torna, olhando de outro
ângulo, novamente peça-chave para toda a fé cristã, e isso dentro dos seguintes
cinco enfoques (cf. BLANK, 2007, p. 28-29):
1.
Deus, ressuscitando Jesus, provou que é capaz de ressuscitar mortos. Na
ressurreição do Jesus morto, Deus comprova aquilo que até aquele momento só era
crença: ele ressuscitou alguém que de fato tinha sido morto. Assim comprovou a
crença como certa e mostrou concretamente que realmente é um Deus mais forte
que a morte.
2.
Ressuscitando Jesus, Deus confirma que ele é assim como esse Jesus tinha dito:
O DEUS DA VIDA.
3.
Ressuscitando Jesus morto, Deus dá fundamento sólido à esperança em nossa
própria ressurreição, assim como Paulo o formula: é com base no fato de Deus
ter ressuscitado Jesus que se pode acreditar na ressurreição de todos os
mortos.
4.
Ressuscitando Jesus, Deus se revela fiel ao ser humano.
5.
Ressuscitando Jesus, Deus comprova que ele se solidariza com Jesus e com tudo
aquilo que Jesus tinha dito e feito. Uma das grandes promessas de Jesus tinha
sido a garantia de que ele nos ressuscitaria. Ressuscitando Jesus, o próprio
Deus Pai dá a essa promessa o seu peso de veracidade absoluta.
8. Ressurreição como concretização da última
solidariedade de Deus com o ser humano
Com
base nas afirmações acima, a fé cristã formula a sua esperança de que essa
solidariedade incondicional de Deus, manifestada na ressurreição de Jesus, se
estende a partir dele a todos os seres humanos. Desenvolvendo essa ideia com
base na concepção de um Deus que ama esses humanos, pode-se chegar, finalmente,
a uma correlação interessante desse amor com a ressurreição.
Numa reflexão fascinante sobre aquilo que é o amor, Josef Pieper
mostra que a essência do amor é a aceitação incondicional do outro,
simplesmente porque esse outro existe. Essa aceitação se manifesta pela
expressão “é bom que tu existes” (PIEPER, 2000, p. 200). Tal aceitação, porém,
não se formula a
posteriori, em consequência de uma vida vivida que justificaria a
afirmação. Não, ela se expressa a
priori, simplesmente por causa do fato da existência da pessoa
amada.
Aplicando
essa concepção àquilo que acontece com o ser humano no momento da ressurreição,
poder-se-ia imaginar, em termos de analogia, que o Deus que ama também fala à
pessoa em questão estas mesmas palavras: “É bom que tu existes”! Essa afirmação
implica necessária e consequentemente a vontade divina de que esse ser humano
amado exista para sempre. A ressurreição da pessoa humana por parte de Deus
seria assim a concretização de tudo aquilo que Paulo formula em 1Cor 13,1-13: o
amor de Deus é mais forte que a morte. É ele que tem a última palavra, contra
todas as manifestações da morte, da rejeição e do pecado.
É assim
que podemos sintetizar toda a questão sobre o significado da ressurreição: ela
é a expressão e a confirmação do fato de o último destino de toda pessoa e da
criação inteira ser o repousar no amor inimaginável daquele que criou a todos
nós. É para isto que Deus ressuscita todo ser humano depois de uma única vida
vivida: para que esse ser seja eternamente amparado no seu amor; para que –
balbuciando e hesitando, tenho a coragem de o formular – também Deus seja
amparado no amor daqueles pelos quais ele se apaixonou, os seres humanos.
* Doutor em Teologia e em Filosofia, licenciado em Letras,
professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo. Além disso,
é professor do Instituto de Teologia de São Paulo e do Instituto Teológico Pio
XI. De 1985 até 1994, foi diretor do Instituto de Teologia para Leigos, em
Santo Amaro. Publicou diversos livros na América Latina e na Europa, entre os
quais: Reencarnação ou ressurreição –
uma decisão de fé; Escatologia da pessoa –vida, morte e
ressurreição; Escatologia do mundo – projeto
cósmico de Deus; Creio na ressurreição dos mortos; Creio na vida eterna; A face mais íntima de Deus; Encontrar sentido na vida – propostas
filosóficas; Ovelha ou protagonista? – a Igreja e
a nova autonomia do laicato no século 21.
BIBLIOGRAFIA
BLANK, Renold. Creio
na ressurreição dos mortos. São Paulo: Paulus, 2007.
______. Reencarnação
ou ressurreição. São Paulo: Paulus, 2008.
PIEPER, Josef. Über
die Liebe (Sobre o amor). München: Kösel, 2000.
RATZINGER, Joseph. Introdução
ao cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.
[1] O
texto segue com certas modificações o cap. 23 de BLANK, R. Creio na ressurreição dos
mortos. São Paulo: Paulus, 2007, p. 24-25. Cf. também: BLANK,
R. Reencarnação ou ressurreição.
São Paulo: Paulus, 2008, p. 89-93.
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