I- REFLEXÃO DOMINICAL II
20 de abril – DOMINGO DA PÁSCOA NA
RESSURREIÇÃO DO SENHOR
Por Junior Vasconcelos do Amaral*
“Ele devia ressuscitar dos mortos”
I. INTRODUÇÃO GERAL
Celebramos hoje o dia
sem ocaso, o domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor. É o dia que o Senhor
fez para nós, como canta alegre o salmo dessa assembleia santa. Expressa-se o
convite à alegria, à exultação e à felicidade. Rezamos o mistério fontal de nossa
fé: o Cristo vivo e ressuscitado. Ele é vencedor da morte, garantindo-nos a
esperança da feliz ressurreição, no encontro definitivo com o Senhor, na glória
eterna.
Na primeira leitura, dos
Atos dos Apóstolos, Pedro proclama um discurso que, por um lado, acentua a
responsabilidade do povo, o qual prega Jesus na cruz e o mata, e, por outro,
destaca a ação do Pai, que, por sua onipotência, ressuscita o Cristo ao
terceiro dia. A ação da Igreja nascente e dos apóstolos é pregar e
testemunhar ao povo a ação salvífica de Jesus ressuscitado, permitindo-lhes
perceber que a autoridade-poder do Senhor vem do Pai. Na segunda leitura, da
carta aos Colossenses, por um lado, ratifica-se a salvação trazida por Cristo e
sua primazia no mundo; por outro, acentua-se o despertar da ética em vista da
fé. A expressão “esforçai-vos por alcançar as coisas do alto” (v. 1b) marca o
empenho prático do cristão em conformar suas ações do cotidiano da vida com sua
profissão de fé. O texto evangélico revela não só a incredulidade dos
discípulos no dia da Páscoa, mas também como Pedro e João chegaram à fé no
Ressuscitado. Maria Madalena recebe também notoriedade, uma vez que foi ela,
uma mulher, a primeira testemunha do túmulo vazio. Ela é a “Apóstola dos
apóstolos”, como afirmou Santo Tomás de Aquino. Assim, celebrando este dia
solene e alegre, confiemo-nos ao Senhor para que, na vivência dos valores
evangélicos e cristãos, possamos um dia participar da glória da eternidade,
quando Deus nos chamar desta vida à plenitude.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (At 10,34a.37-43)
Nos cinquenta dias
pascais, começando com esta liturgia, leremos, cotidianamente, trechos dos Atos
dos Apóstolos. A comunidade cristã primitiva torna-se modelo e exemplo para a
vivência da fé no hoje de nossa vida. Do mesmo modo que o Ressuscitado iluminou
a experiência dos primeiros cristãos, assim também deve iluminar nossa vida,
nossos lares, famílias e comunidades.
Estamos diante de um
discurso querigmático do apóstolo Pedro. Nessa altura do livro (cap. 10), tal
discurso já não se destina somente ao povo hebreu – como vemos, por exemplo, em
At 2,14-36 –, mas sim a todos aqueles que, pela fé, buscam a Deus. Vai
cumprindo-se, desse modo, o mandato de Jesus, presente nos Evangelhos, de que a
Boa-nova da salvação seja anunciada até os “confins do mundo”. Pedro começa a
dizer quem é Jesus e desenvolve, logo em seguida, a missão que ele realizou. O
Senhor foi aquele “ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder” (v. 38a).
Ele fez o bem, curou as pessoas e expulsou demônios. Contudo, o autor sagrado
faz questão de ratificar: “porque Deus estava com ele” (v. 38c). O
poder-autoridade – exousía – de Jesus não emana dele mesmo, mas do Pai. Toda a
sua missão não é realizada autonomamente, mas em comunhão, participação e
integração com a vontade de Deus todo-poderoso.
O discurso petrino
culmina no anúncio da paixão, morte e ressurreição do Senhor: “eles o mataram,
pregando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia [...]” (v.
39c-40a). Se as autoridades judaicas acreditavam que, eliminando Jesus, se
silenciaria a mensagem anunciada pelo Senhor, a morte, pelo contrário, torna-se
oportunidade de vida nova, vida ressuscitada, vida gloriosa. Com a ressurreição
do Mestre, seus discípulos são (re)animados à missão, anunciando e
testemunhando o que receberam do Senhor. O mandato de Jesus é claro: ele “nos
mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos
mortos” (v. 42). O apóstolo Pedro finaliza sua pregação, dizendo como todos
aqueles que o escutam podem associar-se ao Cristo: crer em Jesus é condição para
a remissão dos pecados e, consequentemente, horizonte para alcançar a salvação.
2. II leitura (Cl 3,1-4)
A carta aos Colossenses
tem seu ponto central no mistério de Cristo: o Filho, Deus eterno com o Pai, em
determinado momento da história, assumiu a natureza humana. Jesus Cristo é
Criador junto com o Pai; mas, por sua vez, assumiu uma natureza criada. Por
isso, é o primeiro dos seres humanos e superior a todos eles. Sua atuação é
decisiva na criação de todas as coisas e, também, na nova criação, que é a regeneração
da ordem da graça, levada a cabo mediante sua entrega na cruz. Por isso, Cristo
é a “cabeça” de todo o universo, de todas as realidades terrenas e da Igreja.
Por meio da salvação do ser humano, ele reconcilia tudo o que existe. Antes de
Cristo não há vida nem morte eterna. Tudo passa por ele. O Filho de Deus não é
somente o membro mais nobre da Igreja, mas é também seu princípio de vida e de
atividade. Ele deve ser posto acima de todas as realidades, como cabeça
salvífica e centro de convergência.
Com essa moldura
teológica, encontramo-nos com essa exortação do autor sagrado. Ele nos convida
a viver uma vida, de fato, verdadeira, diferente da anterior. Nossa fé na
ressurreição nos desperta para as coisas do alto, como diz o texto. Na verdade,
essa leitura deseja despertar-nos para um compromisso ético, impulsionado pela
fé. Nós, que cremos, rezamos e celebramos que Cristo ressuscitou, carecemos de
que nosso modo de ser, de falar e de agir no mundo com os irmãos e irmãs seja,
cada vez mais, parecido com o do Senhor: “esforçai-vos por alcançar as coisas
do alto” (v. 1b). É preciso deixar de lado a antiga vida, de pecado, de trevas,
de “escravidão”, e assumir a liberdade, a graça e a luz que vêm de Deus, por
meio de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo.
3. Evangelho (Jo 20,1-9)
A ressurreição do Senhor
é testemunho vivo, fervoroso e provocante na comunidade dos discípulos de
Jesus. Cantamos na “Sequência” desta liturgia: “Vi Cristo ressuscitado, o
túmulo abandonado”; e, logo depois: “Ressuscitou de verdade. Ó Rei, ó Cristo,
piedade!” A ressurreição do Senhor é verdadeira e testemunhada por aqueles que
viram ou o túmulo vazio, ou o Ressuscitado numa de suas aparições.
A cena do Evangelho
narra uma dessas situações. Era domingo, o primeiro dia da semana, dia que se
tornará a oportunidade da reunião da comunidade. Transcorridos os fatos da
paixão e da morte de Jesus, Maria Madalena foi ao túmulo, possivelmente para
ungir o corpo do Senhor, em sua sepultura, ainda de madrugada – a notícia da
ressurreição, luz que dissipa todas as trevas, ainda não havia atingido a
comunidade dos discípulos. Contudo, um fato inesperado e surpreendente é
vivenciado por Maria Madalena: a pedra tinha sido retirada do túmulo. Como e
por que razão uma pedra tão grande e pesada foi retirada da entrada do túmulo?
Ela sai em disparada e se encontra com Pedro e o discípulo amado. Madalena está
angustiada: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (v.
2b).
Ao receberem a notícia,
os dois discípulos correm em direção ao centro da cena: encontram o sepulcro
vazio. O discípulo amado chega primeiro, talvez porque fosse mais jovem.
Contudo, não entra – é a imagem do amor cristão que sabe esperar, com
expectativa e alegria, os tempos e os momentos de Deus. Ele espera Pedro, o chefe
do grupo dos Doze, aquele sobre o qual recaía a autoridade dos discípulos. Por
um lado, o que marca a cena é a incredulidade dos seguidores de Jesus (v. 8-9):
“eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual o Senhor devia
ressuscitar dos mortos”. Contemporaneamente, corremos o mesmo risco: de sermos
homens e mulheres incrédulos, racionais, positivistas e fechados à graça e à
ação de Deus na história. Por outro lado, ressalta-se a postura do discípulo
amado: “Ele viu e acreditou” (v. 8c). Ele crê na ressurreição de Jesus e no
cumprimento das Escrituras (v. 9).
Teologicamente, essa
cena tem muito a nos dizer e ensinar. Somente aquele que ama verdadeiramente
consegue “enxergar” esperança, vida nova e ressurreição mesmo num cenário de
morte, medo e angústia. O coração do discípulo amado era aquele que estava na
mesma sintonia do coração do Senhor – tanto que, na cena da última ceia, ele
estava reclinado no peito de Jesus. O amor do discípulo se torna, dessa forma,
esperança viva, testemunho autêntico, ímpeto missionário para uma nova fase da
vida das comunidades nascentes. Agora, é preciso anunciar: as Escrituras se
cumpriram, Cristo venceu, ressuscitou, as cadeias da morte não foram
suficientes para acorrentá-lo. Além disso, a primeira testemunha desse evento
extraordinário e fundante é uma mulher, Maria Madalena – chamada,
posteriormente, de Apóstola da ressurreição. Aqui, revela-se, nas entrelinhas,
mesmo num contexto patriarcal e machista, o papel preponderante da mulher. Ela
foi a primeira a receber a Boa Notícia e foi a primeira a anunciá-la,
corajosamente.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Chamar a comunidade a
viver intensamente este dia de alegria e fé, no espírito de paz e fraternidade.
O dia da Páscoa se estenderá por oito dias, na chamada oitava pascal, para nos
recordar que um dia apenas é muito pouco para vislumbrar e saborear a graça da
vida nova que nos vem de/por Cristo. Perceber que entre nós há sinais de
ressurreição e vida nova quando vivemos o perdão, a solidariedade e somos capazes
de olhar para o sepulcro de nossa existência, notando que nele o Senhor deixa
sua luz e as trevas nunca serão a maior e mais forte realidade. Vivenciar no
mundo atual, marcado por tanta crucifixão e sofrimento, a certeza da
solidariedade de Deus, que liberta todo gênero humano da morte e da decepção
pelo fracasso. Quando nos sentimos fracos é que somos fortes, e quando nos
sentimos abandonados é que entendemos o que vem a ser ressurreição: a confiança
total em Deus.
Junior Vasconcelos do
Amaral*
*é presbítero
da arquidiocese de Belo Horizonte-MG e vigário episcopal da Região Episcopal
Nossa Senhora da Esperança (Rense). Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), realizou parte de seu doutorado na
modalidade “sanduíche”, estudando Narratologia Bíblica na Université Catholique
de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgica). Atualmente, é professor do Departamento
de Teologia e do Programa de Pós-Graduação “Mestrado Profissional em Teologia
Prática” na PUC-Minas, em Belo Horizonte, e desenvolve pesquisas sobre análise
narrativa, sobre Bíblia e psicanálise e sobre teologia pastoral.
E-mail: jvsamaral@yahoo.com.br
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/20-de-abril-domingo-da-pascoa-na-ressurreicao-do-senhor/
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