sábado, 24 de maio de 2025

XI-- REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA ( *) "MUDANÇA DE MENTALIDADE, READEQUAÇÃO DE PERSPECTIVA, E RENOVAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO: CAMINHO CERTO E SEGURO PARA UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL, PLENA E SEGURA

 

XI--      REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA ( *)

 

 "MUDANÇA DE MENTALIDADE, READEQUAÇÃO  DE PERSPECTIVA, E RENOVAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO: CAMINHO CERTO E SEGURO PARA UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL, PLENA E SEGURA"

 

                      [Parte II]

"Para os  jovens,  a  vida  é  um  futuro muito longo,  para os velhos, um passado  muito  curto" [ArthurSchopenhouer]

 

Nem todas as crenças são iguais. Certas crenças e convicções podem e devem ser consideradas mais importantes que outras, em razão do fato de atuarem como verdadeiras "matrizes" para um grande número de crenças menores e de menor importância, que muito apropriadamente poderíamos chamar de "filiais". A essas crenças e convicções de maior relevância a chamada TCC -Teoria Cognitivo Comportamental - atribui o nome de "crenças centrais" ou "crenças nucleares", enquanto o Psicodrama de Jacob Levi Moreno as chama de "matrizes" ou "esquemas". Caracterizam-se como ideias, convicções e "verdades" profundamente enraizadas na pessoa, tendo sido adquiridas maiormente na infância e na adolescência a partir de experiências marcantes e características dessas duas importantes fases da vida. Tais crenças irão influenciar profundamente a forma como a pessoa vê e percebe não só a si mesma, como também aos outros e ao mundo ao seu redor. Muitas dessas crenças - talvez a maioria delas - são de origem inconsciente, e por serem demasiado rígidas e consideradas absolutas, geralmente apresentam forte resistência a qualquer tentativa de mudança, que no jargão da ciência psicológica recebe o nome de "ressignificação" e "rematrização". Essa notória resistência pode vir a se tornar extremamente problemática, tendo em vista que com frequência tais crenças sustentam pensamentos automáticos negativos, acompanhados de comportamentos inadequados, disfuncionais e "doentios". Por essa razão, o principal objetivo tanto da Teoria Cognitivo Comportamental como do Psicodrama é identificar, questionar e reestruturar tais crenças, substituindo-as por outras consensualmente consideradas mais realistas, funcionais e saudáveis. Quanto mais rígida for uma crença, maior será a resistência a qualquer tipo de mudança. Se elevada à categoria de "verdade" - e o que seria ainda pior, se essa nova e presumida "verdade" é elevada à categoria de "dogma" - a resistência à mudança se torna ainda mais acentuada, fazendo com que a gravidade do problema atinja seu máximo grau e se distancie cada vez mais de uma eventual alternativa de solução. E isso, convenhamos, não é nada bom.

Do ponto de vista das instituições - ou se se preferir, do ponto de vista "institucional" - em sua "Introdução à Teoria Geral da Administração" o professor e estudioso brasileiro Idalberto Chiavenato, falecido em 2018, apresenta como protótipos de "estruturas organizacionais formais fechadas", duas instituições ou organizações em particular: a religiosa - ou eclesiástica - e a militar. Tais instituições, ele afirma, primam pela disciplina, o conservadorismo, a rigidez hierárquica e o cooperativismo. Eficientes e eficazes na persecução de objetivos específicos e missões estáveis, tais organizações, de acordo com Chiavenato, apresentam todavia notória dificuldade de adaptação e de convivência com ambientes e outras instituições que exigem descentralização, criatividade, inovação e mudança. Por mais e melhores iniciativas que estejam dispostas a empreender - tais como os Concílios de Trento e Vaticano II, no caso da Igreja Católica, por exemplo - tais instituições tendem a ser conservadoras, rígidas, dogmáticas e cooperativistas por natureza, como se sua própria sobrevivência dependesse irremediavelmente desses atributos. É óbvio que, no limite, essa estratégia pode vir a ser extremamente perigosa, tendo-se em conta que as mesmas razões e as mesmas condições tidas como "conditio sine qua non" de sua sobrevivência podem, paradoxalmente, ser as mesmas potencialmente capazes de conduzi-las à perda de resiliência, eficácia e relevância, vindo a comprometer inclusive sua própria subsistência e continuidade.

Do ponto de vista da estabilidade e do crescimento espiritual dos membros e participantes das instituições religiosas, que é aqui o que mais nos interessa, a questão não se apresenta nem um pouco menos problemática. Enquanto os chamados "membros hierárquicos" estão comprometidos em manter e sustentar o "status quo" da instituição, os chamados "membros agregados"- terminologia nossa - tais como leigos, fiéis, crentes e "irmãos", são continuamente estimulados a permanecer obedientes e submissos quando o assunto em pauta se refere ao ensinamento e ao conteúdo doutrinário. Dessa forma o chamado "sacerdócio comum dos fiéis" é chamado a participar e colaborar apenas e tão somente quando estão em jogo atividades pastorais e sociais, por exemplo, e persuadido a distanciar-se, obedecer e permanecer em silêncio, quando o foco passa a ser qualquer tipo de conteúdo teológico-exegético-doutrinário ou mesmo disciplinar, como é o caso do celibato, da ordenação de mulheres, e outros temas de menor consenso. "Nossa tarefa é acreditar nos ensinamentos da Igreja, e não criar novos ensinamentos. Todas as ideias novas têm algo em comum: são heresias...": são palavras de Deepak Chopra colocadas na boca da respeitada anacoreta inglesa Juliana de Norwich, por volta do século XIV, em seu diálogo com uma fervorosa devota, de nome Margery Kempe.

Se concordarmos com a afirmação de que "as ideias e as crenças movem o mundo com seus pezinhos de lã", e esta outra, de que "muito antes de passarem os canhões, perfilam as ideias", como deixaram escrito dois autores desconhecidos, e considerando-se ainda que as instituições de natureza religiosa estão entre as mais conservadoras, dogmáticas e corporativistas que se conhecem, como afirma Chiavenato, encontramo-nos diante de um intrincado e espinhoso impasse: como conciliar o "conservadorismo"  e o "dogmatismo" característicos das  organizações e instituições religiosas, com a urgência de mudança de mentalidade, readequação de perspectiva e renovação de estratégias de enfrentamento, aqui sugeridas como forma privilegiada de alavancar a aquisição de uma vida mais plena, saudável, integral e abundante, tal como proposto pelo próprio Jesus, sobretudo por parte dos chamados "membros agregados" que fazem parte de tais instituições? O dilema se torna ainda mais complexo quando sabemos que, de acordo com Larry Culliford, em sua "Psicologia da Espiritualidade", é apenas uma minoria que consegue avançar para além do "conformismo religioso" - a quarta, entre as sete etapas do crescimento espiritual, de acordo com James W. Fowler -  permanecendo nessa "etapa mediana" e reconhecidamente imatura para o resto de suas vidas. Ao confundir religião com espiritualidade a grande maioria das pessoas se fixa - diria Freud, "infantilmente" -  nessa fase, interrompendo sua jornada de crescimento e sem prazo certo para sua retomada. Não sem razão o Orientador Filosófico norte-americano Lou Marinoff adverte: "...se a religião fica dogmática demais, o que é inerente a todos os ensinamentos doutrinários, seus seguidores podem perder a liberdade de exercer a dúvida e ver que seu crescimento espiritual na verdade foi sufocado, optando assim por crescer espiritualmente sem pertencer a um grupo religioso ou instituição religiosa específicos".

Era de se esperar que jamais houvesse - e menos ainda, "reinasse" - incompatibilidade entre religião e espiritualidade e entre crescimento espiritual e crescimento religioso, entendendo-se este último como o vínculo estabelecido entre a pessoa, enquanto indivíduo singular, e uma igreja, instituição ou comunidade religiosa. Isso porque, a princípio, parece absolutamete evidente e inconteste que ambas, religião e espiritualidade, perseguem um mesmo e principal objetivo, qual seja, a evolução e o crescimento espiritual do ser humano. Essa pressuposição parece tão óbvia, que na maioria das vezes, e para a maioria das pessoas, ela sequer é colocada em questão. Acontece que a origem do problema pode se encontrar justamente aí. Como afirmamos no início da presente reflexão, muitas crenças, convicções e percepções que desde a infância e adolescência trazemos conosco, têm origem em nossa mente inconsciente, isto é, nos foram sendo transmitidas e repassadas "automaticamente", sem terem sido submetidas ao crivo de nossa análise e de nossa avaliação crítica. Não admira, portanto, que para um grande número de pessoas pareça natural e absolutamente óbvio que qualquer caminho ou trajetória de espiritualidade passe necessária e obrigatoriamente pelo vínculo e pertença a um determinado credo religioso ou uma religião institucionalizada. Um olhar mais atento é suficiente para nos darmos conta de que a maioria de nós já nascemos inseridos e fazendo parte de um determinado grupo religioso, professando uma determinada fé, seguindo uma determinada doutrina, e participando, com maior ou menor frequência e intensidade, da vida de uma Igreja ou comunidade religiosa. Em muitos casos os chamados "ritos iniciáticos" de pertença e vinculação remontam aos primeiros anos - não raro, primeiros meses - de nossa infância, nos acompanham durante todo o nosso crescimento, permanecendo conosco até o nosso último suspiro. Sem nos esquecer que, para a maioria das religiões, esse vínculo pode perdurar inclusive para além da morte, via ressurreição, por toda a eternidade. Em outras palavras, a maioria de nós não nascemos apenas "potencialmente humanos", como quer e ensina o Existencialismo, mas sim "humanos religiosos". Essa peculiar forma de "predestinação", entretanto, não para por aí. Se assim ocorresse, provavelmente ela poderia ser considerada como o alicerce e a motivação de que necessitamos para dar início à nossa jornada espiritual pessoal. O que em princípio, entretanto, poderia ser visto como solução, pode acabar se transformando em problema, tendo em vista que a formação religiosa que recebemos não é de natureza geral e genérica - e portanto aberta a infinitas possibilidades, escolhas e opções de nossa parte - e sim uma formação formal e fechada, dogmática e conservadora, em perfeita sintonia com as organizações e instituições formais e fechadas, apontadas por Chiavenato. Ou seja, desde seu princípio mais remoto nossa formação religiosa se caracteriza como altamente específica e direcionada. Assim, uns são como que "predestinados" a nascer como "humanos religiosos cristãos", outros, "humanos religiosos budistas", outros, "humanos religiosos islamistas", outros ainda, como "humanos religiosos induístas", e assim por diante, de acordo com cada povo, cultura e religião. Se levarmos em conta a estimativa de que, em se tratando exclusivamente de Cristianismo, existem aproximadamente quarenta e cinco mil denominações religiosas cristãs diferentes espalhadas pelo planeta - "filhos, afilhados e netos" dos três maiores grupos cristãos existentes, a saber, Catolicismo, Ortodoxia, e Protestantismo - essa complexidade aumenta vertiginosamente em progressão geométrica. Como se isso não bastasse, eu, você e todos os demais cristãos nascemos com outra singular "predisposição", à qual se atribui o nome de "pecado original". Mas pelo menos no que diz respeito a esse verdadeiro "cavalinho de Tróia" que recebemos como "presente", podemos permanecer tranquilos: antes mesmo que nos percebamos como pessoas, o primeiro rito religioso no qual somos iniciados já nos deixou totalmente livres - acredita-se - dessa espécie de herança nada desejável.

À guisa de conclusão: não espere que sua  religião, qualquer que seja ela, e se é que você seja seguidor  e praticante de alguma delas, favoreça e incentive seu crescimento espiritual pessoal. Aparentemente parece não fazer parte da natureza das religiões essa tarefa ou parte da missão. Primeiro porque a "espiritualidade", como uma característica das religiões institucionais, é sempre grupal, coletiva e comunitária. Perceba que somente em sentido lato ou amplo podemos fazer uso da expressão "espiritualidade grupal" ou "espiritualidade comunitária". Em sentido estrito ela, a espiritualidade, é sempre uma experiência única e pessoal. Como ensina o Nobel da Paz Wil Weslie, "existem mil e um portões que conduzem ao pomar da verdade mística. Cada ser humano tem o seu próprio portão. Nosso maior erro seria tentar entrar por um portão que não fosse o nosso". Historicamente essas experiências pessoais individuais sempre foram vistas com reserva e desconfiança por parte das religiões organizadas. Isso porque faz parte da natureza dos partidos e das instituições partidárias exigirem vinculação e fidelidade absoluta de seus membros e correligionários. Isso significa que quanto mais liberdade e autonomia tanto de pensamento como de ação você reivindica, maior ameaça você passa a representar para esse mesmo partido ou organização. O princípio é simples: o todo é sempre mais importante que qualquer uma de suas partes. Disso se depreende que a função precípua de cada uma das partes é estar sempre a serviço do todo, se necessário com o sacrifício da própria vida; das ideias, crenças e convicções, então, nem se fala. O segundo princípio também é bastante simples: os indivíduos "passam", as instituições permanecem - ou ao menos tendem a permanecer e para isso foram criadas. Dessa forma, se você está decidido a empreender sua própria jornada pessoal, crescer em espiritualidade, e ultrapassar o "conformismo" e a "resignação" que  caracterizam os grupos, coletividades e instituições, não espere ser estimulado e menos ainda favorecido pelos "membros hierárquicos" da instituição religiosa à qual você pertence, espera ser incluído e apoiado. É absolutamente certo que você tem o direito de esperar esse incentivo e esse apoio; mas muito raramente as instituições, sobretudo as de natureza religiosa, mesmo quando em condições de fazê-lo, dificilmente o farão de fato. Como afirma Deepak Chopra, "nada como a ignorância para assegurar que a fé seja mantida e a fidelidade preservada".

Assim, se você está determinado a ressignificar e rematrizar certo número de crenças, "verdades" e conhecimentos que você herdou e vêm servindo de norte e suporte para sua vida, suas escolhas e suas decisões, e está decidido a empreender um processo saudável de mudança de mentalidade, readequação de perspectivas, e renovação das estratégias de enfrentamento que você vem utilizando até agora, saiba que não terá de abrir mão da sua religião, do seu Credo, e de sua pertença e prática religiosa. Mas sem "assumir", "ressignificar", "rematrizar" e "transcender" tais crenças, convicções e ensinamentos, dificilmente você conseguirá seu objetivo. E não se iluda: essa missão é tão complexa, árdua e exigente, que muitos acabam optando por permanecer regredidos na  chamada "etapa conformista" da fé. O desejável seria que, para cada "amém" pronunciado, você seja capaz de levantar questão - isto é , questionar e submeter à análise crítica -  pelo igual número de "améns" a serem mantidos em suspense; com certeza já seria um bom começo. Jesus assumiu, ressignificou, rematrizou e transcendeu grande parte das crenças, costumes e tradições religiosas de seu meio e de seu tempo. Contou com o apoio de bem poucos dos assim chamados "membros hierárquicos" para levar a cabo essa missão. Se você está disposto a fazer o mesmo, ou ao menos algo parecido, é imperioso se perguntar, antes, se está disposto a pagar o preço. O tributo que Ele pagou você já sabe muito bem qual foi.

 

                       L.S.M.: Maio  de 2025

 

( * ) TEXTO ENVIADO PELO AUTOR VIA WHATSAPP, DE VITÓRIA (ES)

Nenhum comentário:

Postar um comentário