XI--
REFLETINDO
COM LINDOLIVO SOARES MOURA ( *)
"MUDANÇA DE MENTALIDADE, READEQUAÇÃO DE PERSPECTIVA, E RENOVAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS
DE ENFRENTAMENTO: CAMINHO CERTO E SEGURO PARA UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL, PLENA E
SEGURA"
[Parte II]
"Para os jovens,
a vida é um futuro muito longo, para os velhos, um passado muito
curto" [ArthurSchopenhouer]
Nem todas as crenças
são iguais. Certas crenças e convicções podem e devem ser consideradas mais
importantes que outras, em razão do fato de atuarem como verdadeiras
"matrizes" para um grande número de crenças menores e de menor
importância, que muito apropriadamente poderíamos chamar de
"filiais". A essas crenças e convicções de maior relevância a chamada
TCC -Teoria Cognitivo Comportamental - atribui o nome de "crenças
centrais" ou "crenças nucleares", enquanto o Psicodrama de Jacob
Levi Moreno as chama de "matrizes" ou "esquemas".
Caracterizam-se como ideias, convicções e "verdades" profundamente
enraizadas na pessoa, tendo sido adquiridas maiormente na infância e na
adolescência a partir de experiências marcantes e características dessas duas
importantes fases da vida. Tais crenças irão influenciar profundamente a forma
como a pessoa vê e percebe não só a si mesma, como também aos outros e ao mundo
ao seu redor. Muitas dessas crenças - talvez a maioria delas - são de origem
inconsciente, e por serem demasiado rígidas e consideradas absolutas,
geralmente apresentam forte resistência a qualquer tentativa de mudança, que no
jargão da ciência psicológica recebe o nome de "ressignificação" e
"rematrização". Essa notória resistência pode vir a se tornar
extremamente problemática, tendo em vista que com frequência tais crenças
sustentam pensamentos automáticos negativos, acompanhados de comportamentos
inadequados, disfuncionais e "doentios". Por essa razão, o principal
objetivo tanto da Teoria Cognitivo Comportamental como do Psicodrama é
identificar, questionar e reestruturar tais crenças, substituindo-as por outras
consensualmente consideradas mais realistas, funcionais e saudáveis. Quanto
mais rígida for uma crença, maior será a resistência a qualquer tipo de
mudança. Se elevada à categoria de "verdade" - e o que seria ainda
pior, se essa nova e presumida "verdade" é elevada à categoria de
"dogma" - a resistência à mudança se torna ainda mais acentuada,
fazendo com que a gravidade do problema atinja seu máximo grau e se distancie
cada vez mais de uma eventual alternativa de solução. E isso, convenhamos, não
é nada bom.
Do ponto de vista das
instituições - ou se se preferir, do ponto de vista "institucional" -
em sua "Introdução à Teoria Geral da Administração" o professor e
estudioso brasileiro Idalberto Chiavenato, falecido em 2018, apresenta como protótipos
de "estruturas organizacionais formais fechadas", duas instituições
ou organizações em particular: a religiosa - ou eclesiástica - e a militar.
Tais instituições, ele afirma, primam pela disciplina, o conservadorismo, a
rigidez hierárquica e o cooperativismo. Eficientes e eficazes na persecução de
objetivos específicos e missões estáveis, tais organizações, de acordo com
Chiavenato, apresentam todavia notória dificuldade de adaptação e de
convivência com ambientes e outras instituições que exigem descentralização,
criatividade, inovação e mudança. Por mais e melhores iniciativas que estejam
dispostas a empreender - tais como os Concílios de Trento e Vaticano II, no
caso da Igreja Católica, por exemplo - tais instituições tendem a ser
conservadoras, rígidas, dogmáticas e cooperativistas por natureza, como se sua
própria sobrevivência dependesse irremediavelmente desses atributos. É óbvio
que, no limite, essa estratégia pode vir a ser extremamente perigosa, tendo-se
em conta que as mesmas razões e as mesmas condições tidas como "conditio
sine qua non" de sua sobrevivência podem, paradoxalmente, ser as mesmas
potencialmente capazes de conduzi-las à perda de resiliência, eficácia e
relevância, vindo a comprometer inclusive sua própria subsistência e
continuidade.
Do ponto de vista da
estabilidade e do crescimento espiritual dos membros e participantes das
instituições religiosas, que é aqui o que mais nos interessa, a questão não se
apresenta nem um pouco menos problemática. Enquanto os chamados "membros
hierárquicos" estão comprometidos em manter e sustentar o "status
quo" da instituição, os chamados "membros agregados"-
terminologia nossa - tais como leigos, fiéis, crentes e "irmãos", são
continuamente estimulados a permanecer obedientes e submissos quando o assunto
em pauta se refere ao ensinamento e ao conteúdo doutrinário. Dessa forma o
chamado "sacerdócio comum dos fiéis" é chamado a participar e
colaborar apenas e tão somente quando estão em jogo atividades pastorais e
sociais, por exemplo, e persuadido a distanciar-se, obedecer e permanecer em
silêncio, quando o foco passa a ser qualquer tipo de conteúdo
teológico-exegético-doutrinário ou mesmo disciplinar, como é o caso do
celibato, da ordenação de mulheres, e outros temas de menor consenso.
"Nossa tarefa é acreditar nos ensinamentos da Igreja, e não criar novos
ensinamentos. Todas as ideias novas têm algo em comum: são heresias...":
são palavras de Deepak Chopra colocadas na boca da respeitada anacoreta inglesa
Juliana de Norwich, por volta do século XIV, em seu diálogo com uma fervorosa
devota, de nome Margery Kempe.
Se concordarmos com a
afirmação de que "as ideias e as crenças movem o mundo com seus pezinhos
de lã", e esta outra, de que "muito antes de passarem os canhões,
perfilam as ideias", como deixaram escrito dois autores desconhecidos, e
considerando-se ainda que as instituições de natureza religiosa estão entre as
mais conservadoras, dogmáticas e corporativistas que se conhecem, como afirma
Chiavenato, encontramo-nos diante de um intrincado e espinhoso impasse: como
conciliar o "conservadorismo"
e o "dogmatismo" característicos das organizações e instituições religiosas, com a
urgência de mudança de mentalidade, readequação de perspectiva e renovação de
estratégias de enfrentamento, aqui sugeridas como forma privilegiada de
alavancar a aquisição de uma vida mais plena, saudável, integral e abundante,
tal como proposto pelo próprio Jesus, sobretudo por parte dos chamados
"membros agregados" que fazem parte de tais instituições? O dilema se
torna ainda mais complexo quando sabemos que, de acordo com Larry Culliford, em
sua "Psicologia da Espiritualidade", é apenas uma minoria que
consegue avançar para além do "conformismo religioso" - a quarta,
entre as sete etapas do crescimento espiritual, de acordo com James W. Fowler
- permanecendo nessa "etapa
mediana" e reconhecidamente imatura para o resto de suas vidas. Ao
confundir religião com espiritualidade a grande maioria das pessoas se fixa -
diria Freud, "infantilmente" -
nessa fase, interrompendo sua jornada de crescimento e sem prazo certo
para sua retomada. Não sem razão o Orientador Filosófico norte-americano Lou
Marinoff adverte: "...se a religião fica dogmática demais, o que é
inerente a todos os ensinamentos doutrinários, seus seguidores podem perder a
liberdade de exercer a dúvida e ver que seu crescimento espiritual na verdade
foi sufocado, optando assim por crescer espiritualmente sem pertencer a um
grupo religioso ou instituição religiosa específicos".
Era de se esperar que
jamais houvesse - e menos ainda, "reinasse" - incompatibilidade entre
religião e espiritualidade e entre crescimento espiritual e crescimento
religioso, entendendo-se este último como o vínculo estabelecido entre a
pessoa, enquanto indivíduo singular, e uma igreja, instituição ou comunidade
religiosa. Isso porque, a princípio, parece absolutamete evidente e inconteste
que ambas, religião e espiritualidade, perseguem um mesmo e principal objetivo,
qual seja, a evolução e o crescimento espiritual do ser humano. Essa
pressuposição parece tão óbvia, que na maioria das vezes, e para a maioria das
pessoas, ela sequer é colocada em questão. Acontece que a origem do problema
pode se encontrar justamente aí. Como afirmamos no início da presente reflexão,
muitas crenças, convicções e percepções que desde a infância e adolescência
trazemos conosco, têm origem em nossa mente inconsciente, isto é, nos foram
sendo transmitidas e repassadas "automaticamente", sem terem sido
submetidas ao crivo de nossa análise e de nossa avaliação crítica. Não admira,
portanto, que para um grande número de pessoas pareça natural e absolutamente
óbvio que qualquer caminho ou trajetória de espiritualidade passe necessária e
obrigatoriamente pelo vínculo e pertença a um determinado credo religioso ou
uma religião institucionalizada. Um olhar mais atento é suficiente para nos
darmos conta de que a maioria de nós já nascemos inseridos e fazendo parte de
um determinado grupo religioso, professando uma determinada fé, seguindo uma
determinada doutrina, e participando, com maior ou menor frequência e
intensidade, da vida de uma Igreja ou comunidade religiosa. Em muitos casos os
chamados "ritos iniciáticos" de pertença e vinculação remontam aos
primeiros anos - não raro, primeiros meses - de nossa infância, nos acompanham
durante todo o nosso crescimento, permanecendo conosco até o nosso último
suspiro. Sem nos esquecer que, para a maioria das religiões, esse vínculo pode
perdurar inclusive para além da morte, via ressurreição, por toda a eternidade.
Em outras palavras, a maioria de nós não nascemos apenas "potencialmente
humanos", como quer e ensina o Existencialismo, mas sim "humanos
religiosos". Essa peculiar forma de "predestinação", entretanto,
não para por aí. Se assim ocorresse, provavelmente ela poderia ser considerada
como o alicerce e a motivação de que necessitamos para dar início à nossa
jornada espiritual pessoal. O que em princípio, entretanto, poderia ser visto
como solução, pode acabar se transformando em problema, tendo em vista que a
formação religiosa que recebemos não é de natureza geral e genérica - e
portanto aberta a infinitas possibilidades, escolhas e opções de nossa parte -
e sim uma formação formal e fechada, dogmática e conservadora, em perfeita
sintonia com as organizações e instituições formais e fechadas, apontadas por
Chiavenato. Ou seja, desde seu princípio mais remoto nossa formação religiosa
se caracteriza como altamente específica e direcionada. Assim, uns são como que
"predestinados" a nascer como "humanos religiosos cristãos",
outros, "humanos religiosos budistas", outros, "humanos
religiosos islamistas", outros ainda, como "humanos religiosos
induístas", e assim por diante, de acordo com cada povo, cultura e
religião. Se levarmos em conta a estimativa de que, em se tratando
exclusivamente de Cristianismo, existem aproximadamente quarenta e cinco mil
denominações religiosas cristãs diferentes espalhadas pelo planeta -
"filhos, afilhados e netos" dos três maiores grupos cristãos
existentes, a saber, Catolicismo, Ortodoxia, e Protestantismo - essa
complexidade aumenta vertiginosamente em progressão geométrica. Como se isso
não bastasse, eu, você e todos os demais cristãos nascemos com outra singular
"predisposição", à qual se atribui o nome de "pecado
original". Mas pelo menos no que diz respeito a esse verdadeiro
"cavalinho de Tróia" que recebemos como "presente", podemos
permanecer tranquilos: antes mesmo que nos percebamos como pessoas, o primeiro
rito religioso no qual somos iniciados já nos deixou totalmente livres - acredita-se
- dessa espécie de herança nada desejável.
À guisa de conclusão:
não espere que sua religião, qualquer
que seja ela, e se é que você seja seguidor
e praticante de alguma delas, favoreça e incentive seu crescimento espiritual
pessoal. Aparentemente parece não fazer parte da natureza das religiões essa
tarefa ou parte da missão. Primeiro porque a "espiritualidade", como
uma característica das religiões institucionais, é sempre grupal, coletiva e
comunitária. Perceba que somente em sentido lato ou amplo podemos fazer uso da
expressão "espiritualidade grupal" ou "espiritualidade
comunitária". Em sentido estrito ela, a espiritualidade, é sempre uma
experiência única e pessoal. Como ensina o Nobel da Paz Wil Weslie,
"existem mil e um portões que conduzem ao pomar da verdade mística. Cada
ser humano tem o seu próprio portão. Nosso maior erro seria tentar entrar por
um portão que não fosse o nosso". Historicamente essas experiências
pessoais individuais sempre foram vistas com reserva e desconfiança por parte
das religiões organizadas. Isso porque faz parte da natureza dos partidos e das
instituições partidárias exigirem vinculação e fidelidade absoluta de seus
membros e correligionários. Isso significa que quanto mais liberdade e
autonomia tanto de pensamento como de ação você reivindica, maior ameaça você
passa a representar para esse mesmo partido ou organização. O princípio é
simples: o todo é sempre mais importante que qualquer uma de suas partes. Disso
se depreende que a função precípua de cada uma das partes é estar sempre a
serviço do todo, se necessário com o sacrifício da própria vida; das ideias,
crenças e convicções, então, nem se fala. O segundo princípio também é bastante
simples: os indivíduos "passam", as instituições permanecem - ou ao
menos tendem a permanecer e para isso foram criadas. Dessa forma, se você está
decidido a empreender sua própria jornada pessoal, crescer em espiritualidade,
e ultrapassar o "conformismo" e a "resignação" que caracterizam os grupos, coletividades e
instituições, não espere ser estimulado e menos ainda favorecido pelos
"membros hierárquicos" da instituição religiosa à qual você pertence,
espera ser incluído e apoiado. É absolutamente certo que você tem o direito de
esperar esse incentivo e esse apoio; mas muito raramente as instituições,
sobretudo as de natureza religiosa, mesmo quando em condições de fazê-lo,
dificilmente o farão de fato. Como afirma Deepak Chopra, "nada como a
ignorância para assegurar que a fé seja mantida e a fidelidade
preservada".
Assim, se você está
determinado a ressignificar e rematrizar certo número de crenças,
"verdades" e conhecimentos que você herdou e vêm servindo de norte e
suporte para sua vida, suas escolhas e suas decisões, e está decidido a
empreender um processo saudável de mudança de mentalidade, readequação de
perspectivas, e renovação das estratégias de enfrentamento que você vem
utilizando até agora, saiba que não terá de abrir mão da sua religião, do seu
Credo, e de sua pertença e prática religiosa. Mas sem "assumir",
"ressignificar", "rematrizar" e "transcender"
tais crenças, convicções e ensinamentos, dificilmente você conseguirá seu
objetivo. E não se iluda: essa missão é tão complexa, árdua e exigente, que
muitos acabam optando por permanecer regredidos na chamada "etapa conformista" da fé.
O desejável seria que, para cada "amém" pronunciado, você seja capaz
de levantar questão - isto é , questionar e submeter à análise crítica - pelo igual número de "améns" a
serem mantidos em suspense; com certeza já seria um bom começo. Jesus assumiu,
ressignificou, rematrizou e transcendeu grande parte das crenças, costumes e
tradições religiosas de seu meio e de seu tempo. Contou com o apoio de bem
poucos dos assim chamados "membros hierárquicos" para levar a cabo
essa missão. Se você está disposto a fazer o mesmo, ou ao menos algo parecido,
é imperioso se perguntar, antes, se está disposto a pagar o preço. O tributo
que Ele pagou você já sabe muito bem qual foi.
L.S.M.: Maio de 2025
( * ) TEXTO ENVIADO PELO
AUTOR VIA WHATSAPP, DE VITÓRIA (ES)
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