VII-
REFLEXÃO DOMINICA II
25 de
maio – 6º DOMINGO DA PÁSCOA- VIRÁ P DEFENSOR, O ESPÍRITO SANTO
Por Pe. Francisco Cornélio*
I. Introdução geral
Esta liturgia já prepara
as festas da Ascensão e de Pentecostes, simultaneamente, ao destacar o papel do
Espírito Santo e sua importância na vida da Igreja. No Evangelho, em clima de
despedida, Jesus anuncia aos discípulos, em forma de promessa, o envio do
Espírito Santo pelo Pai, em seu nome, para ensinar e recordar tudo o que ele
mesmo ensinou; também reforça o convite ao amor, tema principal do domingo
passado, e promete sua paz. A primeira leitura já mostra o Espírito Santo em
plena atuação, orientando as decisões da comunidade, ajudando a Igreja a
manter-se alinhada ao projeto de Jesus e, assim, confirmando a eficácia da sua
promessa. A segunda leitura apresenta a nova Jerusalém, a cidade santa que
desce do céu com todo o seu esplendor; é a imagem do mundo novo, que
corresponde à humanidade em sua plena realização. Participar da construção
dessa cidade e habitar nela é fruto do Espírito Santo. O salmo recorda que o
mundo inteiro é beneficiado pela obra libertadora de Deus.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (At 15,1-2.22-29)
O capítulo 15 dos Atos
dos Apóstolos retrata um dos acontecimentos mais importantes e tensos da Igreja
nascente, conforme a dinâmica narrativa e teológica do livro (At 15,1-35).
Trata-se da assembleia dos apóstolos e demais lideranças, para decidir se os
convertidos do paganismo deveriam se submeter ou não às prescrições da Lei
mosaica, principalmente à circuncisão, para ter acesso à salvação. Esse
encontro ficou conhecido como o “Concílio de Jerusalém”. O autor dos Atos superdimensionou
os fatos, mas a repercussão na carta de Paulo aos Gálatas atesta a
historicidade e a importância do evento (Gl 2,1-10). A leitura deste domingo
mostra apenas o motivo da reunião (v. 1-2) e a resolução conclusiva (v. 22-29).
O problema foi gerado
porque um grupo de cristãos de origem judaica, chamados de “judaizantes”, se
dirigiu à comunidade de Antioquia e lá ensinava que os cristãos de origem pagã
não poderiam se salvar se não fossem circuncidados (v. 1), contrariando o
ensinamento de Paulo e Barnabé, que pregavam como indispensável à salvação
apenas a fé em Jesus Cristo, com todas as suas implicâncias éticas e morais,
obviamente. Com efeito, a exigência da circuncisão para a salvação significava
a negação da eficácia da fé em Jesus Cristo, além de um retrocesso cultural. O
conflito tornou-se inevitável. Diante da crise gerada, Paulo, Barnabé e outros
foram a Jerusalém para tratar a questão diretamente com os apóstolos e anciãos
(v. 2).
A leitura salta os
versículos correspondentes às discussões da assembleia (v. 6-21) e passa
diretamente à conclusão, expressa em forma de carta (v. 22-29). Durante o
encontro, foi discutido e deliberado que a fé em Jesus é suficiente para obter
a salvação. Os participantes reconheceram que os ritos e preceitos da Lei
judaica não são necessários à salvação e, portanto, não deveriam ser impostos
aos convertidos do paganismo. Contudo, a fim de evitar constrangimentos e
choque cultural, a carta enviada à comunidade de Antioquia, como conclusão da
assembleia, faz recomendações práticas, relacionadas a algumas regras de pureza
alimentar e uniões ilegítimas (v. 29), elementos muito caros à cultura judaica.
Não se trata de obrigações, mas de sugestões.
A leitura mostra
claramente que a Igreja já nasceu marcada pela diversidade cultural e
pluralidade teológica. Na verdade, isso tem sido demonstrado desde o relato de
Pentecostes (At 2,1-12). Por isso, os conflitos e tensões são inevitáveis, e a
história tem mostrado isso. Os apóstolos chegaram à melhor conclusão porque decidiram
juntos com o Espírito Santo (v. 28). Isso significa que não há barreira
cultural intransponível para o Evangelho quando os evangelizadores têm abertura
ao Espírito Santo.
2. II leitura (Ap 21,10-14.22-23)
Concluindo a série de
textos do Apocalipse escolhidos para este tempo pascal, a segunda leitura
apresenta a segunda visão da nova Jerusalém, a cidade santa que desce do céu,
como imagem do mundo novo, o destino da humanidade, conforme o projeto
libertador de Deus. Como é sabido, o livro do Apocalipse foi escrito com a
finalidade de injetar fé e esperança nas comunidades perseguidas da Ásia Menor,
no final do primeiro século. Nesse contexto, as imagens da nova Jerusalém são
as que melhor exprimem essa finalidade, uma vez que apresentam o mundo já transformado,
com a vitória definitiva do bem sobre o mal. Enfim, mostram o triunfo do amor,
como resultado da ressurreição de Jesus, o Cordeiro, e da atuação do Espírito
Santo na história.
A visão se dá numa alta
montanha (v. 10), o lugar privilegiado para encontrar-se com Deus e ver as
coisas segundo sua perspectiva. As contradições e adversidades do mundo
presente, sobretudo em contextos de perseguição, como viviam as comunidades
destinatárias do livro, podem facilmente levar ao desânimo. Assim, para aspirar
a um mundo novo, lutar para sua construção e contemplar sua realização, é
essencial manter vivas a fé e a esperança, o que só se faz com abertura ao
Espírito Santo, dom de Deus e do seu Cordeiro. E foi isso o que fez o profeta
autor do livro. Do alto da montanha, ele contemplou o mundo como Deus quer: uma
cidade perfeita, repleta de luz e esplendor (v. 11), protegida por uma alta
muralha (v. 12), construída sobre sólidos alicerces (v. 14). Os nomes das doze
tribos de Israel e dos apóstolos do Cordeiro, inscritos nas portas e nos
alicerces, significam que essa cidade corresponde à realização das promessas de
Deus. As portas abertas para todas as direções (v. 13) significam inclusão e
acolhida a todos os povos e culturas.
A ausência do templo na
cidade (v. 22) significa Deus habitando em cada pessoa, sem a necessidade de um
sistema religioso mediador. Num mundo assim, nem o sol nem a lua terão mais
motivos para existir (v. 23), pois tudo será iluminado pela glória de Deus e do
Cordeiro.
3. Evangelho (Jo 14,23-29)
O Evangelho continua
ambientado no cenáculo, em Jerusalém, durante a última ceia de Jesus com seus
discípulos. Ainda faz parte daquele amplo discurso de despedida,
convencionalmente chamado de “testamento de Jesus” (Jo 13,31-16,33). Nesse
discurso, que é intercalado pela intervenção de alguns discípulos, Jesus mostra
o que é essencial em sua mensagem e como a comunidade deve continuar
experimentando sua presença, mesmo após seu retorno ao mundo do Pai. Conforme a
dinâmica interna do discurso, o trecho lido neste dia é a resposta de Jesus a
um de seus discípulos, que lhe tinha perguntado por que se manifestava apenas a
eles e não ao mundo (Jo 13,22). A resposta é altamente comprometedora, pois
indica que manifestá-lo ao mundo é a missão da comunidade cristã.
A condição essencial para a comunidade viver em perene comunhão
com Jesus e com o Pai é a vivência do amor e a obediência à sua Palavra (v.
23-25). Por Palavra, aqui, compreende-se todo o conjunto dos seus ensinamentos,
incluindo seu jeito de viver. Tal vivência só é possível tendo o amor como
princípio motivador. Quando alguém ama e vive os ensinamentos de Jesus,
torna-se morada dele e do seu Pai e, por conseguinte, manifesta sua presença no
mundo. Para garantir que a comunidade permaneça em sintonia com sua Palavra,
que é a mesma do Pai, Jesus anuncia o envio do Espírito Santo, como outro
Defensor (v. 26a). João é o único autor do Novo Testamento a atribuir esse
papel ao Espírito Santo, mediante o uso do termo grego parákletos, que
pode ser traduzido também como consolador, advogado ou assistente (Jo 14,16.26;
15,26; 16,7).
Na promessa de envio do
Espírito Santo, são-lhe atribuídas e garantidas duas funções bem concretas,
intrinsecamente relacionadas e essenciais para a comunidade: ensinar e recordar
(v. 26b). Na Bíblia, o verbo “recordar” não significa simplesmente lembrar algo
do passado, mas também tornar vivo e presente o objeto da recordação, o qual,
neste caso, é o conjunto dos ensinamentos de Jesus. Por isso, somente com a
assistência do Espírito Santo a comunidade poderá manter a mensagem de Jesus
sempre atual, o que torna sua presença viva e atuante. Quanto à função de
ensinar, obviamente não se trata de acrescentar coisas novas aos ensinamentos
de Jesus, pois ele já ensinou tudo, mas de atualizar seu ensinamento e
interpretá-lo corretamente, conforme as necessidades das pessoas e as
circunstâncias sócio-históricas.
Diante disso, fica
evidente que a iminente partida de Jesus não acarretará ausência, mas eterna
presença no meio da comunidade, tanto pela vivência do amor quanto pela
acolhida do Espírito Santo. Por isso, a fim de dar ainda mais certeza da sua
presença e assistência perene, ele antecipa na ceia seu primeiro dom de
Ressuscitado: a paz (v. 27). A paz de Jesus, porém, não é tranquilidade
passageira ou simples ausência de conflito: é força de vida. Por isso, os
discípulos devem ficar alegres por possuí-la, pois também ela é manifestação
sua no mundo e demonstração de que sua partida não significa ausência (v. 28),
mas plenitude da sua presença.
III. Pistas para reflexão
Apontar a mensagem
central de cada leitura, mostrando o que as une. É importante recordar a
promessa do Espírito Santo (Evangelho) e seu agir concreto na vida da
comunidade (primeira leitura). Cada cristão/a é morada de Deus e, por isso,
deve manifestá-lo ao mundo mediante o jeito de viver, o que só se faz amando.
Quando se vive à maneira de Jesus, deixando-se conduzir pela sua palavra e pelo
Espírito Santo, experimenta-se a nova Jerusalém ainda neste mundo (segunda
leitura).
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em
Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum
(Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf
(Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É
professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do
RN. francornelio@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/25-de-maio-6o-domingo-da-pascoa-2/
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