VI-
REFLEXÃO DOMINICAL L
O AMOR E O ESPÍRITO QUE NOS ENSINAM
TODAS AS COISAS
O Evangelho deste sexto domingo de Páscoa é
extraído do primeiro dos três “discursos de despedida” contidos no quarto
Evangelho: um discurso inteiramente dedicado ao tema do seu iminente retorno ao
Pai. O clima só podia ser de preocupação e tristeza porque o destino de Jesus
estava prestes a se cumprir. Sua “partida” era iminente. E as palavras do
Mestre se referiam a esta circunstância. O raciocínio, porém, não tinha e não
poderia ter como objeto o destino de Jesus, mas o dos discípulos que
permaneceriam. De fato, uma nova história estava prestes a começar para os
seguidores de Cristo. A história daqueles que teriam aderido ao Senhor mesmo
sem tê-lo visto. Os temas que se cruzam e são compreendidos são essencialmente
dois: o amor a Jesus e o dom do Espírito Santo. Entretanto, os apóstolos
ficaram perturbados com as palavras de despedida que ouviram: palavras como
“órfãos”, “abandonados”, “vocês não me verão mais”. Só lhes restava uma palavra
de consolo: amor! O amor a Cristo não é mais expresso por um mandamento, mas
por um firme condicional “se...” do qual surge a escolha de um seguimento
fundamental para a salvação: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (Jo
14,23). Jesus ofereceu aos seus discípulos o centro do seu ensinamento ao
apresentar o vínculo indissolúvel entre o amor a Jesus e a observância da sua
Palavra. O importante para Jesus não é que alguém se lembre dele como um
milagreiro ou como um fazedor de milagres. Jesus pede um relacionamento pessoal
de amor. A prova de que se ama verdadeiramente o Senhor é a obediência. Não se
pode falar de verdadeiro amor ao Senhor se não se observa a sua Palavra. Assim,
o amor não é uma declaração de intenção. O amor é um estilo de vida! Quem ama
obedece: observa a Palavra do Senhor. As palavras de João em sua primeira carta
são reconfortantes, quando ele afirma: “Todo aquele que guarda a palavra de
Jesus, nele o amor de Deus é aperfeiçoado” (1Jo 2,5). Existe uma estreita
relação entre o amor a Jesus e a observância da sua palavra. Observar a Palavra
não é uma obediência anônima, mas significa deixar- -se proteger por ela para
que ela nos defenda e nos distinga. A Palavra de vida proclamada por Cristo e
acolhida no coração do homem faz do coração a morada terrena do Pai, que ali
habita com o Filho e com o Espírito. Que envolve ouvir, meditar, orar e fazer.
Estes são os compromissos que caracterizam a comunidade apostólica. Traduzir os
ensinamentos de Cristo em experiência de vida cristã é prova da autenticidade
do nosso amor por ele. Com esta declaração exigente, Jesus estabelece uma
diferença entre aqueles que creem e aqueles que não creem. Quem ama
verdadeiramente o Senhor escuta-o, segue-o, deixa-se guiar por Ele, porque sabe
que obedecer-lhe não é um peso, mas um sinal de amor. O segundo tema diz
respeito à obra do Espírito Consolador que “ensinará todas as coisas”. Após sua
morte, Jesus enviará seu Espírito, por meio do qual o Pai e ele mesmo habitarão
em seus discípulos. A tarefa do Espírito é ensinar e lembrar. Este é um
ensinamento compreendido em sua plenitude. “Tudo” significa sua plenitude, sua
razão profunda. Não é apenas uma memória repetitiva, mas uma memória que se
atualiza. O Espírito ajuda o discípulo do Senhor a interpretar a própria
história à luz da Palavra, para que cada acontecimento se torne lugar de
revelação e salvação. Portanto, o trecho do Evangelho indica as diretrizes para
um bom caminho que Jesus confiou à comunidade dos discípulos para sua caminhada
na história: Palavra, Espírito Santo, Paz, coragem. Jesus, antes de sua paixão,
disse aos seus seguidores o que eles deveriam fazer enquanto esperavam seu
retorno. Suas palavras não eram destinadas apenas aos doze, mas também aos
discípulos de todos os tempos. Devemos então nos perguntar: depois de vinte
séculos de cristianismo, o que fizemos com o Evangelho de Jesus? Nós o
observamos e praticamos fielmente ou o usamos para nossos próprios interesses?
Acolhemos as palavras do Evangelho em nossos corações ou as esquecemos sem
qualquer escrúpulo? Nós a proclamamos autenticamente ou a confundimos com
outras doutrinas? Deixemos que o Espírito seja o protagonista que mantém a
história de Jesus aberta, tornando-a perpetuamente atual e salvífica em nossa
vida. Afinal, sem o Espírito, a história de Jesus – incluindo sua ressurreição
– teria permanecido uma história encerrada no passado, não um evento
perpetuamente contemporâneo que pede cotidianamente que amemos e guardemos Sua
Palavra.
Dom
Cícero Alves de FrançaBispo Auxiliar de São Paulo Vigário Episcopal Região
Belém
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