I-
REFLEXÃO DOMINICAL L
DESPEDIR-SE
ABENÇOANDO!
Sair
de cena é tão importante quanto debutar. O próprio Jesus disse certa vez: “Quem,
porém, perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24,13). Também disse,
preanunciando o envio do Espírito Santo: “Eu, porém, vos digo a verdade: é bom
para vós que eu vá. Se eu não for, o Paráclito não virá a vós, mas se eu for,
eu o enviarei a vós” (Jo 16,7). A questão mais importante, portanto, é o modo
como alguém se despede do cenário desse mundo. O Apóstolo, São Paulo, na
iminência de sua partida desse mundo, com toda a consciência que adquiriu de
que chegara a hora, disse a seu discípulo amado: “Quanto a mim, já estou sendo
oferecido em libação, pois chegou o tempo da minha partida. Combati o bom
combate, terminei a corrida, guardei a fé. Desde agora, está reservado para mim
o prêmio da justiça que o Senhor, o justo juiz, me dará naquele dia, não
somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua manifestação”
(2Tm 4,6-8). Contam as fontes históricas que Santa Clara (“Vita”, de Tomás de
Celano e os testemunhos do Processo de canonização), no momento da morte, de-
pois de debater-se na agonia durante muitos dias, encerrou sua missão nesse
mundo rezando a seguinte oração: “Vai segura, minha alma, porque tens um bom
guia de viagem. Vai porque Aquele que te criou, também te santificou e,
cuidando de ti, como uma mãe cuida de seus filhos, te amou com terno amor.
Senhor, sede bendito porque me criaste”! Assim, essa Virgem consagrada não
apenas aceitou o momento de sua morte, mas também foi capaz de recordar o
grande milagre de ter sido chamada à vida pelo Altíssimo Criador. Pois, também Jesus
selou o momento de sua partida desse mundo com uma presença marcante e
extremamente motivadora. Segundo São Lucas, Jesus explicou aos seus discípulos
o que sig- nificou aquele acontecimento trágico de sua morte, valendo-se das
profecias do Antigo Testamento. Depois, falou sobre a missão que seria entregue
aos discípulos a partir daquele momento, de modo que sua saída do cenário
serviria para a entrada em cena de seus enviados, que constituíam a Igreja
Primitiva. Além do envio, Jesus os confortou recordando que eles se- riam
revestidos da força do alto para cumprirem essa missão. E, por fim, Jesus os
levou para fora, perto de Be- tânia, ergueu as mãos e os abençoou, enquanto se
afastava deles sendo levado para o céu. Ele se retirava desse mundo, mas os despedia
abençoando. É isso que acontece em todas as celebrações eucarísticas de que
participamos. No final somos abençoados e despedidos: “A alegria do Senhor seja
a vossa força! Ide em paz e o Senhor vos acompanhe!” É fácil perceber que essa
palavra final não é apenas de des- pedida, mas também é um envio. Daí, se pensarmos
bem que a palavra “Missa” significa “envio em missão”; e que na liturgia antiga
o celebrante despedia o povo dizendo: “Ite, missa est”, praticamente se dizia
ao povo para ir embora porque a missa começava ali, isto é, o povo estava
também sendo enviado. Portanto, a Igreja também envia enquanto abençoa, como
fez Jesus. Isso me lembra a morte de minha mãe. Depois de uma semana na UTI,
ela quase não falava, mas estava consciente. Na última vez que tivemos notícia
de que ela falou foi durante a visita que meu irmão mais velho fez a ela. Não
sei bem qual foi sua intenção, mas ele registrou em áudio esse momento. Até
hoje podemos ouvir a gravação. Percebemos meu irmão falando muitas coisas à minha
mãe, mas sem ter nenhuma resposta. Porém, quando ele se despediu dela, pediu a
bênção. Apesar da gravação bastante rústica e de toda a dificuldade que ela
teve para responder, com a voz alterada por não conseguir articular muito bem,
mas com a clareza suficiente para entendermos e nunca mais nos esquecermos, ela
disse: “Deus te abençoe!” Ela também soube “sair de cena” e nos “enviar” para
continuarmos nossa missão, dali pra frente, sem sua presença marcante e
motivadora, mas com a certeza do auxílio de sua bênção e o testemunho final de
sua fé.
D. Rogério Augusto das Neves Bispo Auxiliar de
São Paulo- Vigário Episcopal para a Região Sé
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