sexta-feira, 2 de maio de 2025

XIV- REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA (*

 XIV-       REFLETINDO COM LINDOLIVO SOARES MOURA (*

 

"MUDANÇA DE MENTALIDADE, READEQUAÇÃO  DE PERSPECTIVA, E RENOVAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO: CAMINHO CERTO E SEGURO PARA UMA VIDA MAIS PLENA E ABUNDANTE"

                      [Parte I]

 

 "Ambos - Cristianismo  e  Islamismo - são  "religiões  do Livro" e  que  prometem a salvação na vida após a morte,  o que  coloca  o  mundo físico tão abaixo  do  mundo  espiritual,  que chamar  a  morte  em nome de  Deus é uma virtude" [Deepak Chopra]

Você não precisa ser um fiel seguidor da doutrina de Alan Kardec, o Kardecismo ou Espiritismo, nem tampouco pertencer à família dos "felis catus", que segundo dizem possuem sete vidas, para reconhecer e aceitar o fato de que estamos longe de viver apenas uma "única vida" ao longo de nossa existência terrena. São tantas, tão profundas e radicais as mudanças e transformações que experimentamos, que o corpo pode até continuar aparentemente sendo o mesmo, mas o espírito - ou a "alma", como se preferir - precisa aprender a gerenciar muitas e diferentes vidas - metaforicamente falando, claro - a partir do momento em que somos literalmente "lançados neste mundo", sem que sequer tenhamos sido consultados previamente sobre essa decisão, como afirmam os filósofos existencialistas. Experimentar diferentes vidas, entretanto, não significa necessariamente usufruir da qualidade e da plenitude que o viver coloca à nossa disposição. Somente quem possui flexibilidade e plasticidade para empreender mudanças profundas de mentalidade e de perspectiva, renovar suas estratégias de enfrentamento para com esse vendaval de mudanças e transformações, e "rematrizar" um sem-número de crenças e "verdades" que nos vão sendo transmitidas e ensinadas sem um minimo de reflexão crítica de nossa parte, está em condições de usufruir ao máximo de tudo que a vida e o viver nos proporcionam. Muitos, porém, quase sempre orientados por crenças e convicções de natureza religiosa, estão absolutamente convictos de que isso só é possível numa outra dimensão e numa outra esfera de realidade, como se esse fosse um projeto exclusivamente de longo prazo. Quem assim pensa e dessa forma se comporta, comete um erro perigoso que pode acabar acarretando consequências desastrosas. Crer e se comportar como se estivéssemos apenas "de passagem" por esse planeta - verdadeiro "vale de lágrimas", como aprendemos desde cedo por via do Cristianismo - é um equívoco que tem custado caro justamente para quem já paga um alto preço na árdua e interminável luta pela sobrevivência. Não podemos investir e nos comportar nesse mundo acreditando que a única vida autêntica e verdadeira se situe numa outra dimensão, onde a plenitude e a abundância nos aguardam como um prêmio ou uma recompensa a serem usufruídos por toda a eternidade. Essa crença ou mentalidade precisa ser revista e reformulada o quanto antes. A nenhum tipo de messianismo ou de projeto que se identifique como "salvífico" é reservado o direito de incutir tal crença na mente das pessoas, notadamente naquelas mais vulneráveis e já constantemente enganadas e exploradas por via de outros discursos. Tal tipo de crença ou de ideologia não faz senão aumentar ainda mais a vulnerabilidade, a dependência e a servidão. Do ponto de vista das religiões institucionalizadas, entretanto, não convém ser muito otimista com relação a mudanças profundas nesse sentido. Isso porque, de acordo com Deepak Chopra, "faz parte da natureza das religiões marcar terreno exclusivo para sua versão particular e igualmente exclusiva de Deus".

 

Seria, entretanto, um erro pensar que essa concepção distorcida da realidade tenha nascido com o Cristianismo. Por volta do século IV antes de Cristo, essa mesmíssima deturpação do mundo real e da realidade imanente, em favor de uma projeção utópica, fictícia e transcendente - raríssimos são os messianismos e as utopias que se sustentam sem promessas desse tipo - acabaria se tornando o fator determinante do desentendimento ocorrido entre Aristóteles e seu grande mestre Platão, para quem o mundo real não passa de mera sombra e aparência, e a ilusão utópica de uma transcendência absoluta e imutável, a mais pura e autêntica realidade. Não houve possibilidade de conciliação entre ambos; o abismo entre eles havia se tornado grande demais. "Amicus Plato, sed magis, amica veritas" - "Sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade" - teria dito Aristóteles ao partir, absolutamente convicto de estar fazendo a coisa certa. Séculos mais tarde, por intermédio do "arcabouço platônico" incorporado pela filosofia de Aurélio Agostinho - mais popularmente conhecido como "Santo Agostinho" - o Cristianismo Institucional continuaria sendo o principal herdeiro e propagador dessa lamentável e grave distorção. O idealismo e o otimismo platônicos são sem dúvida dignos de mérito e de reconhecimento, mas pecam por excesso de ingenuidade e de romantismo, ao ignorar o impacto e a contundência da realidade concreta e imanente, substituindo-a pela fantasia de um sonho utópico, ilusório e transcendente. Ao contrário do que apregoa o Platonismo, e do que certo número de crenças nele inspiradas estão convictas - o Cristianismo talvez seja apenas a principal delas - precisamos agir e nos comportar nesta vida como se ela fosse insubstituível, inalienável e impostergável. Precisamos compreender que o planeta em que vivemos é a "Canaã" que nos foi prometida, e que dela precisamos tomar posse com espírito de decisão, responsabilidade e determinação, e não, como querem muitos, como se fôssemos exilados ou refugiados numa terra estranha, deserdados de tudo e sem um território e uma nação que possamos chamar de pátria, quer exista quer não uma outra, à qual os cristãos costumam chamar de "pátria celeste". Ponto parágrafo, antes que esse prefácio introdutório acabe sendo interpretado como distorção e grave ameaça. O parágrafo seguinte talvez ajude a amenizar essa percepção, ao esclarecer melhor nossa posição a respeito dessa questão.

Se você sendo ou não cristão, acredita na imortalidade da alma e na continuidade desta vida para além da morte - uma "vida eterna", como se costuma dizer - provavelmente já esteve na iminência de interromper a presente reflexão. Ciente dessa possibilidade, devo adverti-lo de que, em o fazendo, deve estar preparado para assumir por inteiro sua decisão. Em nenhum momento descartei a possibilidade de que possa existir vida para além da morte, ou que, em existindo, essa vida não possa ser eterna, isto é, por todo o sempre. Essa crença está por demais arraigada no inconsciente coletivo da humanidade, das culturas e dos povos, e muito provavelmente da grande maioria das pessoas, para que possa ser descartada com afirmações  teóricas, argumentos frágeis ou palavras rasas. "Na ausência da certeza - nos lembra Carl Simolton - nada há de errado com a esperança". Ao menos em princípio, com certeza realmente não há! Mas dependendo dos rumos a que esta "esperança" nos venha a conduzir, algo de errado pode sim, vir a acontecer. Um significativo número de estudiosos viram na projeção de uma vida para além da morte uma perigosa forma de alienação, uma "fuga" da realidade que distorce a consciência e paralisa a ação. Karl Marx considerava tal crença a alienação por excelência, visto que, de acordo com ele, por intermédio dela o ser humano acaba projetando para fora de si - em Deus e em um futuro paradisíaco - aquilo que é de sua inteira responsabilidade conquistar já no aqui e no agora da existência. Uma esperança assim alienada acaba produzindo, ele conclui, passividade e resignação. Nietzsche via a crença na eternidade como negação da vida real, uma estratégia de homens fracos como forma de se vingarem dos homens fortes. Troca-se o mundo presente, afirma ele, - vital, criativo, e cheio de alternativas, pela fantasia de uma realidade e uma promessa de justiça futura, o que termina por "castrar" o instinto e impedir a afirmação da vida. Para Freud, a crença numa vida após a morte não passaria de uma neurose coletiva, uma ilusão infantil que "aliena" o sujeito, sobretudo em relação ao fim que nos aguarda. Ao invés de amadurecer, aprender a enfrentar e lidar com a morte, a pessoa cria a imagem de um “pai celestial bondoso e amoroso”, passando a partir de então a negar a morte como sequestro da vida, bem maior e mais precioso do ser humano. Algo parecido ensina Albert Camus, para quem a esperança no além não passa de uma forma de "escapismo" diante do absurdo da vida. Quem espera salvação futura, ele diz, se aliena do presente, do aqui e do agora, buscando evitar o confronto com o vazio. Como remédio para qualquer tipo daquilo que ele chama de "alienação metafísica", Camus sugere a lucidez sem ilusões, uma opção difícil mas corajosa e necessária. Os exemplos citados são inegavelmente uma luz importante para  compreendermos que, em si mesma, a esperança ou a crença em uma vida futura nada tem "a priori" de absurdo ou de alienação. Porém a maneira de se conceber e se lidar com a vida presente, em contrapartida dessa "crença central", como a chamaria a Teoria Cognitivo Comportamental, pode acabar transformando a esperança, reputada a princípio como virtude, em uma grave forma de alienação. Mas ainda que tais críticas sejam bem-vindas, também aqui a sabedoria sugere prudência e atenção. Existe sempre o perigo de "se lançar fora a criança com a água suja", como adverte certo ditado chinês. Assim, se todo e qualquer aspecto alienante relacionado à esperança deve ser rejeitado, é preciso ter cuidado para que não se descartem, juntos, os valores humanos, éticos, simbólicos, e inclusive transcendentais, que a esperança tem o condão de portar consigo.

Todo ponto de vista não é senão a vista, a visão ou a percepção que se tem a partir de um determinado ponto. O que estamos chamando de "perspectiva" pode sem dúvida ser considerado o aspecto mais importante para a compreensão do todo e de cada uma das partes de uma obra de arte, por exemplo. Pablo Picasso, famoso pintor espanhol, certamente estava ciente disso quando deu vida àquela que talvez seja a sua principal criação, a "Guernica". Nela tudo parece estar literalmente fora de ordem, de lugar, como se com a aparente ausência de perspectiva Picasso pretendesse retratar o irracionalismo da guerra, notadamente aquela que ocorre entre irmãos de uma mesma pátria e nação. Dessa forma, sua obra se tornaria um grito de protesto político e humanitário contra os horrores do bombardeio da cidade basca de Guernica, pela aviação nazista a serviço de Franco, durante a Guerra Civil Espanhola. O estilo expressionista e a dramaticidade dos personagens, com figuras distorcidas e aparentemente fora de perspectiva, assim como o clima de angústia e desespero nos olhares, poderiam a princípio sugerir insanidade mental por parte de seu criador. Um olhar crítico e mais apurado, entretanto, revela que esse aparente desdém pelas exigências da "perspectiva" se deve muito mais a escolhas estéticas, simbólicas e metafóricas. O que a obra revela é a expressão de uma decisão absolutamente consciente e intencional do artista, que decide abrir mão da precisão e da lógica exigidas pela perspectiva, como uma curiosa e impressionante forma de denúncia e de conscientização. Fielmente seguida e respeitada, ou categoricamente invertida ou até mesmo negada, a "perspectiva" continua ocupando o foco principal.

Outro exemplo que atesta a importância da "perspectiva" está relacionado a um dos aspectos mais revolucionários da chamada "Física Quântica". Experiências demonstraram que partículas subatômicas ora parecem se comportar como ondas, ora como sólidos, fenômeno que de acordo com os pesquisadores ocorre em razão direta da "perspectiva" em que se encontra o observador. Não tenho intenção alguma de aprofundar aqui esse "achado", certamente ainda mais revolucionário, para a ciência, do que a chamada "revolução copernicana". O que nos interessa é a explicação fornecida para a ocorrência do fato: o que produz o fenômeno, como já foi mencionado, é nada mais nada menos que a "perspectiva" em que se encontra o observador. Sendo mais preciso e mais claro: a perspectiva de quem observa não tem obviamente o condão ou poder de "produzir o fenômeno em si", senão que "o capta" ou "apreende" de diferentes modos ou modalidades. Considero essa nova e paradigmática descoberta como altamente relevante para a qualidade de vida dos seres humanos, pelo seguinte: a partir do momento em que conseguimos mudar nossa mentalidade,  readequar nossa perspectiva, e empreender novas estratégias de enfrentamento, seja em resposta às inúmeras crenças e "verdades" que vamos assimilando "automaticamente" ao longo de nossa vida, seja em resposta às radicais mudanças e transformações com que somos surpreendidos ao longo de nossa existência, tornamo-nos agentes potencialmente poderosos, capazes de alterar nossa qualidade de vida e nosso "espaço vital", enquanto, simultânea e indiretamente, contribuímos para a melhoria do "meio social" do qual fazemos parte. O fator determinante dessa dessa otimização se resume basicamente no seguinte tripé: "mudança de mentalidade", "readequação de perspectiva", e "renovação das estratégias de enfrentamento". Sábia é a sabedoria popular quando afirma, sem medo de errar, que ou se renova ou se morre. Há muita sabedoria embutida nessa máxima tão curta e simples. Simplicidade teórica, entretanto, nem sempre significa eficiência prática. Para que compreendamos a razão disso, bem como para que possamos concluir essa primeira parte, melhor passarmos a um novo parágrafo.

 

Muitas pessoas - provavelmente a grande maioria delas - sofrem de um estranho mal, que até o momento não parece ter sido ainda adequadamente diagnosticado. Costumo classificá-lo  como "TFP". Não! Não estou falando de Tradição, Família e Propriedade. Esse "clichê" já está por demais saturado em razão de sua deplorável malversação pela política tupiniquim. No presente contexto, TFP é a sigla para o que estou chamando de "Transtorno de Falta de Perspectiva", decorrente da notória dificuldade de mudança de mentalidade, que muitos de nós apresentamos. Como já observamos anteriormente, a vida de todos nós é continuamente confrontada por um "tsunami" de mudanças e de transformações profundas ao longo das distintas etapas de nossa existência. Não precisamos ser "heraclitianos" para reconhecer esse fato. Ainda assim, nossa mentalidade quase sempre permanece a mesma, enquanto nossa perspectiva permanece refratária a mudanças que nos obriguem a enfrentar águas mais profundas. Dessa forma nossas estratégias de enfrentamento em resposta a esse vendaval de mudanças e transformações, que depois de nos atingem frontalmente se espalham pelo nosso entorno mais próximo - a que Kurt Lewin chamou de "espaço vital" - continuam sendo também as mesmas. Reagimos sem o necessário "aggiornamento", um conceito caro aos italianos e abraçado inclusive pela própria Igreja, notadamente por ocasião da realização do Concílio Vaticano II. Operando com velhas ferramentas diante de fatos e acontecimentos radicalmente novos, esse "espaço vital" vai se transformando em um autêntico "espaço mortal", expressão que pode soar demasiado forte e até ofensiva para muitos. Reconheço e admito. Mas minha principal função, como alguém que aborda temas complexos à luz de vieses ou pontos de vista nada ortodoxos, é descrever os fatos com a força e o impacto que eles portam consigo, e não, alterá-los e menos ainda "maquiá-los" para que eles se tornem mais palatáveis e mais facilmente digeríveis ao metabolismo mental e racional cada vez menos funcional de grande número de pessoas. O "território" religioso-espiritual sempre foi e parece continuar sendo um dos mais difíceis de ser frequentado; há muita areia movediça por todo lado. De qualquer forma, já deixei claro que não compartilho ou ensino "verdades"; "dogmas", então, menos ainda. Aprendi e continuo aprendendo a fazer minhas próprias "sínteses", e sigo compartilhando-as, como uma espécie de "contraponto", com aqueles que se mostram  receptivos e dispostos em elaborar as suas. Assumo inteira responsabilidade pelas ideias e opiniões expressas em meus escritos, ciente de que aqueles que me lêem nem sempre concordam e nem necessariamente discordam de minhas ideias e convicções. Um importante legado deixado pela Filosofia é que ela nos ensina a pensar "com", sem necessariamente ter que pensar "como", respeitando a autonomia, a liberdade e a independência de pensamento dos demais. E para esta primeira parte, basta; é suficiente.

9 (*LSM )

 

( * ) Reflexaõ enviada de Vitória (ES) pelo autor por whatsapp.

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