I-
REFLEXÃO DOMINICALII
18 de
maio – 5º DOMINGO DA PÁSCOA
Por Pe. Francisco Cornélio*
Páscoa: o tempo das novidades de Deus
I. Introdução geral
O tempo pascal é
caracterizado pelas novidades do agir de Deus na história, cujo ápice é a
ressurreição de Cristo, e a liturgia deste domingo é boa demonstração disso. De
fato, todas as leituras recordam grandes novidades do projeto libertador de
Deus para a humanidade, seja como realidade, seja como projeto, mostrando assim
que ele age sempre de maneira nova e surpreendente, mesmo quando cumpre
promessas antigas. Na primeira leitura, as principais novidades apresentadas
são a nova forma de organização das comunidades, com a designação de lideranças
locais – os presbíteros – para manter acesa a evangelização, garantindo
continuidade à missão dos apóstolos e o acesso dos pagãos à salvação, com a
abertura da porta da fé também para eles. Na segunda, o próprio Deus se
apresenta como artífice de novidades: ele faz novas todas as coisas. Prova
disso é a nova Jerusalém que desce do céu, como imagem do mundo novo, sem dores
nem males, com o estabelecimento de sua morada em meio à humanidade. No
Evangelho, a grande novidade é o amor como mandamento, à maneira de Jesus, e
como elemento distintivo da identidade cristã no mundo.
II. Comentários dos textos bíblicos
1. I leitura (At 14,21b-27)
A leitura relata a
conclusão da primeira viagem missionária de Paulo, acompanhado de Barnabé (At
13,1-14,28). Nessa viagem, os dois missionários realizaram intensa atividade
apostólica, percorrendo várias cidades e anunciando corajosamente o Evangelho,
não obstante as perseguições. O resultado foi o surgimento de diversas
comunidades, consolidando a expansão da Palavra em direção aos confins da
terra, conforme o mandato do Ressuscitado (At 1,8). A postura dos dois
missionários constitui verdadeiro paradigma para a missão da Igreja em todos os
tempos.
Antes de retornar para a
comunidade que os tinha enviado – Antioquia da Síria –, eles resolvem fazer
nova visita às comunidades recém-fundadas (v. 21), a fim de animar e encorajar
os novos discípulos a perseverar na fé, tendo em vista as tribulações pelas
quais devem passar para entrar no Reino de Deus (v. 22). Trata-se de atitude
muito importante, que revela o afeto e a preocupação dos apóstolos com a
perseverança das comunidades. Com efeito, o Evangelho é dom que precisa ser
cultivado para poder gerar frutos. Daí o cuidado dos missionários com o futuro
das comunidades. Por isso, designaram presbíteros em cada comunidade (v. 23),
ou seja, formaram lideranças locais para garantir a continuidade da missão. Sem
dúvida, essa é uma das grandes novidades que o texto apresenta. Sem essa
iniciativa, dificilmente as comunidades perseverariam na fé, pois os apóstolos
não podiam permanecer para sempre numa comunidade.
Além de animar as
comunidades já formadas, os missionários aproveitam a viagem de volta para
continuar anunciando a Palavra (v. 24-25). Ao chegar à cidade de onde tinham
partido em missão – Antioquia da Síria (v. 26) –, reuniram a comunidade para
contar tudo o que Deus tinha operado por meio deles (v. 27a). Este também é
detalhe de grande importância: os missionários devem ter consciência de ser
instrumentos de Deus, o verdadeiro autor da missão. Logo, o êxito da missão não
é resultado de méritos humanos, e sim da obediência e fidelidade aos propósitos
de Deus. Ao fazer um balanço da missão, eles contam outra grande novidade:
também aos pagãos Deus abriu a porta da fé (v. 27b). Desse modo, eles declaram
a universalidade da salvação, comprometendo a Igreja nascente a anunciar o
Evangelho a todas as pessoas, indistintamente, inundando o mundo do amor de
Jesus, para torná-lo mais justo e fraterno.
2. II leitura (Ap 21,1-5a)
A segunda leitura ainda
é tirada do livro do Apocalipse, precisamente da última seção narrativa
(19,11-22,5), correspondente ao último conjunto de visões do profeta autor.
Tendo já descrito as impressionantes lutas entre o bem e o mal, com a vitória
definitiva de Deus e seu Cordeiro, fazendo uso intenso de imagens e símbolos,
como é próprio do gênero literário apocalíptico, o autor dedica a parte final
do livro às visões do novo céu e da nova terra, e da nova Jerusalém, como destino
da humanidade e ápice da história da salvação. O trecho lido neste domingo faz
parte desse contexto.
O texto começa com uma
visão esplêndida: o profeta contempla um novo céu e uma nova terra (v. 1a),
imagem do mundo novo. Isso significa que o mundo velho desapareceu e o mal,
representado pelo mar, foi vencido (v. 1b). Trata-se de imagem bastante
consoladora, capaz de infundir esperança e coragem aos destinatários que viviam
um momento turbulento, devido às perseguições. Embora já fosse previsto pelos antigos
profetas (Is 65,17; 66,22), o anúncio de um mundo novo é sempre uma novidade,
sobretudo para quem espera por libertação, vivendo sob o jugo do mundo velho,
marcado pela opressão e pela injustiça, como viviam os membros das comunidades
destinatárias do Apocalipse. A sequência do texto torna a mensagem ainda mais
clara e animadora, com a descrição da nova Jerusalém que desce do céu (v. 2),
tornando-se a morada de Deus em meio à humanidade, estabelecendo com esta uma
relação de comunhão plena (v. 3). O resultado dessa relação é a superação
definitiva da morte com suas consequências: luto, choro e dor. Já não haverá
sofrimento, porque o próprio Deus vai enxugar as lágrimas do seu povo (v. 4).
Somente um Deus capaz de fazer novas todas as coisas pode tornar-se assim tão
próximo e companheiro da humanidade (v. 5).
O mundo novo,
contemplado pelo profeta, já está em construção, mesmo que os sinais ainda
sejam acanhados; o ponto de partida foi a ressurreição de Jesus. A humanidade
inteira é chamada a colaborar nessa construção, o que se faz assimilando e
vivendo o mandamento do amor, à maneira de Jesus.
3. Evangelho (Jo 13,31-33a.34-35)
Ambientada em Jerusalém,
no cenáculo, a última ceia de Jesus com seus discípulos é o episódio mais longo
do Quarto Evangelho, ocupando um total de cinco capítulos (Jo 13-17). Nesse
amplo espaço narrativo, o evangelista não se limita a descrever uma refeição,
mas aproveita para apresentar os mais profundos ensinamentos de Jesus, com as
últimas recomendações aos seus discípulos. Àquela altura, certamente, todos
eles já tinham consciência de que a vida terrena do mestre estava terminando.
Logo, o clima era de despedida. Jesus, porém, não permitiu que, apesar de
dramático, o momento fosse dominado pela tristeza; afinal, ele tinha plena
convicção da ressurreição. Por isso, quis transmitir coragem e esperança aos
discípulos, por meio de longo discurso de despedida, em forma de testamento (Jo
13,31-16,33).
Inserido no contexto
acima exposto, o Evangelho desta liturgia traz dois temas muito importantes: a
glorificação de Jesus e de Deus nele (v. 31-32), e o novo mandamento do amor
(v. 34-35), a novidade maior. Contudo, o tema da glorificação também constitui
uma novidade, sobretudo pela maneira paradoxal como é apresentado. A
proximidade da morte de Jesus é indicada pela saída de Judas do cenáculo (v.
31a). O próprio Jesus tem consciência disso, pois logo anuncia que é chegada a
hora de ser glorificado junto com Deus (v. 31b). O fato é que, no Antigo
Testamento, a glória de Deus se manifestava por meio de acontecimentos
impressionantes e fenômenos da natureza, como fogo, tempestades e nuvens. Aqui,
Jesus ensina que é na sua morte que ele e Deus são glorificados (v. 32);
associar a morte à glória é, sem dúvida, grande novidade. Na verdade, toda a
vida de Jesus foi contínua manifestação da glória de Deus, sobretudo pela sua
maneira de amar sem limites. E a morte na cruz é a confirmação disso, sobretudo
no Evangelho de João.
Numa surpreendente
demonstração de afeto, Jesus chama seus discípulos de “filhinhos”, confirmando
ser o pleno revelador de Deus, o Pai (v. 33a). Sua relação íntima com o Pai o
autoriza a promulgar um mandamento completamente novo, que é a maior novidade
de todo o seu ensinamento: o amor à sua maneira (v. 34). É claro que o amor – a
Deus e ao próximo – já estava previsto na antiga Lei (Dt 6,4-5; Lv 19,38), mas
não desse modo. Ele ordena aos seus discípulos que se amem uns aos outros,
estabelecendo seu próprio amor como parâmetro (v. 34). Trata-se de grande
novidade, a ponto de tornar-se o único critério de pertença ao seu discipulado
(v. 35). É também grande responsabilidade, pois a vivência recíproca desse amor
é que caracteriza uma comunidade como pertencente a Jesus e manifesta a
presença do Ressuscitado em seu meio. Portanto, somente o amor é suficiente
para alguém ser reconhecido como discípulo ou discípula de Jesus.
III. Pistas para reflexão
Explicar bem as
leituras, de maneira contextualizada e atualizada; com base nelas, recordar que
o agir de Deus é sempre surpreendente, marcado por novidades. Mostrar que, mais
do que um evento, a Páscoa é tempo propício para descobrir coisas novas e
ressignificar coisas antigas. Agradecer a Deus pela vida das pessoas que
exercem liderança nas comunidades e motivar todos a empenhar-se na vivência do
mandamento do amor, assim contribuindo para a construção de um mundo melhor,
mais humanizado, solidário e fraterno.
Pe. Francisco Cornélio*
*é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em
Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso D’Aquino – Angelicum
(Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf
(Recife) e bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Salvador-BA. É
professor de Teologia no Centro Universitário UniCatólica do RN. francornelio@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/18-de-maio-5o-domingo-da-pascoa-2/
Nenhum comentário:
Postar um comentário